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Esper Kallás, do Instituto Butantan: “Hesitação vacinal e negacionismo climático são exemplos da importância da divulgação científica”
Vencedor da 44ª edição do Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica, devido à contribuição para a divulgação e a popularização da ciência, tecnologia e inovação, o Instituto Butantan aumentou tanto seu envolvimento no combate à desinformação durante a pandemia de Covid-19 que, em dado momento, plataformas digitais internacionais começaram a replicar os conteúdos produzidos pela instituição.
A reprodução das informações originadas do Butantan aumentou ainda mais o alcance do Instituto, imprimindo maior aval ao trabalho de comunicação lá desenvolvido e aproximando o Butantan da sociedade, segundo avalia o atual diretor do Instituto Butantan, Esper Georges Kallás.
Médico infectologista, professor do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias e diretor do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), além de bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPq, Kallás foi eleito diretor do Butantan em 2023.
Na entrevista a seguir, concedida por escrito, ele comenta o papel do Butantan na divulgação científica, explicando a importância de se dar visibilidade à ciência; as etapas pelas quais o Instituto passou até ter seu trabalho de popularização da ciência reconhecido; os resultados do aumento de visibilidade e a visão do Butantan para as políticas públicas na área de C,T& I.
“Vivemos uma época em que a hesitação vacinal e o negacionismo climático são exemplos evidentes da importância da divulgação científica. Enfrentamos uma pandemia e encaramos um cenário de mudanças climáticas com efeitos diretos sobre a saúde das pessoas e do planeta em geral. Valorizar a ciência, dando a ela visibilidade e aproximando-a do dia a dia da população, tem impacto direto sobre a forma como as pessoas tomam decisões e fazem escolhas”, enfatiza Kallás.
O diretor do Butantan fala, ainda, sobre as pesquisas em desenvolvimento na instituição, que devem ter reflexos em benefício da sociedade. De acordo com ele, a pandemia tornou evidente a necessidade de o Brasil buscar autossuficiência produtiva no desenvolvimento de biofármacos. “Para dar uma resposta a essa necessidade, o Butantan passou a investir na ampliação e consolidação de seu parque fabril”, diz.
CNPq - O Instituto Butantan foi contemplado com o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica devido a sua trajetória nas áreas de pesquisa, ensino, cultura e divulgação científica. Alguns dos pontos considerados para a escolha do Instituto foram suas ações no tocante à popularização da ciência, tecnologia e inovação e sua visão analítica de políticas públicas para a área de C, T&I. Qual é a importância de se dar visibilidade à ciência?
Esper Kallás - Dar visibilidade à ciência é um dos pilares do Instituto Butantan desde sua fundação, há 123 anos. Hoje, vivemos uma época em que a hesitação vacinal e o negacionismo climático são exemplos evidentes da importância da divulgação científica. Enfrentamos uma pandemia e encaramos um cenário de mudanças climáticas com efeitos diretos sobre a saúde das pessoas e do planeta em geral. Valorizar a ciência, dando a ela visibilidade e aproximando-a do dia a dia da população, tem impacto direto sobre a forma como as pessoas tomam decisões e fazem escolhas. E não é só isso: a divulgação científica também tem a função de preparar novas gerações interessadas pelas diversas áreas de pesquisa e atentas às novidades que surgem nos laboratórios. No Butantan, buscamos falar com todos os públicos, desde pequenas crianças até profissionais altamente especializados. E acho que temos sido bem sucedidos nisso. O prêmio José Reis, uma imensa honra para todos nós, mostra que estamos no caminho correto e é um incentivo para seguirmos e nos aprimorarmos sempre.
CNPq - O Portal do Butantan utiliza linguagem simples para falar sobre ciência e ainda conta com editorias como a Fato ou Fake, o que reflete um pouco das discussões ocorridas na história recente do Brasil. Como foi o processo que levou o Butantan a perceber que havia necessidade de educar para a ciência não apenas especialistas, mas o público em geral, e por quais etapas vocês passaram até chegar a todos esses meios de divulgação da ciência que possuem? Além disso, o fato de o Instituto se mostrar a par das discussões atuais ocorridas no contexto brasileiro aproximou o Butantan da sociedade, aumentando o interesse de públicos diversos em seu trabalho?
Esper Kallás - Durante a pandemia, houve a percepção da carência de informação confiável não apenas para a população, mas também para pesquisadores. Além da emergência do Sars-CoV-2, havia outra novidade potencialmente letal e de transmissão rápida: a desinformação. As notícias se multiplicavam rapidamente (fossem verdadeiras ou não), e ninguém sabia mais em quem acreditar. O Butantan tomou a frente não só para aprender rapidamente sobre o novo vírus, como também para disseminar informação de qualidade para combater as fake news. Nesse sentido, a comunicação do Butantan entendeu que era preciso gerar conteúdo em grande quantidade e dentro de diferentes formatos, permitindo que os textos e posts alcançassem todos os públicos e esferas. Nosso objetivo era proteger e facilitar o que realmente importava naquela época: o trabalho da comunidade científica em busca de vacinas que pudessem salvar vidas.
Mobilizamos todos os canais institucionais, como as redes sociais e o Portal, e aumentamos nossa presença na imprensa, com nossos porta-vozes colaborando em matérias jornalísticas quase todos os dias. O Butantan, que sempre teve credibilidade, aumentou tanto sua participação na linha de frente do combate à desinformação que, em determinado momento, plataformas digitais internacionais começaram a nos procurar para otimizar o alcance dos nossos conteúdos. Foi um grande aval ao trabalho de qualidade da comunicação, alinhado à expertise científica do Instituto, e aproximou ainda mais o Butantan da sociedade.
CNPq - O Butantan já é reconhecido, mas essa maior visibilidade em meios de comunicação e em redes sociais gerou mais apoio institucional, como financiamento a pesquisas, ou não alterou esse quadro?
Esper Kallás - O principal ganho do Instituto Butantan em decorrência dessa maior visibilidade foi o seu reconhecimento como grande produtor de vacinas. Até então, o Butantan costumava ser lembrado como o local em que eram produzidos soros para o tratamento de acidentes com animais peçonhentos. Com o trabalho na pandemia, mostramos à população que estamos na vanguarda das principais demandas de saúde pública do Brasil. Nosso fortalecimento na mídia mostrou que o Instituto é, na verdade, um grande pólo de saúde e pesquisa, produzindo biofármacos e contribuindo para o avanço da ciência.
CNPq - Entre os motivos que levaram o Instituto Butantan a ser escolhido como o contemplado nesta edição do Prêmio José Reis estão a visão crítica e analítica do Instituto para as políticas públicas na área de ciência, tecnologia e inovação. O senhor poderia comentar um pouco sobre o assunto?
Esper Kallás - O Instituto Butantan nasceu com o desafio de produzir ciência e tecnologia e oferecer à população produtos necessários para a saúde. Este compromisso é cada vez mais forte, e estamos nos fortalecendo como uma instituição-chave dentro do sistema nacional de inovação. Desde sua criação, há mais de 120 anos, o Butantan investe para alcançar o domínio de diferentes tecnologias e ter cada vez mais capacidade competitiva e autossuficiência na realização de projetos ligados ao desenvolvimento de novos imunobiológicos. Atualmente, entre nossas estratégias de atuação, estamos focando no fortalecimento do nosso ecossistema de apoio à criação de patentes. Queremos tornar cada vez mais comum a criação de produtos desde a bancada até a fábrica dentro do Butantan – somos plenamente capacitados para isso, com equipes altamente treinadas, infraestrutura de ponta e foco na saúde pública. Também estamos sempre em busca de parcerias com grandes players do mercado farmacêutico que permitam a incorporação rápida de terapias inovadoras ao Sistema Único de Saúde. Tudo isso sempre pensando na missão do Instituto e no que realmente importa não só para mim, mas para cada pessoa que trabalha no Butantan: salvar vidas.
CNPq - Por fim, o que o Instituto tem desenvolvido na área de pesquisa que pode ser aplicado diretamente em benefício da sociedade?
Esper Kallás - O Instituto Butantan tem toda a sua trajetória voltada à saúde pública brasileira. Sua criação, em 1899, se deu devido a uma urgência sanitária, que foi a contenção de um surto de peste bubônica por meio da produção de soro antipestoso. De lá para cá, o instituto segue no seu papel de servir à população e atender às demandas do Ministério da Saúde brasileiro.
Nesse momento, o Butantan tem investido na pesquisa e desenvolvimento de biofármacos, com destaque para o enfrentamento de doenças tropicais negligenciadas, como dengue, chikungunya e zika. Isso sem esquecer do nosso papel extremamente relevante na fabricação de soros contra microrganismos e toxinas de animais peçonhentos, e as entregas anuais de mais de 80 milhões de doses da vacina trivalente contra influenza ao Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Além disso, durante a pandemia, ficou mais evidente a necessidade de o Brasil buscar a autossuficiência produtiva. Para dar uma resposta a essa necessidade, o Butantan passou a investir na ampliação e consolidação de seu parque fabril. Temos muito conhecimento adquirido ao longo desses anos e estamos posicionados e preparados para expandir e diversificar nossa produção, nos fortalecendo como esse polo central de produção de imunobiológicos no Brasil.