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Meio século de apoio do CNPq às pesquisas históricas e arqueológicas na Serra da Capivara
Vista aérea do Parque Nacional da Serra da Capivara. - Foto: FUNDHAM
Há cerca de 50 anos, o CNPq fomenta pesquisas científicas na Serra da Capivara, no Piauí, área geográfica que possui a maior e mais antiga concentração de sítios pré-históricos da América e que, de acordo com investigações já realizadas no local, era densamente povoada na era pré-colombiana.
Os estudos na região se iniciaram em 1973, por iniciativa da arqueóloga Niède Guidon, então pesquisadora do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) da França, e motivaram, ao longo do tempo, a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara, em 1979, e da Fundação Museu do Homem Americano (Fundham), em 1986. O apoio do CNPq às pesquisas realizadas na região se iniciou em ação conjunta com o CNRS, ainda na década de 1970, e durou até o início dos anos 2000.
A partir de então, o fomento do CNPq à pesquisa na Serra da Capivara ocorre por meio do financiamento de projetos submetidos a editais, como os do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), dos Institutos do Milênio e do Programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnlogia (INCTs). O último resultou no estabelecimento do Instituto Nacional de Arqueologia, Paleontologia e Ambiente do Semiárido (INAPAS). Formado pela Fundham, pela Urca, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o INAPAS é uma rede integrada de conhecimento que desenvolve pesquisas em arqueologia, bioarqueologia, registros rupestres e paleontologia no semiárido do Nordeste do Brasil.
“É simplesmente maravilhoso, espetacular, além da natureza, o trabalho fenomenal dos colegas que trabalham aqui no Parque, dos arqueólogos, dos monitores e de todas as pessoas que dão atenção a este Parque, que é importantíssimo para a Nação”, comentou o Presidente do CNPq, Ricardo Galvão, ao visitar o Parque Nacional da Serra da Capivara, em setembro.Galvão foi à Serra da Capivara entregar em mãos o diploma e a medalha do Prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia à pesquisadora Niède Guidon, laureada na edição de 2024. “Esse prêmio realmente é a maior distinção da ciência brasileira, em nome desse homem que teve uma grande visão da importância de criar o CNPq. O Prêmio Álvaro Alberto tem de ser aprovado pelo Conselho Deliberativo do CNPq. O seu nome foi dito e não teve mais discussão. Foi unânime”, disse Galvão, ao entregar o diploma à professora Niède Guidon, que agradeceu.
“Eu fiz o trabalho que tinha de fazer. Muito obrigada, mas não fui eu. Foi toda uma equipe”, afirmou Guidon, observando que ainda há muito trabalho a fazer no Parque. “Tem um número de sítios imenso. Só com pintura, nós temos 463 sítios, e ainda existem dentro do Parque algumas áreas de difícil acesso que ainda devem ser pesquisadas e pode ter mais coisas. Esse Parque é uma coisa maravilhosa”, salientou. Ela também foi agraciada com o prêmio “O Farol do Conhecimento”, concedido pela Marinha do Brasil, e entregue à professora na mesma ocasião.
Durante encontro informal para a entrega em mãos do Prêmio Álvaro Alberto, realizado na casa de Guidon, no município piauiense de São Raimundo Nonato, o diretor científico do CNPq, Olival Freire Júnior, ressaltou a modernidade do trabalho da arqueóloga, afirmando que ela é um exemplo a ser seguido. “Para todo cientista no Brasil seu trabalho é uma referência de trabalho inovador, desafiador nas controvérsias científicas que a vida lhe reservou e você não hesitou em enfrentar essas controvérsias”, disse ele, dirigindo-se a Guidon.
A pesquisadora lembrou o começo difícil, quando era procurada por políticos, que sempre queriam que ajudasse alguém. “Eu dizia para eles ‘Não. Para fazer pesquisa científica, não pode ter política no meio’”. Também participaram da missão do CNPq para entregar o Prêmio Álvaro Alberto a Guidon a Diretora de Cooperação Institucional, Internacional e Inovação, Dalila Andrade; a Diretora de Análise de Resultados e Soluções Digitais, Débora Menezes; o coordenador-geral de Promoção à Inovação e ao Transbordamento do Conhecimento em CT&I, Márcio Oliveira; e a coordenadora de Execução e Difusão de Prêmios Nacionais e Internacionais em CT&I, Lisandra Santos. A cerimônia formal de premiação aconteceu em maio, no Rio de Janeiro, quando Guidon foi representada pela diretora científica da Fundham, Márcia Chame. O Prêmio é concedido pelo CNPq, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e com apoio da Marinha do Brasil.
Para o diretor Olival Freire Jr., as pinturas rupestres do Parque Nacional da Serra da Capivara são descobertas fenomenais. “Mas impressiona também que a Niède Guidon e sua equipe foram capazes de criar um grande laboratório de pesquisa, e também de realizar uma grande obra social nesta região”, comentou.
De fato, muito aconteceu desde 1973, quando a missão franco-brasileira encabeçada por Guidon realizou as primeiras prospecções e reconhecimento das pinturas e gravuras rupestres do Sudeste do Piauí. A primeira classificação regional dos registros rupestres aconteceu em 1975 e, três anos depois, tiveram início as excavações para contextualizar de forma cronológica as pinturas rupestres da região. Em 1980, análises utilizando carbono-14 revelaram vestígios de ocupações anteriores a 40 mil BP, iniciais usadas por arqueólogos para indicar “anos Antes do Presente”.
O investimento em escavações, análises tipológicas e cronológicas também teve início na década de 1980. Desde então, e até meados dos anos 1990, ocorreram debates científicos e foram publicadas teses que inseriram a Serra da Capivara na vanguarda das discussões acerca do povoamento da América. As primeiras análises antropométricas dos esqueletos encontrados no local também ocorreram na década de 1990.
Nos anos 2000, foram desenvolvidos estudos para auxiliar a compreensão sobre as populações que habitavam a Serra da Capivara. Graças à inovação tecnológica, os pesquisadores puderam preservar registros rupestres e realizar análise físico-química não destrutiva dos pigmentos, utilizando métodos como fluorescência de raio-X e colorimetria.
Em 2015, começaram a ser aplicados novos métodos de escavação, que tornaram possível a extração de materiais depositados dentro de extratos sedimentares em contextos arqueológicos. Dois anos depois, em 2017, trabalho interdisciplinar sobre arqueologia e genoma iniciou o levantamento de dados e interpretações genéticas sobre as primeiras populações americanas.
Mais recentemente, a partir de 2020, foram realizadas as primeiras análises sobre a origem da composição físico-química dos pigmentos e tintas pré-históricas e sua atuação sobre o suporte rochoso. Hoje, o Parque Nacional da Serra da Capivara possui 1.242 sítios arqueológicos pré-históricos e históricos e 1.050 sítios de arte rupestre.
O aspecto social do trabalho da Fundham
Entidade civil sem fins lucrativos, criada para garantir a preservação do patrimônio cultural e natural do Parque da Serra da Capivara, a Fundham se encarrega de realizar as atividades científicas interdisciplinares, que envolvem áreas de ciências humanas, biológicas e da terra, além de ser a responsável pelas atividades sócio-culturais.
Essas ações começaram a ser desenvolvidas em 1989, por meio do Projeto Núcleos de Apoio às Comunidades, resultante de convênio da Fundham com a ONG italiana Terra Nova, o governo do estado do Piauí e a empresa de telecomunicações Telemar (atual Oi). O objetivo era integrar a população dos municípios de São Raimundo Nonato, Coronel José Dias e João Costa ao Parque, em ações destinadas a proteger e a preservar a área e que ainda promoviam a educação dos filhos dos moradores da região.Além desse projeto inicial, foram criados projetos científicos de pesquisa em arqueologia pré-histórica e histórica, geologia, paleontologia, ambiente, saúde e disciplinas interdisciplinares, que formaram o projeto geral “O Sudeste do Piauí desde a pré-história aos dias atuais”. Mais de 80 pessoas já participaram dos diferentes projetos interdisciplinares coordenados pela Fundham desde a sua criação.
Entre 1992 e 2001, projetos técnicos destinados a aumentar as possibilidades produtivas da população, com vistas à educação técnica e acadêmica, contribuíram para a criação da cerâmica artística, que emprega hoje 40 pessoas da comunidade. A cerâmica, que já é exportada para fora do Brasil, conquistou em 2005 o primeiro lugar do prêmio de melhor projeto de sustentabilidade do Brasil, concedido pelo Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (Cebdes). O dinheiro recebido com a premiação foi utilizado para a recuperação e a compra de equipamentos para as oficinas de produção.Além disso, a Fundham é responsável por coordenar os projetos Apicultura Sustentável e Familiar, iniciado em 1993 e que tem financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); e ProArte-Fundham, que desde 2012 proporciona a crianças e adolescentes educação artística nas áreas de canto, dança, música e teatro.
A Fundham também contribuiu e participou da criação do curso de Arqueologia e Ciências da Natureza, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), campus de São Raimundo Nonato. “É a ciência associada ao desenvolvimento social. Isso é muito importante”, observou o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, durante a visita a Niède Guidon.
Segundo Guidon, os projetos sociais foram pensados para auxiliar o sustento da comunidade da região. “Quando eu cheguei aqui, era uma região extremamente pobre. Então a gente viu que era necessário criar um projeto para desenvolver a região e parece que deu certo. Hoje tem o Parque que é patrimônio cultural da humanidade, atrai turistas, criou uma maneira da região conseguir recursos.”