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Bolsista do CNPq coordena pesquisa sobre a escolarização de crianças com síndrome congênita do zika vírus em municípios da Baixada Fluminense
Mais de 50% das crianças em idade escolar com a síndrome congênita do zika vírus, ainda não frequentam escolas na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. Para reverter essa realidade, a bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Márcia Denise Pletsch , pesquisadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), por meio do Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional , e junto com profissionais de diversas instituições, tem se dedicado a estudos e a iniciativas que envolvem a escolarização dessas crianças. A investigação se desenrola desde 2018 e constitui ação inédita no estado do Rio de Janeiro. Envolvendo nove municípios da Baixada e dois da região Sul Fluminense, a pesquisa é realizada de forma colaborativa, com os participantes do Fórum Permanente de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva da Baixada e Sul Fluminense , formado por gestores de Educação Especial e pesquisadores da UFRRJ e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ-Duque de Caxias), com a participação de pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com financiamento do CNPq e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ). O estudo e as ações de acompanhamento são desenvolvidos nas seguintes frentes: avaliação das famílias no domicílio, observando as vivências e expectativas dos pais sobre a escola e o desenvolvimento dos filhos; investigação sobre a acessibilidade e o desenvolvimento das crianças nas escolas; criação de cursos de especialização para professores da rede pública; e desenvolvimento de materiais para facilitar a educação, a comunicação e a interação das crianças portadoras da síndrome congênita de zika vírus.
A falta de acompanhamento ou de registro das crianças de mães que tiveram zika vírus durante a gravidez, que não apresentaram microcefalia e que nasceram na região pesquisada, alarma os pesquisadores e complica a estimativa total das crianças com problemas de aprendizagem devido ao zika vírus. Pesquisas desenvolvidas pela Fiocruz indicaram que, mesmo as crianças cujas mães tiveram zika e que não nasceram com microcefalia, também apresentam atrasos em seu desenvolvimento, como na linguagem, caracterizando-se com deficiência intelectual, em sua maioria. “Essas crianças começaram a chegar na escola após o retorno presencial e não se tem um dado exato, pois uma parte grande (sic) a deficiência intelectual acaba sendo verificada somente quando chegam na escola. Em função disso, não se tem uma clareza exata dos dados. Nossa proposta no projeto, inclusive, é verificar junto aos municípios essas informações e produzir um banco de dados que possa ser usado na elaboração de políticas educativas e intersetoriais para essa parcela da população”, afirma a professora Márcia Pletsch. Ela também ressalta que, ainda hoje, há crianças nascendo de mães que tiveram zika vírus durante a gravidez, sem que esses dados possam ser acessados pelos pesquisadores. Segundo o levantamento realizado por eles nos municípios participantes do projeto, foram identificadas com microcefalia devido ao zika vírus cerca de 300 crianças, com média de idade de 5 a 6 anos. Este ano, grande parte dessas crianças completará 7 anos de vida.
As pesquisas realizadas em campo envolvem, em primeiro lugar, estudos sobre as crianças e suas famílias. Nessa etapa, os pesquisadores realizam entrevistas, avaliando a participação das crianças em atividades em casa. De acordo com a professora Márcia Pletsch, os responsáveis por essas crianças que responderam à totalidade das entrevistas foram as próprias mães. Entre os resultados dessa fase, os pesquisadores apontam as condições precárias e a vulnerabilidade social dessas mães. Questões de raça, de gênero, de classe e de deficiência ficaram evidentes no estudo. A interrupção das atividades presenciais, em decorrência da pandemia, também afetou o desenvolvimento e as condições de saúde das crianças com síndrome congênita de zika vírus. Das entrevistas realizadas nessa fase os pesquisadores ressaltam também a relevância da educação inclusiva na visão das mães dessas crianças. “A matrícula do filho(a) em turmas comuns de ensino foi destaque em todas as falas. Nenhuma entrevistada cogitou a matrícula em espaços segregados”, diz Márcia Pletsch.
A segunda etapa do estudo, de acompanhamento da escolarização dessas crianças nas escolas, foi iniciada em 2022 e ainda se encontra em desenvolvimento. Trabalhando junto com os professores, os pesquisadores construíram um conjunto de orientações e indicadores necessários para a participação de crianças com síndrome congênita de zika vírus nas atividades escolares de turmas de Educação Infantil em escolas comuns. Esse programa foi objeto da tese de doutoramento de Patrícia Araújo , desenvolvida no âmbito do projeto, e foi a base para o desenvolvimento de um curso de formação em nível de especialização para cerca de 1 mil professores do Estado do Rio de Janeiro, em parceria público-público inédita entre a UFRRJ e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio de Janeiro.
A pesquisa também indicou fragilidades nas políticas locais, no que se refere à elaboração e à efetivação de ações intersetoriais para a atenção e o atendimento integral das demandas das crianças com síndrome congênita de zika vírus. Os pesquisadores observaram a falta de diálogo da [área da] saúde e da assistência social com a escola. “As escolas do Estado do Rio são receptivas a recebê-las [as crianças] e a estimulação educacional precoce é fundamental para o desenvolvimento dessas crianças com múltiplas deficiências em decorrência da síndrome do zika vírus”, afirma a professora Márcia Pletsch. Na opinião dela, esses estímulos ainda são pouco explorados. A professora ressalta que as famílias resistem em matricular suas crianças nas escolas em razão dos desafios enfrentados, como a locomoção, dificuldades socioeconômicas, além das diversas intervenções como fisioterapia, fonoaudiologia, terapias, que ocupam tempo. A professora salienta, ainda, a falta de ações que englobem a saúde, a assistência, e que incentivem a educação para o desenvolvimento dessas crianças. “No território, não há propostas concretas de políticas públicas que promovam ações conjuntas. Um exemplo é que, no mesmo horário da aula, há agenda com fisioterapia ou fonoaudióloga. E aí a mãe leva para a terapia”, afirma a professora.
Algumas das contribuições desenvolvidas pelos pesquisadores para ajudar a solucionar o problema são o aplicativo ComuniZIKA, que está em fase de registro e com previsão de lançamento para maio deste ano; o estabelecimento da primeira licenciatura de Educação Especial do Estado do Rio de Janeiro; e a criação de curso de Especialização em Educação Especial e Inovação Tecnológica, parceria entre a UFRRJ e a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio de Janeiro, com apoio de plataformas digitais do Centro de Ciências e Educação Superior a Distância daquele estado. O ComuniZIKA é direcionado às crianças com síndrome de zika vírus que têm deficiências múltiplas não oralizadas. Desenvolvido por meio de parceria de profissionais da PUC-Rio com os da UFRRJ, o aplicativo foi elaborado a partir da observação de crianças moradoras da Baixada Fluminense e validado pelas famílias que foram afetadas pela síndrome. O ComuniZIKA possui cem atividades para trabalhar a comunicação e ampliar a interação entre pais e filhos. O processo de desenvolvimento do aplicativo integra a tese de doutorado defendida por Érica Costa Vliese Zichtl Campos , em dezembro de 2023, no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio, sob a orientação da professora Rosalía Duarte , docente do Departamento de Educação da PUC-Rio, e co-orientação da professora Márcia Pletsch. A licenciatura em Educação Especial, a primeira pública do estado do Rio de Janeiro, por sua vez, será oferecida pela UFRRJ e visa formar profissionais para ampliar o suporte educacional para a inclusão, de crianças com múltiplas deficiências nas escolas. O início das aulas do primeiro semestre de 2023 está previsto para dia 10 de abril. A Especialização em Educação Especial, por fim, formará, em maio próximo, mais de 1,3 mil profissionais.
“Ainda temos fragilidades na formação desses profissionais. Demanda que estamos tentando atenuar com os programas de formação continuada”, diz a professora Márcia Pletsch. Ela observa a importância do financiamento das agências de fomento para o desenvolvimento dessas iniciativas. “Além da produção cientifica e tecnológica, os projetos tem atuado fortemente na aplicação social desses conhecimentos. Mas, ainda temos um grande desafio que me parece nacional: traduzir dados e ações realizadas em projetos de pesquisa nas políticas públicas”, completa ela.
De acordo com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), o surto de zika vírus foi severo no Brasil. Entre 2015 e 2020, havia 14.492 notificações de casos suspeitos de síndrome congênita do zika vírus, dos quais 3.563 foram confirmados, constituindo cerca de 80% dos casos para a região das Américas. Estudos recentes identificaram distúrbios neurológicos, como atraso no neurodesenvolvimento, principalmente no domínio da linguagem, em crianças expostas ao vírus da zika e que eram assintomáticas ao nascer.