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Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência
Neste dia 11 de Fevereiro é comemorado o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, estabelecido por resolução da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2015.
A questão de gênero tem sido tão relevante nos debates da ONU que a agenda 2030 dessa organização internacional relaciona a igualdade de gênero e a redução das desigualdades como objetivos do desenvolvimento sustentável. O estabelecimento de uma data específica para se comemorar a inclusão de mulheres e de meninas na ciência, de acordo com a UNESCO - agência da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura - constitui uma oportunidade para a promoção do acesso à ciência, bem como para o tratamento igualitário e para a participação na área de mulheres e meninas, de acordo com as diretrizes de igualdade de gênero daquela agência internacional. Na mesma linha, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) já lançou dois editais (2013 e 2018) que corroboraram a necessidade de ampliação do interesse e da participação de meninas e mulheres na ciência, com ênfase na área de Ciências Exatas, Engenharias e Computação. Os editais possuíam o objetivo de estimular a formação de mulheres nessas áreas e despertar o interesse vocacional de estudantes do sexo feminino da educação básica e do ensino superior para essas profissões e para a pesquisa científica e tecnológica.
Apesar de os números de mulheres com bolsas de iniciação científica e também as com mestrado e com doutorado serem superiores ao dos homens, as mulheres representam apenas 33% do total de bolsistas de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Nas áreas de Ciências Exatas, Engenharias e Computação a desigualdade é maior. Os homens assinam 75% dos artigos nas áreas de Computação e de Matemática. Esse resultado se deve a diversos e múltiplos obstáculos, em especial nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, conhecidas pela sigla STEM em inglês (Science, Technology, Engineering and Mathematics), para o acesso, permanência e ascensão de mulheres nas carreiras científicas e tecnológicas.
Segundo dados da UNESCO, estima-se que apenas 30% dos cientistas do mundo sejam mulheres. Do total de estudantes matriculados em cursos de Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática, somente 35% são mulheres. Ainda segundo a UNESCO, embora existam poucos dados acerca das disparidades entre homens e mulheres cientistas nessas áreas por país ou a nível internacional, vários estudos realizados entre cientistas nesses campos de conhecimento registraram que as mulheres recebem menos por suas pesquisas e não progridem em suas carreiras na mesma velocidade do que seus colegas homens. Por essa razão, o Instituto de Estatísticas da UNESCO (UIS, em inglês), tem trabalhado em parcerias com organizações regionais ou outros parceiros para desenvolver ferramenta que inclua metodologias e indicadores, a fim de conseguir informações mais dados mais precisos sobre o assunto.
Fora do âmbito das organizações internacionais, relatório sobre gênero no cenário científico mundial, organizado pela Elsevier, empresa global de informações analíticas que contribui com instituições para o progresso da ciência, reforça a disparidade existente nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. O documento, publicado em 2017, salienta que, embora número equitativo de homens e mulheres busque graduação e mestrado nesses campos, o número de mulheres na área decai no doutorado e nos níveis mais altos das carreiras. O número de mulheres nessas áreas também varia de acordo com áreas geográficas. Surpreendentemente, o relatório registra altas proporções de mulheres cientistas na Bolívia (63%) e na Venezuela (56%), ao passo em que, em países asiáticos, a participação feminina nessas áreas de pesquisa é de apenas 18%, na República da Coréia, e de 15%, no Japão. Somente 25% dos pesquisadores na França, na Alemanha e na Holanda são mulheres. As informações apresentadas no relatório da Elsevier indicam também que as mulheres têm maior representação nas áreas de Ciências da Saúde e Ciências da Vida.
Além da representatividade, o relatório cita também a disparidade no número de publicações especializadas. Um estudo de 5,5 milhões de papers científicos assinados por 27,3 milhões de autores revelou que os homens produziram 70% desses textos e ocuparam a primeira autoria de 66% deles. Além disso, apenas 13% dos autores mais citados em publicações especializadas em 2014 eram mulheres. Esse número variou de acordo com a disciplina, de 3,7% nas Engenharias para 31% nas Ciências Sociais. O relatório produzido pela Elsevier corrobora as informações da UNESCO de que o avanço das mulheres nas carreiras de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática acontece em menor velocidade em comparação com a trajetória de seus colegas homens. De acordo com o relatório, as mulheres passam mais tempo do que os homens como professoras assistentes.
A pesquisa sobre gênero envolvendo as desigualdades nas chamadas áreas STEM também ressaltou que a busca de equilíbrio entre a carreira e a vida pessoal interferiu na produtividade de publicações e no avanço das mulheres na carreira. Ao contrário dos seus colegas homens, elas têm um caminho não linear e são mais passíveis de abandonar o caminho acadêmico devido a fatores pessoais, como licença-maternidade. Essas disparidades de gênero podem afetar, além do número de publicações, os padrões de colaboração entre pesquisadores.
A rotina doméstica mais pesada para a mulher é uma das causas que afeta o tempo necessário para a pesquisa. Existe um desequilíbrio nas tarefas domésticas que faz com que as mulheres, no Brasil, estejam envolvidas com afazeres em casa, em média, dez horas a mais por semana do que os homens. Segundo a professora Márcia Barbosa, se um homem é convidado para uma viagem, ele pode responder de imediato. Uma mulher precisa pensar na logística da vida antes de dar resposta positiva. A maternidade também impacta o crescimento na carreira acadêmica. Em pesquisa realizada pelo Parent in Science, movimento que tem como objetivo levantar a discussão sobre a maternidade e a paternidade dentro do universo da ciência no Brasil, 81% das cientistas entrevistadas afirmaram que a maternidade teve impacto negativo ou muito negativo em suas carreiras. Além do custo profissional da falta de apoio à maternidade, muitas relataram o impacto em sua saúde mental. A pesquisa foi respondida por 1.182 docentes brasileiras, 77% delas eram mães e 54% constituíam as únicas pessoas responsáveis pelo cuidado de seus filhos. A pesquisa indicou que, enquanto as cientistas sem filhos viram uma curva ascendente em sua publicação científica, as que se tornaram mães tiveram queda drástica nas publicações até o quarto ano do nascimento do primeiro filho, para só depois começar a ascensão de novo.
Mesmo com todas as dificuldades, as mulheres se destacam em suas atuações como pesquisadoras e suas contribuições têm recebido, cada vez mais, reconhecimento. É o caso de duas cientistas brasileiras que entrevistamos para falar sobre os desafios pelos quais passaram ao longo de suas carreiras.
A professora de Bioquímica, Ângela Wyse, e a física Márcia Cristina Bernardes Barbosa, ambas professoras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fazem parte dos 46% de mulheres docentes nas instituições de ensino superior do Brasil e dos 40,3% de pessoas do sexo feminino que declararam ter doutorado na Plataforma Lattes. Ambas são pesquisadoras premiadas. Em 2020, a professora Ângela Wyse foi a única brasileira a figurar na lista de vencedoras do prêmio cientistas do ano, concedido pela International Achievements Research Center (IARC), na área de Ciências Médicas e da Saúde. A física Márcia Barbosa, por sua vez, recebeu em 2013 um dos cinco prêmios L'Oréal-Unesco para Mulheres e Ciência, por sua descoberta de uma anomalia na água que poderá levar a uma melhor compreensão do mecanismo de dobramento de proteínas, essencial para o tratamento de certas doenças. Nesta matéria, elas comentam como lidaram com os dificuldades da vida profissional, sendo mulheres.
Ângela Wyse foi a única brasileira a figurar na lista de vencedoras do prêmio cientistas do ano, concedido pela International Achievements Research Center (IARC), na área de Ciências Médicas e da Saúde - Foto: Gustavo Diehl/UFRGS
A professora Márcia Barbosa salienta que a sobrecarga das mulheres foi agravada na pandemia, afetando também sua produtividade. A cientista reflete sobre a necessidade de haver ações para amenizar a situação. “Na volta da pandemia será fundamental termos medidas compensatórias que atuem para que as mulheres não sejam ainda mais penalizadas em suas carreiras”, diz ela. Um levantamento realizado pelo Parent in Science sobre os efeitos de raça, gênero e parentalidade na produtividade acadêmica durante o isolamento social indicou que apenas 4,1% das mulheres com filhos estão conseguindo trabalhar de forma remota, número distante dos 18,4% registrados para mulheres sem filhos.
As docentes mães que conseguiram cumprir prazos relacionados a solicitações de fomento, bolsas e submissão de relatórios e prestação de contas respondem por 66,6% dos entrevistados. A porcentagem de mulheres sem filhos que conseguiram cumprir esses prazos é de 79,9%. O número de mulheres com filhos que conseguiram submeter artigos científicos conforme o planejado também é mais baixo do que o de mulheres sem filhos. Apenas 47,4% das docentes mães submeteram artigos, enquanto para as mulheres sem filhos esse número foi registrado em 56,4%.
Apesar desses números, as contribuições das mulheres são inúmeras. Para a professora Ângela Wyse, há muitos exemplos de mulheres cientistas que tiveram filhos e são brilhantes. Ela, que começou a carreira como professora universitária aos 24 anos, afirma que nunca se intimidou com as críticas que recebeu, tendo experimentado momentos em que teve de se impor com determinação. Reconhecendo que a área científica é bastante competitiva, a professora afirma que as maiores dificuldades que encontrou em sua carreira foram as mesmas de todos os cientistas, independente de gênero, que são a escassez de verbas para o desenvolvimento de projetos. “Eu sou respeitada e valorizada como cientista pela minha produção científica, e penso que é assim que deve ser, ou seja, a valorização de um(a) cientista deve ser pelo mérito científico e não pelo gênero”, afirma a professora.
Segundo a professora Márcia Barbosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os desafios da carreira científica para as mulheres deveriam ser os mesmos que os homens enfrentam em sua vida profissional na academia, mas não são. “Na ciência, a diferença entre homens e mulheres opera em muitos níveis”, ressalta a professora. As dificuldades que começaram logo no início de sua vida acadêmica como aluna, com dúvidas sobre suas capacidades intelectual e profissional, se estenderam ao longo dos anos e continuaram mesmo após ela ter se tornado uma cientista premiada. Com destaque em sua área de conhecimento, a professora Márcia Barbosa diz que recebe explicações sobre os temas em que é especialista e ainda é ignorada quando opina, para depois ver colegas homens aplaudidos quando emitem ideias semelhantes.
Professora e pesquisadora na área de física da UFRGS, Marcia Barbosa, participou de live do CNPq falando dos desafios enfrentados
A professora Márcia também critica a forma como são tomadas as decisões em áreas de ciência e de política científica, em sua opinião acordadas de forma majoritária por homens; e salienta os assédios moral e sexual ainda presentes nas instituições. O resumo executivo de resultados finais de uma pesquisa sobre percepção de assédio moral e sexual relativo a gênero, desenvolvida na UFRGS em 2019, cita que 52% das docentes afirmaram terem sido assediadas de forma moral, ao passo em que 31% de seus colegas homens sofreram também esse tipo de violência. No que se refere ao assédio sexual, 14% das docentes disseram ter vivenciado essa experiência, enquanto apenas 5,9% dos docentes homens confessaram ter sofrido esse tipo de perseguição. O assediador era homem em 85% dos casos de assédio moral relatados e em 90% das ocorrências de assédio sexual. Para a professora Márcia Barbosa, as instituições deveriam ser instrumentalizadas, a fim de criar canais para ampliar a diversidade e, como consequência, tornar-se mais eficazes ao recrutar talentos e não diferenciar as pessoas por gênero.
O CNPq desde 2005 atua para ampliação das mulheres nas carreiras científicas e tecnológicas. Diante dos múltiplos desafios para alcançar a equidade de gênero nas ciências e tecnologias, o órgão investiu e continua investindo em diferentes iniciativas: ações de divulgação científica, em apoio à projetos de inserção e permanência das meninas em Exatas, Engenharias e Computação, medidas de prorrogação de bolsas para mães bolsistas, aprovação da inclusão da data de nascimento dos filhos no currículo Lattes, dentre outras ações.Neste sentido, houve um suplementação de cerca de R$ 2 milhões na Chamada 31/2018 de meninas e jovens nas Exatas, Engenharias e Computação e mais 35 projetos serão implementados em 2021.
Para comemorar este dia 11, o CNPq realizou uma live com a presença da Diretora de Engenharias, Ciências Exatas, Humanas e Sociais do CNPq, Dra. Adriana Maria Tonini; da Professora e pesquisadora na área de física da UFRGS, Dra. Marcia Cristina Bernardes Barbosa; da Professora da UFG e coordenadora do Projeto "Conversas de Meninas e Engenheiras: semeando oportunidades para a igualdade de gênero nas ciências" contemplado pela Chamada 31/2018 do CNPq/MCTI, Dra. Karla Emmanuela Ribeiro Hora; e da pesquisadora sobre educação, ciência, gênero e raça, Dra. Sandra Gouretti Unbehaum. Assista em https://youtu.be/B6OMiTK3-uE