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Sisbiota Nupélia: desvendando a diversidade aquática
O projeto Biodiversidade e Ecologia de Diferentes Comunidades Aquáticas em Quatro Importantes Planícies de Inundação Brasileiras, que compôs o Programa “Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade – Sisbiota Brasil”, conseguiu descrever vinte novas espécies para a ciência. A iniciativa foi coordenada pelo Núcleo de Pesquisas em Limnologia e Aquicultura (Nupélia), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), localizada no Paraná. A proposta foi selecionada por meio do Edital 47/2010, gerenciado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (CNPq), e há mais de dez anos vem produzindo conhecimento sobre a biodiversidade brasileira.
O Programa "Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade" - Sisbiota BRASIL é uma iniciativa nacional que foi criada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (CNPq), em 2009. O desafio à comunidade acadêmica foi feito com o objetivo de alcançar novos patamares para a pesquisa sobre a biodiversidade brasileira.
Como parte dessa estratégia, houve uma articulação com os Estados, por meio das Fundações de Amparo à Pesquisa - FAPs, com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), e com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que se traduziu em uma aliança de financiadores. Os recursos financeiros obtidos com a articulação, somados aos investidos pelo CNPq e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), garantiram ao Edital R$ 44,4 milhões. R$ 27,4 milhões saíram de fontes federais e os restantes R$ 17 milhões de 13 FAPs.
A proposta da Universidade de Maringá foi a de fazer um inventário da biodiversidade aquática das quatro maiores planícies aluviais do Brasil: as do Alto Rio Paraná, do Rio Amazonas, do Pantanal e do Rio Araguaia. O projeto recebeu R$ 800 mil, que foram aplicados em 36 meses. Metade dos recursos foram viabilizados pelo CNPq e a outra pela agência de fomento científico do Paraná, a Fundação Araucária, em 2010. A equipe foi composta por instituições nacionais (UFG, UFMS, UFT, INPA e UnB) e internacionais (University of Ulm – Alemanha; Royal Belgian Institute of Natural Science (RBINS) e Ghent University – Bélgica; e University of Illinois – USA.
Um dos parceiros estrangeiros foi Koen Martens, pesquisador do Royal Belgian Institute of Natural Sciences e professor da Universidade de Ghent, ambos na Bélgica, na área de Ecologia de água doce. O cientista é focado em pesquisas sobre ostrácodes, pequenos crustáceos, em sua maioria com menos de 1 milímetro de comprimento, que abundam nas várzeas do Brasil. Segundo ele, “muitas espécies são conhecidas, ou seja, já foram descritas e nomeadas pela ciência, algumas até há muito tempo, desde finais do século XIX e início do século XX. Outras várias, no entanto, permanecem desconhecidas até agora, sem nome e sem descrição”.
Koen comemora o fato de que estudantes e pesquisadores da UEM vêm atuando para mudar esse cenário. No início de 2023, descreveram e nomearam algumas novas espécies. Por meio de um artigo, apresentaram à comunidade científica dois novos gêneros de ostrácodes e sete novas espécies. Em um segundo artigo, publicado em novembro deste ano, foi descrito outro ‘novo’ gênero com quatro espécies novas para a ciência. E mais importante: algumas destas espécies ocorrem apenas em uma planície de inundação, outras podem ser encontradas em várias delas.
SISBIOTA
Segundo o professor belga, estes trabalhos taxonômicos (de classificação, identificação e descrição de espécies), publicados pela equipe da UEM, só foram possíveis porque, há cerca de dez anos, o CNPq financiou o projeto de pesquisa do Nupélia/UEM, coordenado pelos professores Fábio Amodêo Lansac Tôha e Luiz Felipe Machado Velho. Quinze cientistas do Nupélia, 28 pesquisadores e 60 alunos de graduação e pós-graduação de várias instituições nacionais e internacionais participaram desta edição do Sisbiota.
Um dos principais focos do projeto foi avaliar se os resultados obtidos para os padrões de biodiversidade aquática do rio Paraná se repetiam em outras planícies de inundação brasileiras. Para isso, foram realizadas coletas padronizadas no rio Paraná, ecossistema predominante de pesquisas do Nupélia, além das planícies de inundação da Amazônia, Araguaia e Pantanal.
Durante os cinco anos de projeto, cada planície de inundação foi amostrada duas vezes, uma vez na estação seca e outra na estação chuvosa. Essas expedições renderam grandes séries de amostras de organismos aquáticos, desde bactérias, algas e protozoários até peixes e plantas aquáticas.
O estudo mostrou que, mesmo que os padrões de biodiversidade desses ecossistemas sejam primordialmente guiados pela flutuação dos níveis da água, as amplitudes de variação desses níveis e o grau de ação humana são bem distintos entre as planícies. De acordo com o pesquisador Luiz Felipe Machado Velho, “como consequência, são distintos os padrões de biodiversidade para os diferentes grupos taxonômicos e entre as planícies. Além disso, considerando os diferentes biomas e as distintas regiões geográficas, existem diferenças consideráveis na composição de espécies dos distintos grupos biológicos entre essas planícies”.
Além de responder a esta questão principal, o trabalho feito pelo Nupélia e pesquisadores de outras instituições proporcionou a descrição de 20 novas espécies para a ciência. Exemplos são diferentes espécies de ostrácodes. Algumas, inclusive, ganharam nomes relacionados aos pesquisadores e às instituições às quais eles estão ligados. O nome científico Brasilocypria pea, foi inspirado, por exemplo, no nome do programa de pós-graduação em Ecologia da UEM; Strandesia nupelia, veio do nome do Núcleo de pesquisa; além de Strandesia lansactohai e Strandesia velhoi, que trazem os sobrenomes do coordenadores do Sisbiota/UEM. Os pesquisadores avisam que outras espécies estão em fase de serem descritas.
E não é só isso: “desde que foi implementado, em 2010, até seu término oficial, em 2015, quando entregamos o relatório final, o projeto contribuiu com a formação de dois pós-doutores, três doutores, 13 mestres e 21 alunos de graduação, que utilizaram os dados do Sisbiota em estágios de iniciação científica e na elaboração de trabalhos de conclusão de curso”, destaca o professor Fábio Lansac Tôha.
Novos cientistas
A formação de recursos humanos a partir desse projeto continua, com novas capacitações de graduação e pós-graduação que vêm sendo realizadas. Segundo Lansac Tôha, “o programa facilitou a aproximação e integração de pesquisadores de distintas regiões do Brasil [Sul, Centro-Oeste e Norte], na troca de experiências e elaboração de metas e estratégias para que os objetivos pudessem ser atingidos”.
Esses novos cientistas continuam na missão de concluir a difusão do conhecimento, enfim, de dar publicidade aos dados e informações gerados pelo Sisbiota. Afinal, é preciso que seja difundida toda a contribuição sobre a diversidade brasileira proporcionada pelas pesquisas. Os coordenadores ressaltam que, apesar de o projeto ter sido financiado e concluído formalmente em 2015, o potencial do banco de dados obtidos é tão grande que tem propiciado pesquisas de grande relevância para a sociedade e para a comunidade científica, até agora.
Segundo o professor Fábio, o conhecimento adquirido vem sendo publicado em periódicos especializados de elevado impacto. Aproximadamente 50 artigos científicos foram submetidos e aceitos em revistas de elevado impacto. Sem contar que, atualmente, dissertações e teses ainda estão sendo concluídas com os dados gerados pelo projeto Sisbiota.
“Além disso, mesmo após o encerramento oficial, parcerias continuam sendo feitas com instituições nacionais e internacionais, visando à otimização da análise dos dados obtidos, intercâmbios e redação de artigos científicos”, destaca a bióloga que integrou o Sisbiota, Janet Higuti. Ela faz parte, também, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos (PEA/UEM), onde atuam alguns pós-graduandos autores dos trabalhos de descrição de novas espécies.
Uma destas cientistas que se capacitaram durante as pesquisas realizadas no Sisbiota é Nadiny Martins de Almeida. A atual doutoranda do PEA participou da descrição de 12 novas espécies de ostrácodes, quatro gêneros e uma nova tribo. Essas descrições foram fruto da iniciação científica, que ela realizou na graduação; depois, do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), quando concluiu a graduação em Biologia; e do mestrado da estudante, também realizado na UEM. Esses trabalhos lhe renderam a publicação de três artigos em revistas internacionais, todas pertencentes à categoria A, do QUALIS, da Capes.
“O processo de descrição de espécies é um pouco demorado e bem desafiante, na maioria das vezes. Mas participar é muito gratificante. É uma forma de chamar a atenção para um grupo de organismos, muitas vezes, negligenciado, como os ostrácodes. Assim, eu consigo contribuir para o avanço no conhecimento dos ecossistemas aquáticos e possibilitar futuras formas de implementação, de conservação, de gestão desses ambientes, além de fornecer para a população informações sobre a importância dos ambientes aquáticos”, comemora Nadiny.
Novos desafios
A ideia, agora, é começar um movimento para a continuidade destas pesquisas. Segundo Janet Higuti, após dez anos, seria essencial uma nova etapa do Sisbiota para ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade a partir de novas técnicas e abordagens ecológicas.
Além disso, como destaca o pesquisador Luiz Felipe, “uma nova etapa possibilitaria avaliação dos efeitos das mudanças climáticas, que vêm se agravando nas últimas décadas sobre ecossistemas aquáticos, sua biodiversidade e serviços ecossistêmicos fornecidos por esses grandes rios e ambientes a eles associados.”
A bióloga Janet chama a atenção, por exemplo, para a extrema importância das pesquisas sobre os ostrácodes, já que eles podem contribuir para a avaliação da qualidade da água dos rios e bacias.
Uma tese de doutorado orientada por Higuti mostra que esses organismos são um importante aliado no ambiente aquático, porque indicam impactos ambientais por contaminação, reagindo facilmente ao estresse orgânico ou químico de um curso d’água. Em outras palavras, são bioindicadores, fornecem informações e sinais rápidos sobre as alterações no meio ambiente, mesmo antes do homem perceber, garantindo, inclusive, maior confiabilidade na elaboração de laudos técnicos.
“Durante o Sisbiota, ao mesmo tempo que as amostras de organismos foram coletadas, foram medidos muitos aspectos da química e da física da água nas diferentes regiões. Agora, dez anos após o término do projeto, essas enormes coleções de amostras e grandes bancos de dados de medições ainda são usados como base para pesquisas analíticas. Muitas, como vimos anteriormente, se tornam parte de teses de pós-graduação em universidades brasileiras. Isso mostra que precisamos investir em iniciativas como o Sisbiota, especialmente, neste momento, em que estamos presenciando sérias mudanças causadas pela emergência climática que vivemos”, explica a bióloga.
Mais informações sobre o Programa Sisbiota e o projeto UEM/Sisbiota, podem ser vistos na plataforma de divulgação científica do Paraná, Conexão Ciência - C².
Por: Ana Paula Machado Velho