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Dia Nacional da Matemática, um caminho para a inclusão social e a melhoria do ensino
Neste 6 de maio, o Brasil comemora o Dia Nacional da Matemática. A data, instituída pela Lei 12.835 de 26 de junho de 2013 , é uma homenagem ao dia de nascimento do escritor, educador e matemático brasileiro, Julio Cesar de Mello e Souza (1895-1974), que ficou conhecido no mundo todo pelo heterônimo Malba Tahan que usou para assinar cerca de 120 livros sobre matemática, cultura, história e didática da Matemática, sendo o mais famoso, o “O homem que calculava”.
Para celebrar a data, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ressalta iniciativas que reforçam a importância dessa área do conhecimento e que mostram como estimular jovens e crianças a desenvolver suas habilidades, por meio do ensino e de atividades práticas, que sejam também prazerosas. Nos últimos anos, muitas iniciativas buscam popularizar a Matemática e resultaram em mudanças de vida para muitos estudantes. Apresentamos, hoje, o depoimento de alguns deles, que tiveram oportunidades únicas por meio de iniciativas para a promoção da Matemática, corrobora a relevância dos resultados derivados da atenção dispensada a essa área.
Para falar sobre o assunto, convidamos o Diretor-Geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, professor Marcelo Miranda Viana da Silva . Em entrevista, Viana comenta as várias aplicações da Matemática para nosso dia-a-dia, questões sobre a educação para a matéria e sobre o mercado de trabalho para profissionais especializados.
Um dos destaques apontados por Viana foi a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) , criada em 2005. Realizada pelo IMPA, com apoio da SBM (Sociedade Brasileira de Matemática) e recursos do Ministério da Educação e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, a OBMEP visa estimular e promover o estudo da Matemática; identificar jovens talentos na área e incentivar seu ingresso nas áreas científicas e tecnológicas de universidades. A Olimpíada também visa incentivar o aperfeiçoamento dos professores das escolas públicas, contribuindo para sua valorização profissional; além de colaborar para com a melhoria da qualidade da educação básica e auxiliar a integração das escolas brasileiras com universidades públicas, institutos de pesquisa e sociedades científicas. Apenas em 2019, mais de 18 milhões de alunos, do 6º ano do Ensino Fundamental até último ano do Ensino Médio, envolveram-se na disputa.
Por meio de parceria do CNPq com o IMPA, são concedidas bolsas de Iniciação Científica Júnior para os premiados que participam do Programa de Iniciação Científica (PIC) da OBMEP . Atualmente, são seis mil bolsistas contemplados. Por meio desse programa, os alunos contemplados em cada edição da Olimpíada participam de atividades orientadas por professores qualificados de instituições de ensino superior e de pesquisa, em projeto que visa a ampliação do conhecimento científico dos estudantes, preparando-os para futuro desempenho profissional e acadêmico. Todo aluno bolsista do CNPq premiado na Olimpíada e que já tenha participado do PIC mais de duas vezes, sendo pelo menos uma vez no nível 3, deverá participar do Programa Mentores da OBMEP.
Os resultados dos alunos bolsistas que passaram pelo PIC demonstram que o programa consegue atingir a finalidade para o qual foi criado, além de promover uma transformação social na vida dos contemplados. Aprovado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (conhecido pela sigla MIT, em inglês), Orisvaldo Salviano Neto, que conquistou medalhas de ouro e de bronze na OBMEP, assume que estudar nessa instituição era seu sonho há tempos. Ele acredita que sua participação na olimpíada também contribuiu para seu ingresso no MIT. “Só por causa das olimpíadas fui exposto ao mundo fora de sala de aula. Elas abriram muitas portas”, avalia Orisvaldo, que freqüentou o Ensino Médio no colégio Ari de Sá, em Fortaleza, e foi para os Estados Unidos em 2019. Pedro Lucas Lanaro Sponchiado, também aprovado no MIT em 2019, ouro na OBMEP e com vários outros prêmios conseguidos em disputas internacionais, reconhece, da mesma forma, o peso das olimpíadas na avaliação de currículo realizada por instituições de ensino superior estrangeiras. “Mais do que provar que você é bom, essas competições mostram que você investiu bastante tempo em algo. Eles gostam de ver que, em geral, você tem foco”, afirma ele.
Mesmo quem decidiu investir na graduação no Brasil, como o alagoano Wellington Leite, ressalta a importância da Olimpíada como elemento transformador de vidas. Cursando graduação em Matemática, na Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, Wellington fez o Ensino Médio na escola pública Onélia Campelo, na periferia de Maceió (AL) e diz que teve a vida alterada a partir da OBMEP. “Mudou praticamente tudo. Gostava de números desde pequeno, só que achava as aulas do colégio muito fáceis, o que diminuía meu interesse. Quase fiz física, mas voltei atrás quando comecei a ler os livros para participar da competição matemática”, afirma ele, filho de uma catadora de recicláveis e que chegou a estudar na rua, sob a luz do poste, quando a energia da casa onde mora com a mãe foi cortada por sete meses.
Primeira da família a cursar o ensino superior, a acreana Andressa Maciel Lima, aluna de Engenharia Civil da Universidade Federal do Acre (UFAC) corrobora o exemplo de Wellington de que a OBMEP desempenha também relevante papel para a inclusão social. Ela estreou na Olimpíada aos 11 anos, quando estava no 6º ano do Ensino Fundamental. Participou da competição todos os anos, até o final do Ensino Médio, ganhando duas menções honrosas, quatro medalhas de bronze e uma de prata. Ex-bolsista do PIC, ela afirma que a oportunidade foi fundamental para ela aprofundar os estudos nas disciplinas relacionadas à área de Exatas. “As aulas presenciais e virtuais contam com professores qualificados que nos motivam a seguir nossa paixão pela Matemática, valorizando e reconhecendo nosso desempenho”, avalia Andressa. O pai dela, Iraldo, que interrompeu os estudos no Ensino Fundamental e é autônomo, sem uma renda fixa, afirma que a OBMEP foi um incentivo. “Não fosse a olimpíada, infelizmente, o sonho dela de entrar na universidade teria sido interrompido. Não temos condições de pagar estudo”, enfatiza Iraldo.
Um pouco de história
As olimpíadas de Matemática, como conhecidas nos moldes atuais, tiveram início em 1894, na Hungria. Ao longo dos anos, esse tipo de competição se espalhou pelos países do Leste Europeu e, em 1959, foi organizada na Romênia a Primeira Olimpíada Internacional de Matemática. No Brasil, a SBM (Sociedade Brasileira de Matemática) coordenou a Primeira OBM (Olimpíada Brasileira de Matemática) em 1979. Embora essa disputa tenha passado por transformações durante o tempo, sua idéia central permaneceu a mesma: estimular jovens para o estudo da Matemática, capacitar professores, influenciar na melhoria do ensino da matéria e descobrir novos talentos. Além de ser competição dirigida a estudantes do Ensino Fundamental, a partir do 6º ano, e do Ensino Médio, a OBM também é dirigida para estudantes de graduação de instituições públicas e privadas. O CNPq apoia a OBM, para onde vão os melhores classificados da OBMEP.
Quem foi Malba Tahan
Nascido no Rio de Janeiro, Julio César de Mello e Souza ocupou-se com educação desde o início da vida profissional, como professor de diversas matérias, optando, ao final, pelo ensino da Matemática, campo em que percebeu a necessidade de estabelecer um ensino empolgante. Para ele, a educação não poderia ser mecânica e repetitiva, provocando angústia e frustração por reprovações, mas envolvente e repleta de desafios motivacionais, para que os alunos desenvolvessem o gosto pela matéria e o conhecimento acerca de seus conteúdos.
Assim, contrariando o método educativo de sua época, Mello e Sousa passou a ensinar utilizando técnicas como jogos, desafios e histórias. Mello e Sousa assinou sob o pseudônimo Malba Tahan ao menos 50 dos cerca de 120 livros que esceveu. Uma de suas obras mais famosas é O homem que calculava , best-seller que apresenta vários enigmas matemáticos, solucionados pelo personagem da obra, o calculista Beremiz Samir.
Diretor-Geral do IMPA e pesquisador 1A do CNPq, o carioca Marcelo Miranda Viana da Silva cresceu em Portugal, onde se graduou em Matemática pela Universidade do Porto, em 1984. Voltou ao Brasil para cursar Doutorado no IMPA, onde hoje é professor. Ao longo de sua vida profissional, Viana já ocupou funções em diversos órgãos e comitês voltados para a Matemática, ganhou prêmios na área, idealizou e liderou o PROFMAT – Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional. Hoje, ele escreve sobre Matemática de forma semanal para o jornal Folha de São Paulo.
Nessa entrevista, o professor Marcelo Viana ressalta a importância da Matemática para em nosso dia-a-dia, observa sua relevância para a atividade econômica dos países, enumera diversas atividades rotineiras em que a Matemática está presente, discorre sobre o ensino da matéria, com dicas de como introduzir e acompanhar o estudo da Matemática. Ele ainda comenta sobre o mercado de trabalho da matéria, que embora esteja em expansão, ainda é carente de profissionais qualificados.
CNPq: Qual é a importância da matemática no dia-a-dia?
M.V.: As pessoas têm consciência de que a matemática está presente na nossa rotina quando fazemos contas, estimamos medidas ou avaliamos probabilidades. O que é menos conhecido é a intensa participação da matemática na atividade econômica. Estudos técnicos realizados em diversos países avançados (Reino Unido, França, Holanda, Austrália, Espanha) revelaram que as atividades com forte teor de matemática são responsáveis por 12 a 16% do Produto Interno Bruto, ou seja a totalidade de riqueza produzida nesses países. Isso no Brasil daria 1 trilhão de reais! Por ano...
CNPq: O senhor pode citar uma aplicação da matemática que encontramos em nossa rotina e não temos ideia de que está ligada ao assunto?
M.V.: Celulares usam métodos matemáticos para maximizar a quantidade de informação que conseguem transmitir, e para garantir a segurança da mesma. A previsão do tempo e o estudo da evolução de pandemias é baseado em modelos matemáticos sofisticados. Métodos matemáticos e de inteligência artificial são usados cada vez mais no diagnóstico médico, particularmente, no diagnóstico por imagem. A transmissão de televisão usa técnicas matemáticas para melhorar a qualidade da imagem transmitida, ajustando a resolução de maneira automática ao assunto. Filmes de Hollywood utilizam sofisticadas técnicas matemáticas de modelagem 3D para produzir os mais avançados efeitos especiais. O treinamento dos atletas de elite competindo em Olimpíadas faz uso de matemática avançada para melhorar o seu desempenho.
CNPq: Em que a Olímpiada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas estimulou o conhecimento de estudantes sobre a área? Vocês notaram uma diferença significativa entre a primeira Olimpíada e as últimas?
M.V.: A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas apresenta a matemática, aos quase 20 milhões de estudantes que nela participam todo ano, por um ângulo que raramente é visto na sala de aula, instigante e desafiador. Dessa forma ela contribui de modo importante para o despertar de vocações e, comprovadamente, a melhora do desempenho escolar. Uma coisa muito interessante é que esse efeito benéfico se estende à turma e à escola como um todo, a partir da dinâmica criada pela participação na OBMEP.
CNPq: No tocante ao mercado de trabalho para um matemático hoje: o mercado cresceu? O que um profissional da área pode fazer para se desenvolver e mostrar diferença no currículo?
M.V.: Há enorme carência no mercado de trabalho de profissionais com proficiência avançada em matemática e a procura continua crescendo. Isso se deve, por um lado, ao fato de que a matemática está cada vez mais no cerne dos principais avanços tecnológicos do século 21, particularmente no domínio da ciência dos dados e da inteligência artificial. A par disso, também é altamente valorizado o fato de que o treinamento em Matemática vem acompanhado de agilidade de raciocínio e estrutura lógica, que são igualmente muito valorizados.
CNPq: A Matemática muitas vezes é apontada como um assunto impossível de se entender por estudantes. Como fazer as pessoas gostarem do assunto e qual é o papel dos professores para melhorar isso?
M.V.: Um aspecto muito importante é buscar relacionar as ideias matemáticas, que são frequentemente abstratas, com as realidades e problemas concretos que lhes deram origem. Também muito importante é realçar uma abordagem instigante, desafiadora da matemática. O professor tem papel fundamental, pelo que é fundamental investir na melhoria da formação dos nossos docentes e na valorização da docência de qualidade.
CNPq: No caso de crianças menores, como introduzir a Matemática de uma forma que elas possam gostar e compreender?
M.V.: Estudos técnicos comprovam que crianças pequenas são particularmente receptivas à matemática e nutrem por ela um gosto que, em muitos casos, vai sendo perdido gradualmente ao longo de sua trajetória escolar. É provável que isso se deva a que a matemática mais elementar tem um caráter mais concreto e utilitário relacionado diretamente com os interesses das crianças: contar balas, dividir pizza etc. À medida em que são abordados tópicos mais avançados e abstratos (frações, etc) é crucial manter presente a conexão com o concreto.