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Presidente do CNPq acompanha defesa de dissertação de pesquisador indígena, professor de ensino médio
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) está desenvolvendo ações afirmativas para reduzir, na atividade científica, o efeito das desigualdades da sociedade brasileira. Entre essas ações, uma das mais importantes é estimular a formação de mestres e doutores entre os povos originários, em particular promovendo seus próprios conhecimentos.
Dentro desta temática, destaque à defesa de dissertação de mestrado do professor de Ensino Médio Budga Deróby Nhambiquará, realizada no âmbito do Programa de Mestrado Profissional - Prof-Artes - no Instituto de Artes da Univerdadade Estadual Paulista (UNESP), que foi acompanhada presencialmente pelo presidente do CNPq, Ricardo Galvão, demonstrando a relevância que tem para o Governo a defesa dos valores dos povos originários.Esse programa faz parte dos ProEB - Programas de Mestrado Profissional para qualificação de professores da rede pública de educação básica e tem por objetivo a formação continuada stricto sensu dos professores em exercício na rede pública de educação básica, em conformidade com a política do MEC.
O tema da dissertação do Professor Deróby Nhambiquará é extremamente relevante: Educação Decolonial: Grafismo Indígena como Caminho para a Desconstrução de Olhares. Ele ganha especial destaque por ser tratado por um professor de Arte indígena que o defende com propriedade e experiência e apresenta com a sua dissertação um Material Didático endereçado a professores não-indígenas, suprindo uma carência para a efetivação da Lei 11.645 / 2008.
A defesa da dissertação de mestrado foi realizada em novembro, na Aldeia Tabaçu Rekó Ypy, em Peruíbe, São Paulo, e aprovada por sua comunidade e por unanimidade pela banca examinadora composta por:
Profa. Dra. Rejane Galvão Coutinho (orientadora) UNESP
Profa. Mirian Dina dos Santos Oliveira - Morubixaba da Aldeia Tabaçu Rekó Ypy
Profa. Dra. Auana Lameiras Diniz - UFMS
Profa. Dra. Clarissa Lopes Suzuki - USP / UNIMES
Profa. Dra. Rita Luciana Berti Bredariolli – UNESP
O CNPq realizou uma entrevista com o Professor Deróby, que fala sobre sua história de vida e seu trabalho.Leia abaixo a integra dessa conversa.
Em primeiro lugar, queremos saber sobre sua trajetória acadêmica. Poderia contar um pouco sobre seu caminho até a universidade e o mestrado?
B: Eu sou Budga Deroby Nhambiquara, filho do Cacique Itamarai Nhambiquara, neto do Pajé Achelepont Nhambiquara, sou indígena Nhambiquara criado com os Guaranis no estado de São Paulo.
Meu caminho para a universidade não é diferente da grande maioria dos estudantes que moram em bairros periféricos, sendo com luta entre trabalho para a sobrevivência alimentar de si próprio da família e os estudos. Durante o dia trabalhava, e no período noturno estudava, aos finais de semana entrava às 7:30h e saia as 19:45 no cursinho pré-vestibular comunitário.
Em 2008 ingressei no curso de Educação Artística (Licenciatura Plena em Artes Plásticas) na Unesp campus de Bauru. Na época era o único indígena tanto no curso de arte como em todos os campuses da UNESP (ao menos declarado indígena), o racismo permeou minha vida acadêmica do início ao fim.
Ouvi em minha graduação coisas como “Índio não tem que estar aqui nas nossas leis não”, “Budga não é civilizado, tem que voltar pra tribo dele”. Tive professores maravilhosos que respeitaram minha luta pelo meu povo. Mas em contrapartida houve alunos e professores que foram hostis não apenas comigo, mas até com minha presença na universidade. Dentro da Universidade participei de grupos de estudos, fui bolsista pesquisador. Inclusive um dos grupos de pesquisa ao qual participei no departamento de educação buscava estudar o material didático para a inclusão da recém aprovada Lei 11645/2008.
Posterior a graduação busquei participar de grupos de estudos no Instituto de Arte da Unesp na Barra funda, tendo um artigo sobre grafismo indígena Guarani publicado nos anais da ANPAP em 2014, mesmo ano em que fui convocado pelo concurso como professor de Arte na rede estadual de São Paulo.
Embora tenha estudado para prestar a prova para o mestrado, devido ao trabalho excessivo somente agora no ano de 2021 pude ingressar no mestrado em Arte Educação no Instituto de Artes da Unesp.
Qual é o tema do mestrado? Como desenvolveu o trabalho?
B: O título da Minha dissertação é” Educação Decolonial: Grafismo indígena como caminho para (des)construção de olhares”.
Apresento neste trabalho uma perspectiva crítica a aplicação da Lei 11645/2008 a partir das experiencias contidas nas aulas de arte e minha vida enquanto indígena que atua em escolas não indígenas, enfatizando as desigualdades na produção dos materiais didáticos e formação acadêmica que tange ao ensino da cultura indígena nas redes públicas de ensino.
Por ser um mestrado profissional proponho alguns caminhos que podem auxiliar professores e educandos para um olhar decolonial quando se trata dos povos indígenas, nisso elaboro um material didático com o grafismo indígena enquanto cerne do estudo.
Você é cofundador do Movimento ReExistência. Poderia falar um pouco sobre o movimento e as atividades que são desenvolvidas por ele?
B: O Coletivo ReExistencia, é um coletivo em construção que tem até o presente momento, mas não exclusivo, indígenas professores como membros, que atuam para a desconstrução do imaginário popular de quem é o indígena na sociedade. Um dos principais objetivos é incentivar que indígenas cheguem a ocupar lugares que são pouco vistos, e não apenas ocupar, mas também em posição de liderança, como deveria ser para qualquer pessoa, ou seja, sendo incluso já que a palavra “Inclusão” pouco é usada neste caso. Lutamos para ver indígenas como professores, médicos, diretores, incluindo a academia e a política já que lutamos para mais indígenas nos representando no judiciário e legislativo. Resumindo, o Coletivo ReExistencia é um coletivo que através da pesquisa e ciência resiste para poder existir.
No aspecto profissional, encontrou algum obstáculo por causa da sua origem?
B: Para responder essa pergunta vou repetir “Sou Budga Deroby Nhambiquara, indígena Nhambiquara criado com os Guaranis”, infelizmente só por dizer meu nome e origem já enfrento problemas. Estamos em um pais que foi estruturado em moldes colonizador, ou seja, com a ideologia de superioridade de um grupo étnico e inferiorizando outros. Assim como abordo em minha dissertação ouvi frases da faculdade até dentro da escola ( por menos incrível que pareça de quase todos de professores e gestores) como “Aqui não é sei lugar” “Índio entra pra dar aula é Pelado”, entre varias outras frases depreciativas a minha pessoa e aos povos indígenas. Vi pessoas com menos experiencias e formação serem promovidas ao mesmo que cargi que eu me increvi, e o diferencial adotado (não abertamente) era exatamente “cabelos loiros e de religião semelhante”. A Única forma de eu adentrar a algum cargo em repartições publicas é só quando é por meio de concurso público, pois quando depende da escolha de outras pessoas como é o caso da maioria dos cargos de coordenação, supervisão, direção etc nas prefeituras e estado de SP há sempre uma rejeição. A maioria das justificativas (quando dão) é a de “Não atende o perfil”, e novamente, tenho um boa formação e trabalho na educação desde 2010, ou seja, tenho experiencia, mas sempre vi a escolha sendo pelo “Meu nome”.
Você é, também, artista plástico. Como desenvolve o tema indígena no seu trabalho?
Assim como professor e pesquisador minha vida como artista tem o memo cerne, o da luta por um olhar do povo para o indígena não como “Eles”, mas como “Eu e Você”, ou seja, em várias de minhas obras eu mesclo a figura da cultura indígena com a vida comum. Trabalho o Olhar do indígena proposto pelo próprio indígena. A exemplo em uma exposição ao qual participei onde expus a série “Yvy Kuraxy (Coração da Terra) trouxe obras como “Lembranças” que traz ao fundo da obra famílias indígenas presenciando guerreiros tocando a flauta sagrada feita com bambu e em primeiro plano um indígena tocando um Saxofone, essa mesma obra sendo exposta no Instituto de Arte da Unesp tirou falas de alunos como “Mas índio toca saxofone “. Obras como “Mitã”, com uma criança indígena da etnia Marubo com um vaso no ombro e uma asa angelical. Obras como essas entre outras, com indígenas vestido com sua pintura, mas com traje espacial, ou com a faixa presidencial.
A responsabilidade desmistificar o indígena midiático e trazer um indígena humano como qualquer outro, mas que tem a prática cultural diferente como vários outros povos no mundo.