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Pesquisa apoiada pelo CNPq estuda os impactos do desastre ambiental em Maceió na economia circular da região
A ameaça de colapso de uma das minas da Braskem para a extração de sal-gema, nas proximidades da Laguna Mundaú, em Maceió, Alagoas, era um desastre já anunciado desde 2018, capaz de provocar implicações sociais, ambientais, humanas, e econômicas, segundo a bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, professora associada do curso de Administração, da Universidade de Brasília (UnB), e professora do Programa de Pós-Graduação em Administração também da mesma instituição, Patrícia Guarnieri. Ela lidera o grupo de pesquisa GeaLOGS (Grupo de Estudos e Pesquisas em Logística, SCM e Sustentabilidade) da UnB, que tem parceria com outras equipes de pesquisa, como as do LEAP, ligado à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e do DEPLog, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Enquanto o DEPLog tem como objetivo estudar processos de tomada de decisão na gestão logística e de processos produtivos, o LEAP abrange as linhas de pesquisa que versam sobre políticas públicas para o desenvolvimento, sistemas produtivos e cadeias globais de valor, organização industrial e estudos empresariais, e desenvolvimento territorial, rural e ambiental.
Alguns dos resultados do trabalho conjunto dessa equipe e produtos do projeto aprovado na Chamada Pública CNPq/MCTI/FNDCT N18/2021– Universal, são o Repositório da Tragédia em Maceió, disponível na internet e reúne material sobre o desastre ambiental provocado pela mineração, e o canal Relatos de uma Tragédia, no YouTube, série de vídeos em que especialistas explicam o problema e suas consequências. O projeto investigou os impactos sociais, econômicos e ambientais provocados pela extração do sal-gema em Maceió e ainda se encontra ativo. Ele é coordenado pela professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da UFAL, Natallya Levino.Este ano, os pesquisadores tiveram um novo projeto aprovado no âmbito da Chamada Universal para pesquisar a economia circular em comunidades de marisqueiras e pescadores na área do Vergel, às margens da Laguna Mundaú. . Coordenado pela professora Patrícia Guarnieri, o projeto reúne pesquisadores da UnB, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE).
Nesta entrevista, a professora Patrícia Guarnieri comenta sobre o impacto da extração do sal-gema em Maceió e suas implicações, as consequências para os projetos de economia circular na região, os pontos que poderão ser tratados pelo novo projeto de seu grupo de pesquisa e aplicações de modelos econômicos mais resilientes e circulares em outras partes do mundo.
Vale lembrar que um novo desastre ambiental em Maceió, provocado pelo desabamento de uma mina de sal-gema da Braskem poderia causar a abertura de uma cratera do tamanho do estádio carioca do Maracanã e tornaria a água da Laguna Mundaú salgada, impactando também a região do mangue. A mineração do sal-gema, minério usado na fabricação da soda cáustica e do PVC, teve início em Maceió na década de 1970 e as primeiras rachaduras causadas pela escavação das minas surgiram em fevereiro de 2018.
Entrevista com a Profª Patrícia Guarnieri
CNPq - Um dos principais danos do acidente ocorrido em Maceió é humano, devido à remoção forçada das pessoas da área geográfica afetada. Como isso pode se refletir nos projetos de economia circular e que áreas podem ser mais afetadas?
Patricia Guarnieri - Sim, mais de 60 mil pessoas já foram removidas dos seus bairros devido à subsidência do solo ocasionada pela extração inadequada de sal-gema pela Braskem. Cabe ressaltar que a empresa não foi culpabilizada penalmente ou administrativamente, mas foi alvo de um processo civil do MPU (Ministério Público da União) e da DPU (Defensoria Pública da União) para garantir a indenização para essas pessoas. No entanto, o que houve na prática foi a compra dos imóveis dos bairros desocupados pela Braskem. As áreas mais afetadas foram os bairros de Pinheiro, Bebedouro, Mutange, parte do Farol e do Bom Parto. Os bairros dos Flexais (de cima e de baixo), apesar de não estarem na zona de risco foram também afetados, pois ficaram ilhados. A Laguna Mundaú é a área mais recentemente afetada, o que ocasionará possivelmente impactos para as comunidades que tiram dela a sua subsistência. Então podemos citar mais diretamente os pescadores e marisqueiras, da comunidade do Vergel, mas também temos as outras comunidades às margens da Laguna, como Pontal da Barra que possui vários restaurantes e comércio com artesanatos e produtos locais, essa área é um importante ponto de turismo local. Ainda estamos iniciando as pesquisas e acredito que seria irresponsável falar agora sobre os impactos, mas supomos que, se a comunidade, foco do projeto de economia circular fica às margens da Laguna, e a Laguna sofreu as consequências desastrosas da extração inadequada do sal-gema, podemos ter efeitos indesejáveis na extração do sururu e atividades pesqueiras. O que temos que analisar é se serão temporários ou permanentes. A quantidade da casca do sururu, que é a matéria-prima do cobogó gerado por meio da implementação da economia circular, pode ser afetada por esse problema. Não tendo sururu, não temos a casca, não temos trabalho para as marisqueiras, não temos renda... e a população sofrerá as consequências.
CNPq - A senhora e seu grupo de pesquisa acabaram de ter aprovado no CNPq um projeto na Chamada Universal, cujo objetivo é analisar os impactos sociais, econômicos e ambientais dos projetos de economia circular em comunidades ribeirinhas de pescadores. Uma das atividades que vocês acompanham é a extração de sururu, da Laguna Mundaú, principal fonte de renda de pescadores/marisqueiros da região. No repositório criado na internet, vocês afirmam que o desastre ocasionado pela extração inadequada do sal-gema em Maceió afetará a salinidade da Lagoa. A senhora pode comentar sobre o assunto, explicando qual é o impacto da extração do sal-gema na região e quais as implicações esperadas, em especial no cenário atual, com o afundamento do solo devido às atividades da Braskem? A Laguna Mundaú fica na região onde ocorreu o acidente?
Patrícia Guarnieri - É importante ressaltar que nosso foco original e principal não era o desastre do sal-gema, no entanto, e infelizmente, com o rompimento da Mina 18 da Braskem na Laguna Mundaú, na última semana, vislumbramos efeitos para o nosso projeto, os quais não podemos desconsiderar. A extração do sururu é patrimônio cultural da cidade de Maceió, e, como você muito bem citou, fonte de renda principal da comunidade do Vergel que vive às margens da Laguna Mundaú. Com esse desastre em curso, sobre o qual não temos ainda noção da dimensão dos impactos, a atividade da extração do sururu e de outros tipos de pescados foi totalmente interrompida, por segurança.
A casca do sururu, que era um problema ambiental para a comunidade, por meio do projeto de economia circular implementado por vários parceiros, coordenados pelo IABS [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade], virou matéria-prima para um cobogó fabricado usando o conhecimento de artesãos locais e hoje é usado na arquitetura, por meio de uma parceria com a empresa Portobello. É um projeto belíssimo chamado “Maceió mais Inclusiva”, que trouxe vários impactos positivos para a comunidade de Vergel e para a cidade de Maceió.
Estima-se que existem cerca de 1 mil pescadores e marisqueiras no local, muitos não associados a cooperativas. Então, há uma preocupação muito grande com a sobrevivência dessas pessoas. Com o rompimento da mina, a água da Laguna que é essencialmente doce - mas que por ser uma laguna e ter comunicação com o mar tem um equilíbrio natural entre água doce e salgada - será afetada. Essa água adentra a mina e o sal-gema gera uma salinização excessiva, isso ocasiona um desequilíbrio no ecossistema, o que gera riscos para a atividade pesqueira e de extração do sururu na região.
Infelizmente ainda não temos como estimar que efeitos isso terá e se serão definitivos, porque ainda está em curso. Mas é importante ressaltar que esse desastre, que teve mais visibilidade na grande mídia nas últimas semanas, começou em 2018, com um tremor de terra. O Serviço Geológico do Brasil esteve na área fazendo estudos e medições e concluiu, conforme um documento divulgado em 2019, que o tremor ocorreu pela subsidência do solo devido à extração inadequada de sal-gema pela Braskem. Nessa ocasião os bairros do Pinheiro, Mutange, Farol e Bebedouro foram desocupados, alguns totalmente e outros em parte. A extração de sal-gema foi interrompida a partir dessa data, no entanto existem trinta e cinco minas no subsolo, sendo que onze já romperam e as outras têm risco de rompimento. Não se trata de um desastre natural, e foi, sim, causado pela mineração de sal-gema. Com nossos estudos já conhecemos os impactos econômicos, sociais e ambientais do afundamento para a população de Maceió, mas eles podem ainda ser agravados porque o desastre está em curso.
Com esse novo problema da mina 18, o bairro do Mutange que fica às margens da Lagoa e já estava desocupado, está ruindo e já temos a interrupção da extração do sururu e da pesca, por segurança, como efeitos imediatos. Estamos acompanhando a situação e em breve esperamos ter mais informações sobre os riscos para o projeto de economia circular.
CNPq - Embora o projeto contemplado pela Chamada Universal 2023 ainda vá ser desenvolvido, vocês já têm uma visão, ao menos mínima, dos principais pontos ou problemas locais que poderão ser abordados?
Patricia Guarnieri - Sim já temos, a comunidade do Vergel que fica às margens da Laguna Mundaú é uma comunidade bastante vulnerável, a maioria do sustento vem de mulheres, que são as chefes das famílias, que são as marisqueiras que lidam com o sururu. Então o projeto gerou diretamente um benefício no aumento da renda dessas marisqueiras, o que contribuiu para o aumento da qualidade de vida da comunidade, redução da insegurança alimentar, sem falar da redução do impacto ambiental que era ocasionado pela disposição inadequada das cascas do sururu, que geravam inclusive um custo de coleta para a Prefeitura de Maceió e problemas de saúde. Tivemos também com o aumento da renda, e a criação de uma moeda social, o sururote, uma movimentação do comércio local. A criação de uma cooperativa garantiu maior poder de barganha à comunidade. E a inovação circular gerada com o desenvolvimento do cobogó com uso na arquitetura incluiu essa comunidade socioprodutivamente em uma grande cadeia produtiva. É um projeto maravilhoso que impactou muito a comunidade e por isso resolvemos estudá-lo. Nosso objetivo é estudar mais profundamente esses impactos e o legado do projeto “Maceió mais inclusiva”, e também analisar se existe viabilidade da replicação desse projeto em outras regiões do Brasil que extraem também outros tipos de moluscos.
CNPq - A demanda por um modelo econômico mais resiliente, circular e de baixo carbono tem sido crescente de uns anos para cá. Na prática, esse modelo tem sido aplicado com sucesso em algum lugar? Quais são os obstáculos para sua aplicação com maior eficiência?
Patricia Guarnieri - Temos tido muitos avanços na transição para um modelo circular, tenho estudado essa transição em nível macro, em termos de países e regiões e, sem dúvida, os países do Norte Global, em geral desenvolvidos, têm práticas mais consolidadas nesse sentido. Um exemplo a ser citado é o Green Deal da Comunidade Europeia que impeliu os países membros a adotarem medidas diversas, com metas ambiciosas para 2030 e 2050. Dentre as estratégias para atingir as metas está a Economia Circular. Mais recentemente, em 2022, a América Latina e Caribe aderiram à uma coalizão para stakeholders nesses países aderirem o movimento de transição. O Brasil aderiu à coalizão somente este ano, mais precisamente em setembro de 2023. Também temos em discussão no Congresso Nacional uma política nacional de economia circular, ou seja, estamos no caminho para avançarmos. Temos vários exemplos no Brasil de inovações circulares, que usam resíduos como alimento para novos produtos, também exemplos de ecodesign e redução de insumos como energia, água e matéria-prima. Cabe ressaltar que a economia circular é muito mais do que apenas gestão de resíduos ou logística reversa destes, mas essas são etapas importantes para fazer os resíduos, que hoje são efeitos de um modelo linear, terem seu ciclo de vida estendido. Temos que considerar que cada região e cada país está em uma etapa de transição diferente e temos que considerar essas particularidades ao propor estratégias. No caso do Brasil, temos exemplos muito legais para o uso integral do coco verde por exemplo, do açaí, da castanha do baru, dos excessos da produção da agricultura familiar, e estou citando exemplos somente da cadeia produtiva de alimentos. Mas temos iniciativas muito interessantes também no que se refere a embalagens, uso de energias sustentáveis e renováveis, economia compartilhada no setor da moda. Enfim, a economia circular é muito ampla e envolve desde o design até a reinserção de resíduos como matéria-prima, lembrando que resíduos não é a mesma coisa que rejeito. Não existe a possibilidade de termos resíduos zero, já é consenso na literatura, mas sim, podemos trabalhar para ter rejeito zero, que são aqueles que não são viáveis de serem reaproveitados por motivos técnicos ou econômicos, e impactam diretamente nas emissões climáticas.
Creio que os maiores obstáculos são as diretrizes e políticas nacionais, precisamos hoje ter um compromisso em nível federal que depois estimule os estados e municípios e por sua vez, o setor privado. Também precisamos trabalhar na conscientização e educação ambiental, a fim de que mudemos o status quo da economia linear e possamos caminhar para a redução do uso de recursos e o design mais sustentável. Existem muitas oportunidades de pesquisa e é um tema muito instigante.