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Pesquisadores brasileiros publicam artigo sobre os efeitos do desmatamento na Mata Atlântica
A última edição do periódico Biological Conservation , publicada em julho de 2023, traz artigo de pesquisadores brasileiros sobre as mudanças ocorridas nas áreas remanescentes da Mata Atlântica, que foram impulsionadas pelo desmatamento. O texto expõe as conclusões das pesquisas realizadas por grupo de cientistas formado majoritariamente por pesquisadores do Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação (LEAC), da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), ao longo de mais de dez anos, financiadas no âmbito do Programa Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade – SISBIOTA BRASIL. O programa foi criado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 2009 para ampliar a competência técnico-científica e a abrangência temática e geográfica de estudos sobre a biodiversidade brasileira. Os estudos se desenrolaram no sul do estado da Bahia, região dominada pelo bioma da Mata Atlântica e um dos locais mais ameaçados do globo, devido aos altos níveis de endemismo, combinados com altas taxas de desmatamento. Os resultados das pesquisas indicam que a perda da floresta alterou a estrutura, a composição e o funcionamento de o que resta da floresta na área geográfica pesquisada.
Para produzir o artigo, os pesquisadores compilaram as informações de vinte e oito estudos, que avaliaram a qualidade do habitat , a manutenção da biodiversidade ou dos processos ecológicos no sul da Bahia. Após uma década de pesquisa naquela área geográfica, eles comprovaram a existência de mudanças-chave na qualidade da floresta, na diversidade de espécies e nos processos ecológicos que afetam o funcionamento dos trechos de floresta remanescentes. “A mudança na estrutura da vegetação foi um dos resultados que observamos, porém, o desmatamento gera mudanças ainda mais profundas nos remanescentes florestais”, afirma o bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e pesquisador do Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação da UESC, José Carlos Morante-Filho , um dos autores do artigo.
Segundo o pesquisador, à medida que o desmatamento avança, ocorre uma retração da estrutura da vegetação da floresta, caracterizada por árvores mais baixas e finas, um adensamento do sub-bosque e maior abertura do dossel. Além de contribuir para o aumento da temperatura local, o desmatamento afeta a qualidade da floresta, que passa a ser reduzida em remanescentes florestais, com baixa produção e qualidade dos frutos. As mudanças na estrutura da floresta dificultam a manutenção da biodiversidade e dos processos ecológicos. “Os resultados indicam, por exemplo, que as espécies dependentes de florestas para sobreviver - como árvores, aves e mamíferos - são as mais afetadas pelo desmatamento, e, para alguns grupos, ocorre uma proliferação de espécies generalistas, ou seja, aquelas capazes de viver em ambientes perturbados”, afirma Morante-Filho. “Os efeitos do desmatamento são muito mais profundos do que apenas a perda de espécies”, alerta ele. Morante-Filho lembra que os pesquisadores observaram, ainda, alterações na ciclagem de nutrientes e estoques de carbono, aumento da herbivoria foliar e uma simplificação nas interações que ocorrem entre plantas e aves.
“O que observamos é uma completa descaracterização dos remanescentes florestais quando estes estão localizados em paisagens severamente desmatadas”, salienta o pesquisador. Ele explica que esses fragmentos são caracterizados por reduzido número de espécies e mudança na composição das assembleias, compostas em especial por espécies generalistas. O fato impacta o funcionamento da floresta, por alterar processos ecológicos importantes. “O desmatamento inicia um processo em cadeia que compromete o funcionamento dos remanescentes florestais”, diz o pesquisador, explicando que as espécies florestais são mais afetadas, uma vez que dependem, no geral, de uma grande quantidade de cobertura florestal na paisagem para persistirem no que resta da floresta. “Além disso, muitas espécies florestais dependem de características especificas do habitat que são perdidas ou modificadas em remanescentes localizados em paisagens altamente desmatadas”, afirma Morante-Filho. Ele cita como exemplo as aves, que precisam de pelo menos quarenta por cento de cobertura florestal na paisagem para permanecerem nos fragmentos da floresta.
“A restauração florestal é uma das medidas que sugerimos para minimizar esse péssimo cenário que encontramos para os remanescentes florestais dessa importante porção da Mata Atlântica”, nota o pesquisador. Ele, porém, ressalta que apenas essa ação não é suficiente. Além de restaurar a floresta, há necessidade de se desenvolver projetos de reintrodução da fauna. “No sul da Bahia, perdemos a grande maioria dos animais de grande porte, como anta, onça pintada, muitas aves e primatas. Esses animais têm um papel direto na regeneração florestal e, portanto, são fundamentais para o funcionamento do ecossistema”, conclui. Hoje a porcentagem do bioma da Mata Atlântica composto de florestas é de apenas vinte e nove por cento, ao passo em que, aproximadamente, sessenta e cinco por cento daquela área geográfica foi convertido em terras para cultivo agrícola.
Além do financiamento do CNPq, que repassou a maior parte dos recursos, as pesquisas que deram origem ao artigo publicado na Biological Conservation também tiveram financiamento da UESC e da Rufford Foundation, fundação britânica que apoia pesquisadores de países em desenvolvimento que trabalham em pesquisas sobre conservação ambiental. Junto com o professor Morante-Filho, assinam o artigo os pesquisadores do Departamento de Ciências Biológicas da UESC e bolsistas de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Deborah Faria , Eliana Cazetta , Fernanda Gaiotto , Marcelo Mielke e Maíra Benchimol ; os pesquisadores da UESC Júlio Baumgarten , Ricardo Bovendorp , Larissa Rocha-Santos , Alesandro Santos , Leiza Soares , Daniela Talora ; o pesquisador do Instituto de Biologia, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Eduardo Mariano-Neto , a pesquisadora da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Michaele Pessoa , e o bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), Emerson Vieira .