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César Lattes, homem de seu tempo: CNPq reúne historiadores em rico debate na reunião da SBPC
Os 100 anos de nascimento do físico César Lattes foram comemorados em sessão especial organizada durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que aconteceu em julho, em Belém, no Pará. A promoção da homenagem foi uma iniciativa do CNPq, através de seu Centro de Memória.
Primeiro palestrante do evento, o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, rememorou algumas lembranças de sua convivência com Lattes, com quem nunca trabalhou, mas com quem conviveu quando era professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em meio a recordações bem-humoradas, Galvão afirmou que Lattes era uma pessoa de intuição impressionante, que não se acostumava a perguntas com respostas triviais. “Ele tinha sempre uma percepção muito profunda”, disse.
O historiador da ciência Olival Freire Júnior, professor da Universidade Federal da Bahia e diretor científico do CNPq, destacou o papel-chave de Lattes na institucionalização da física e da ciência no Brasil. “Lattes é um dos criadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que é um instituto de primeiro nível no mundo, por qualquer padrão, por qualquer critério. Foi também um dos criadores do CNPq, da área de física da Unicamp e de algumas das colaborações internacionais mais duradouras”, observou Freire, citando alguns feitos de um dos descobridores, em 1947, da partícula méson Pi, responsável pela força nuclear que mantém prótons e nêutrons intimamente ligados no núcleo atômico.
Assista à mesa na íntegra:
Freire lembrou que uma das colaborações mais relevantes firmadas por Lattes aconteceu com físicos bolivianos e resultou na estação meteorológica de Chacaltaya, na Bolívia, que se transformou em laboratório internacional, sob a liderança do físico brasileiro. Ao mencionar outras cooperações internacionais de Lattes, Freire disse ser evidente que Lattes contribuiu de modo inestimável para a institucionalização da ciência no Brasil.
O historiador salientou, contudo, que as ações de Lattes não podem ser compreendidas sem uma referência à história do Brasil. “A produção da ciência em um país não é inseparável do desenvolvimento histórico do país. Ela não diminui o papel e a responsabilidade do indivíduo Lattes, mas aí a responsabilidade dele é uma responsabilidade de um personagem que compreendeu o seu tempo e agiu numa certa direção”, afirmou.
De acordo com Freire, o mundo após a Segunda Guerra Mundial percebeu que a ciência tinha mudado os rumos da humanidade, com o uso do radar na aviação e com a produção da bomba atômica, entre outros marcos. Citando o historiador Eric Hobsbawn, o diretor do CNPq diz que, a partir de 1945, todos os governantes do mundo compreenderam que suas nações precisavam desenvolver a ciência, mesmo que não tivessem a mínima ideia de o que era ciência.
E o Brasil se incluía nesse rol. No cenário de estado democrático proporcionado pelo Estado Novo, a ideia de que o país precisava acelerar seu posicionamento no cenário internacional não só via industrialização, mas também por meio da formação acelerada de mão-de-obra, favoreceu a criação do CNPq e de outras instituições da área de ciência e tecnologia. Segundo Freire, Lattes foi um produto do seu tempo. “O tempo que faz o herói, não é o herói que é um predestinado”, concluiu.
Ao citar alguns episódios da biografia de Lattes, Antônio Augusto Videira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colaborador do CBPF, por seu turno, recordou um dos discursos do físico brasileiro, em que ele diz que o Brasil e a América do Sul sempre estiveram presentes de forma essencial nas suas atividades científicas.
“Ele procura mostrar que sempre foi um físico preocupado em trabalhar na América do Sul, no Brasil, o que vai de acordo com aquilo que o Olival falou, que [ele] foi uma pessoa que tomou a decisão de construir uma carreira aqui no Brasil, para que outras pessoas pudessem fazer ciência. O que já mostra que ciência é uma atividade coletiva”, ressaltou Videira.
Autor de artigo recém-publicado intitulado “Lattes e o Nobel: A lógica do prestígio científico no século XX”, o professor da UFBA e historiador da ciência Climério Paulo da Silva Neto, por sua vez, fez uma retrospectiva dos acontecimentos que levaram à instituição do Prêmio Nobel pela Academia Sueca e à indicação do britânico Cecil Powell, líder do grupo de pesquisas que descobriu o méson Pi, desconsiderando os outros membros da equipe, como César Lattes.
Silva chamou atenção para as questões geopolíticas envolvidas na decisão pela indicação de Powell. “A influência científica era o principal fator para favorecer determinado candidato e o Lattes, na época um jovem de vinte e poucos anos, nesse período não tinha ainda a projeção e o prestígio científico de um cientista”, afirmou, lembrando que o cientista britânico premiado já era influente àquela altura.