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Pesquisa aponta relação entre os fatores ambientais e o declínio da fertilidade humana
A revista Nature Reviews Endocrinology publicou, na edição de março de 2022, artigo que é uma revisão de informações sobre estudos envolvendo a relação dos fatores ambientais com o declínio da fertilidade humana. O artigo é assinado por pesquisadores do Departamento de Crescimento e Reprodução do Hospital da Universidade de Copenhage, na Dinamarca. O bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e professor aposentado do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Renato de França, assina o artigo como co-autor. No texto da Nature Reviews Endocrinology, os autores sugerem que a saúde reprodutiva humana está se deteriorando em regiões industrializadas. Eles revisaram os resultados apresentados por pouco mais de 250 artigos científicos sobre o tema, disponíveis em periódicos internacionais.
Segundo o pesquisador brasileiro Luiz Renato de França, os indicadores desse declínio podem ser comprovados quando se observa danos que afetam a fertilidade masculina. "Nós estamos testemunhando um aumento das manifestações ou anomalias que, em seu conjunto, caracterizam a síndrome de desenvolvimento (disgênese) do testículo, as quais resultam, por exemplo, no declínio da saúde reprodutiva masculina, má qualidade do sêmen, mais anomalias congênitas da genitália, aumento na predominância de câncer testicular e diminuição dos níveis de testosterona", afirma ele. Esses problemas, bem como questões de infertilidade feminina e de reprodução assistida, têm sido tratados como questões relevantes na área da Saúde. No artigo da Nature Review Endocrinology, os autores também apontam a diminuição nas taxas de abortos legais, o que revela a deterioração no total de índices de concepção, e fazem um alerta para que instituições governamentais e acadêmicas, bem como autoridades sanitárias, tratem essas perspectivas sobre a reprodução humana com seriedade. Se os problemas de fertilidade forem causados, ao menos em parte, devido a atividades humanas que geram exposição ambiental a produtos químicos danosos, além de efeitos no clima, os autores dizem ser preciso a colaboração de pesquisadores em estudos interdisciplinares, para basear ações regulatórias decisivas, que ajudarão a reverter a tendência.
Para esses pesquisadores, o problema crucial é o de que não se conhece, de fato, as causas relacionadas à desaceleração de nascimentos. Os cientistas ainda buscam elucidar se as taxas decrescentes de fertilidade no mundo se encontram ligadas à exposição de nossos sistemas biológicos ao meio ambiente ou a mudanças de comportamento provocadas por alterações socioeconômicas impostas pelo estilo de vida moderno. Pode ser também que a diminuição das taxas de fertilidade seja o resultado de uma combinação desses fatores. Já se sabe que toxinas presentes em nossa dieta, na água que bebemos e no ar que respiramos podem ser prejudiciais à saúde reprodutiva e que produtos químicos podem afetar tecidos e fluidos humanos. Os cientistas tentam desvendar, agora, como esses produtos contribuem para a epidemia de infertilidade ao redor do mundo. Embora se saiba que eles podem ser uma ameaça à vida selvagem, muito pouco se sabe do seu papel sobre a saúde dos seres humanos.
O declínio nos índices de fertilidade humana tem sido observado desde o início do período da industrialização. A baixa taxa de fertilidade já era visível na Dinamarca, por volta dos anos 1900, quando a industrialização baseada em combustíveis fósseis estava começando e ainda não existiam os meios de contracepção modernos, que surgiram apenas meio século depois. Países como o Japão e a Alemanha, com taxa média de 1,5 filhos por mulher, se encontram em situação difícil. Além de o número de nascimentos ter encolhido de forma significativa nos últimos anos, esses países podem enfrentar uma redução de mais de 50% no número de nascimentos, nos próximos 60 anos. Com uma taxa de fertilidade de 0,84 filhos por mulher em 2020, a Coréia do Sul, por sua vez, pode experimentar, nas próximas duas gerações, uma redução de 75% no número de bebês nascidos se o quadro atual persistir.
Segundo o professor Luiz Renato de França, a taxa atual de nascimentos no mundo é tão baixa que a população humana não pode mais ser sustentada. Para manter a população em nível estável, seriam necessários 2,1 filhos por casal. “Estudos demográficos prévios ignoraram a enorme importância da fertilidade masculina (concentravam mais na mulher) e a necessidade de reprodução assistida, pois mesmo em homens considerados reprodutivamente saudáveis mais de 90% dos espermatozóides são anormais”, explica o professor. “Por exemplo, quando se compara o homem com animais experimentais de laboratório (ex: ratos e camundongos) e animais selvagens, nós observamos a espermatogênese (processo de formação dos espermatozoides) é excepcionalmente pobre no homem”, completa ele.
A produção de produtos químicos a partir do óleo e do carvão utilizados pela indústria na fabricação de todos os tipos de produtos, de roupas a itens farmacêuticos e materiais de construção, afeta o homem de diversas formas. O feto humano e as crianças muito jovens, grupos em que os diferentes órgãos e tecidos ainda estão em formação, são muito sensíveis a essa forma de poluição. Dois produtos já reconhecidos pelos efeitos nocivos são o Bisfenol A, tipo de solvente orgânico pouco solúvel em água, e os ftalatos. O Bisfenol é encontrado em plásticos que apresentam em sua composição o policarbonato e em revestimentos internos de latas que condicionam alimentos, por exemplo. Os ftalatos, por sua vez, são compostos químicos derivados do ácido ftálico, usado como aditivo para deixar o plástico mais maleável, e são apontados como substâncias cancerígenas. Além de poder causar danos ao fígado, aos rins e ao pulmão, os ftalatos podem ocasionar anormalidades no sistema reprodutivo.