Pioneiras 7ª Edição
Pioneiras da Ciência no Brasil - 7ª Edição
Em 2013, foi lançada a primeira edição do Pioneiras da Ciência no Brasil com o objetivo principal de mostrar as histórias das mulheres pesquisadoras e cientistas que contribuíram, de forma relevante, para o avanço do conhecimento científico e para a formação e ampliação do sistema científico e tecnológico no Brasil, principalmente na formação de recursos humanos.
Nesta sétima edição, divulgamos as histórias inspiradoras de 10 pesquisadoras em diversas áreas do conhecimento. Os verbetes entrelaçam suas trajetórias pessoais e acadêmicas e permitem observar não somente os resultados do seu sucesso como também os obstáculos enfrentados no seu caminho.
Esta é uma iniciativa realizada no âmbito do Programa Mulher e Ciência, do qual o CNPq faz parte e tem, como um dos objetivos, fomentar a participação das mulheres nas ciências e tecnologias e estimular o protagonismo de jovens em diversas áreas do conhecimento.
O estabelecimento de figuras exemplares femininas é um importante recurso para diminuir os estereótipos de gênero e motivar as meninas e as mulheres para as carreiras científicas e para as ciências em geral, como apontam diversos estudos e relatórios.
Até o momento, homenageamos 79 pesquisadoras em seis edições. Muitas dessas histórias são contadas por pesquisadores/as que foram influenciados/as pela atuação e obra das pioneiras e também por nossos/as parceiros/as que atuam no CNPq e em outras instituições de pesquisa e ensino.
Agradecemos a colaboração inestimável dessas parceiras e parceiros e também aos órgãos e instituições que cederam as fotografias e registros aqui divulgados.
Para novas indicações para a próxima edição do Pioneiras da Ciência no Brasil, encaminhe o nome e a justificativa para: programamulhereciencia@cnpq.br
Adriana Tonini
Diretora de Engenharias, Ciências Exatas, Humanas e Sociais
Maria Lucia de Santana Braga
Betina Stefanello Lima
Equipe do Programa Mulher e Ciência
Brasília, dezembro de 2018.
Alda Lima Falcão (1925)Entomóloga (Bióloga) |
A Profa. Alda Lima Falcão nasceu em Aracati, Ceará, em 27 de março de 1925. Começou a sua carreira científica no Serviço Nacional de Malária do Nordeste, na própria cidade onde nasceu. Devido a um surto de malária em sua cidade e arredores, nela foi instalado um Centro de Pesquisa da Fundação Rockefeller, coordenado pelo Dr. Fred Sopper, o qual atraiu grandes pesquisadores, dentre eles, o casal Leônidas e Maria Deane. A Profa. Alda, na ocasião com 14 anos, começou a trabalhar na equipe da Dra. Maria Deane, de quem recebeu as primeiras lições sobre o mundo dos insetos vetores. Com ela aprendeu rapidamente a dissecar, identificar, fixar e armazenar exemplares do Anopheles gambiae, espécie vetora da malária que entrara no Brasil naquela época. Trabalhava também com espécies nativas como o Anopheles darlingi, o A. aquasalis e o A. albitarsis. Ali trabalhou de setembro de 1939 a maio de 1942. Dessa época, ela relembra a facilidade com que mantinha as criações de mosquitos, pois aprendera a criar os insetos com técnica precisa e cuidadosa atenção. Quando o A. gambiae foi erradicado, o laboratório foi fechado e a Profa. Alda mudou-se para Fortaleza, onde ingressou no Serviço Nacional de Malária em 1943, como entomologista. O Serviço Nacional de Malária foi integrado ao Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), no qual a Profa. Alda trabalhou até 1952, em Fortaleza. Ali, no ano de 1950, a Profa. Alda casou-se com Alberto Falcão, que também se tornou entomologista. Também nesse período, foi seu professor, o Dr. Durval Tavares Lucena, grande entomologista de Recife, para onde a Profa. Alda viajou para aprender sobre os triatomíneos. Como o Dr. Lucena também trabalhava com flebotomíneos, ao mostrar a ela um exemplar de Lutzomia whitmani, seu primeiro contato com um flebótomo, foi uma admiração instantânea. Como relata: "Desde então eu tenho os flebótomos na cabeça, para sempre...". E assim, ao longo de sua vida de pesquisa, essa admiração resultou em dedicação permanente a esse grupo de insetos, tendo descrito 44 novas espécies. No final de 1952, o casal Alda e Alberto Falcão mudou-se para Belo Horizonte. Depois de trabalhar na Escola de Medicina e de Farmácia com o Dr. Amílcar Viana Martins, a Profa. Alda transferiu-se em 1955 para o Instituto René Rachou, na época uma das unidades do DNERu. Já pesquisadora do DNERu, a Profa. Alda fez um Curso de Especialização em Entomologia Médica, na Universidade de São Paulo, USP, concluído em 1958. Naquela ocasião, o Dr. Amilcar trabalhava com esquistossomose e a Profa. Alda o convidou para iniciar um trabalho com flebotomíneos. A própria pesquisadora se dispôs a confeccionar as armadilhas de Shannon e com elas conseguiu capturar os primeiros exemplares de flebotomíneos. Começava então uma parceria frutífera entre o Dr. Amilcar e o casal Falcão, que redundou em muitas descrições de espécies, projetos científicos e formação de alunos. A primeira espécie descrita em parceria foi a Lutzomia renei, em homenagem ao Pesquisador René Guimarães Rachou. Esta primeira espécie abriu a coleção de flebotomíneos da qual a Profa. Alda foi curadora e que deu origem ao Centro de Referência Nacional e Internacional para Flebotomíneos do Instituto René Rachou. A coleção tem hoje 480 espécies e um total de 85.000 exemplares do Novo Mundo. A Profa. Alda conviveu com grandes entomologistas, dentre eles, destaca-se o Dr. Fairchild, pesquisador americano, especialista em flebotomíneos, que trabalhava no Gorgas Memorial Laborator, no Panamá. Recebeu em seu laboratório, diversos especialistas como o professor Saul Adler, da Universidade Hebraica de Jerusalém que ficou seis meses, entre 1960 a 1961. Contribuiu ininterruptamente por mais de 50 anos para a formação de recursos humanos, oferecendo treinamentos a centenas de profissionais dos serviços de saúde (atendendo a demandas de secretarias municipais, federais, órgãos de saúde federais e do exterior). A coleção tem sido fonte para estudos de sistemática de flebótomos, quanto de consulta e analises comparativas. Outra importante contribuição refere-se ao seu arquivo de publicações raras, referências históricas não disponíveis em bibliotecas ou internet, fonte de consulta para estudiosos da área. A implantação do Ambulatório de Leishmaniose, hoje Centro de Referência para tratamento e diagnóstico da doença, foi feita sob sua iniciativa, quando era chefe do Laboratório de Leishmanioses. Dentre os prêmios e homenagens recebidos estão: em 1991, a Medalha Meio século de Contribuição a Ciência, Fundação Oswaldo Cruz/FIOCRUZ; em 1997, Honra ao Mérito, Centro de Pesquisas René Rachou-Fiocruz; em 2001, Espécie em homenagem à Alda Lima Falcão " Luztzomya aldafalcaoae Santos Andrade Filho & Honer; em 2002, espécie em homenagem à Alda Lima Falcão " Pintomyia limafalcaoae Wolf & Galati; também em 2002, espécie em homenagem à Alda Lima Falcão " Pintomyia falcaorum Brazil & Andrade Filho; em 2003, subgênero em homenagem à Alda Lima Falcão " Aldamyia Galati. Em 2005, recebeu o título de Pesquisadora Honorária pela Fundação Oswaldo Cruz e em 2007, o título de pesquisadora emérita. Foi uma das mais assíduas orientadoras do programa de Vocação Científica (PROVOC) da Fiocruz, recebeu uma homenagem em 2001 do PROGRAMA DE VOCAÇÃO CIENTÍFICA, pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz. Publicou 100 artigos em revistas nacionais e internacionais e um livro, intitulado "American Sand flies", em colaboração com o Dr. Amilcar e o pesquisador inglês, Dr. Paul Williams. Seu exemplo de dedicação à ciência é admirável e deve ser amplamente divulgado para os jovens que hoje ingressam na carreira. Autoria do verbete: O texto foi originalmente elaborado pela pesquisadora do IRR Virginia Schall (in memorian) e publicado em: ANAIS DA 24º REUNIÃO DE PESQUISA APLICADA EM DOENÇA DE CHAGAS E 12 REUNIAO DE PESQUISA APLICADA EM LEISHMANIOSES. 23 A 25 DE OUTUBRO DE 2008, UBERABA/MG. PAGINA 10 E 11. Atualizações no texto foram feitas em outubro de 2018 por José Dilermando Andrade Filho.
Beatriz Alvarenga (1923)Física |
Ao se pensar em mulheres na Física, no Brasil, principalmente para quem andou ou anda pelas Minas Gerais, o nome de Beatriz Alvarenga certamente aparece em mente. Aos 93 anos, a professora ainda caminha pela sua casa da Rua Ponte Nova, na Floresta, Belo Horizonte, exibindo algumas de suas "geringonças", que são objetos que utilizou ao longo da carreira para fazer com que seus alunos compreendessem, na prática, as lições da física. Vinte e quatro anos depois de deixar a docência (Beatriz é professora emérita do Instituto de Ciências Exatas da UFMG), a ela ainda recebe ex-colegas e estudantes para aulas particulares em seu grande laboratório. Beatriz não é formada em física, embora seja uma das mais conceituadas estudiosas da matéria. Nascida em Santa Maria de Itabira, a 133 quilômetros da capital mineira, ela se mudou aos 10 anos para Belo Horizonte. O pai, o farmacêutico Trajano Procópio de Alvarenga, veio em busca de escolas melhores para os doze filhos. Aos 17 anos, Beatriz fez vestibular para engenharia civil, na Escola Livre de Engenharia, que anos mais tarde seria incorporada à UFMG. Na época nem havia ensino superior de física. "Engenharia era o único curso que envolvia matemática", lembra. Em sua turma, todos os colegas eram homens, o que não a deixava constrangida. À frente de seu tempo, Beatriz contrariou os padrões também na vida pessoal: casou-se tarde, aos 39 anos, bem depois da maior parte de suas amigas. "Quando recebi o pedido, fui logo avisando que não tinha tempo para ter filhos", conta ela, que viveu com o professor de português aposentado Celso Álvares, até que ele faleceu recentemente. Em 1968, foi uma das responsáveis pela criação do Departamento de Física dentro do Instituto de Ciências Exatas da UFMG. Até aquele momento, o curso funcionava na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Foi nessa ocasião que o colega Antônio Máximo lhe sugeriu que escrevessem, em parceria, um livro didático. As obras disponíveis, segundo ele, eram maçantes, recheadas de fórmulas matemáticas e com pouca ênfase na aplicação. "A qualidade dos livros era muito ruim, qualquer coisa que a gente fizesse seria melhor". Desde 2009, a cada ano são vendidos em media 1,3 milhão de exemplares. Ainda hoje, ela aproveita todas as oportunidades que surgem para fazer sua catequese: defender a importância da física aplicada dentro da sala de aula. "Para compreender melhor a sua vida e tudo o que faz, você tem de entender um pouco de física", resume, repleta de razão. Mais detalhes sobre a professora Beatriz, veja: https://www.ufmg.br/proex/cpinfo/ufmgtube/entrevistas/entrevista-com-beatriz-alvarenga/ https://www.ufmg.br/diversa/20/perfil-beatriz.html Autoria do verbete: elaborado e publicado pelo GT sobre questões de Gênero da Sociedade Brasileira de Física (SBF), http://www1.fisica.org.br/gt-genero/index.php/mulheres-pioneiras
Beatriz Nascimento (1942 - 1995)Um devir quilombo-oceano |
[...] Há corte e cortes profundos Em sua pele em seu pelo Há sulcos em sua face Que são caminhos do mundo São mapas indecifráveis Em cartografia antiga Precisas de um pirata De boa pirataria Que te arranques da selvageria E te coloque, mais uma vez, Diante do mundo Mulher. ("Sonho" - Beatriz Nascimento) Maria Beatriz Nascimento, Beatriz Nascimento ou Belatrix (como ela mesma se nomeou em um poema) é uma constelação de brilho infinito no horizonte de oceanos de luta, sonhos, resistência, enfrentamentos, irrupções. Mulher, negra, pobre, nordestina, historiadora, ativista, poeta desafiou toda estrutura racista e sexista no destilar de seu verbo em prol de justiça, liberdade, dignidade e encontro com uma potência ancestral de transformação política, social, cultural, identitária, num olhar para a construção de outras epistemes, aquilombando devires, espaços, afetos e encontros. Nascida em 12 de julho de 1942 em Sergipe, filha da dona de casa Rubina Pereira do Nascimento e do pedreiro Francisco Xavier do Nascimento, viveu, ainda menina, o processo do desterro e do exílio, com sua migração para a cidade do Rio de Janeiro em 1950. Através de profunda sensibilidade canceriana, visionária e a frente de seu tempo, focalizou sobretudo, entre 1968 e 1971, quando cursava História na Universidade Federal do Rio de Janeiro, compreender, resgatar e contar uma nova trajetória e história do povo negro e de suas subjetividades e lugares de fala. Neste mesmo período, fez estágio em Pesquisa no Arquivo Nacional, sob orientação do historiador José Honório Rodrigues e também torna-se professora de História da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. No ano de 1974, Beatriz Nascimento publica "Por uma história do homem negro" (Revista de Cultura Vozes. 68(1), 1974, pp. 41-45), texto que critica veementemente a postura despreocupada e negligente da academia e das pesquisas em trazer um aprofundamento sobre a história do povo negro no Brasil, bem como suas origens, salientando a postura incômoda da manutenção da figura do(a) negro(a) no lugar do escravizado(a) e apenas isso. Ainda neste ano a mesma revista publica outro artigo seu, "Negro e Racismo" (Revista de Cultura Vozes. 68 (7), 1974, p. 65-68) trazendo à luz as mesmas perspectivas de ausência da participação dos(as) negros(as) na sociedade brasileira para além deste lugar de escravizado(a), citando então o contexto do racismo estrutural e institucional. É neste período que Beatriz Nascimento se envolve efetivamente no movimento negro organizado, participando no Rio de Janeiro de um grupo de ativistas e militantes negros(as), formando vários núcleos de estudos, dentre eles o Grupo de Trabalho André Rebouças na Universidade Federal Fluminense, sendo ela orientadora. Este grupo tinha como objetivo central atualizar e incluir, confrontar e inserir novos conteúdos e autores(as) nas universidades, refletindo a importância de organizar outras epistemes de cunho afrocentrado para as pesquisas e o pensar científico. Em 1978, ingressa no curso de especialização (pós graduação latu sensu) em História na Universidade Federal Fluminense, que conclui em 1981, com a pesquisa "Sistemas alternativos organizados pelos negros: dos quilombos às favelas". Recebe financiamento da Fundação Ford e da Casa Leopold Senghor do Senegal, tendo como foco do estudo, bem como projeto de existência e ativismo, provar a tese de que as favelas na verdade são a continuação dos quilombos, com tudo de mais potente, vivo e subjetivo que tal espaço representa. Em 28 de janeiro de 1995, Beatriz é assassinada, vítima de feminicídio, quando defendia uma amiga dos abusos e violências de seu companheiro. Estava cursando mestrado na Escola de Comunicação da UFRJ. Seus projetos, sonhos e buscas foram abruptamente interrompidos, inclusive, pelo o que ela mesma denunciava: a falta de políticas de dignidade e visibilidade para as pessoas negras, especialmente as mulheres negras. Apesar de uma produção e ativismo construído ao longo de 20 anos, entre 1974 e 1994, e ainda que tenha tido uma certa visibilidade de suas ideias, produções e da própria genialidade no pensar, assim também como tantos(as) outros(as) intelectuais negros(as), sua obra continua pouco reconhecida e creditada nos meios acadêmicos, demonstrando, mais uma vez, o racismo institucional, estrutural e simbólico da sociedade brasileira. É no filme "Ôrí" (1989), da cineasta Raquel Gerber, que as pesquisas de Beatriz Nascimento sobre os quilombos tomam corpo e propagação. O quilombo é o espaço da construção identitária, política e da própria resistência negra, em especial de origem bantu, e é levada ao público de maneira profundamente poética, ao mesmo tempo acessível, produzindo no espectador uma catarse expedicionária sobre a narrativa atlântica, terrestre, corpórea do sujeito negro como protagonista de sua história. O documentário, relançado em formato digital em 2009, passeia pela formação dos movimentos negros das décadas de 70 e 80 no Brasil, e apresenta o conceito de quilombo dividido em três grandes eixos: as epistemologias construídas em torno da religiosidade de matriz africana, a escola de samba, e as favelas, sendo estes contextos essenciais no resgate da humanidade usurpada no processo da escravidão, tendo como contraponto a reconstrução e ressignificação dos trânsitos e deslocamentos das identidades negras. A narrativa é argamassada no texto poético e na narração de Beatriz Nascimento, que traz em sua voz e no seu lugar de fala a denúncia do contexto da subalternidade e das exclusões do povo negro nas páginas da História do Brasil. Através da sua declaração "Eu sou Atlântica", viajamos pelos oceanos, rios, marés, mangues, lamaçais da alma mítica e ancestral de Beatriz, Belatrix, em sua transatlanticidade, conceito pensando por ela que relata sobre a transmigração que ocorreu entre África, América e Europa, trazendo a ideia da humanidade como pertencente a esta subjetividade que se faz nos trânsitos e fissuras do tempo e da história. Na vivência do exílio, da perda da imagem, provocada pelo processo colonizatório e escravocrata, tem-se, na visão de nossa pensadora, a perspectiva da fuga como fato histórico, como consequência cultural e ancestral, pois é aí que se dá a formação do quilombo, no resgate de experiências vividas antes. O levante e a fuga são, principalmente, motivados pelo não reconhecimento da condição de propriedade que era forçadamente impingida às pessoas escravizadas, mas não só. Beatriz cita também esse movimento como sendo inerente, ancestral, advindo da própria memória corporal de quilombo. O sujeito fugidio é o "corpo-mapa de um país longínquo" (Beatriz Nascimento, em Ôrí). A categoria corpo como espaço-terra é erigida por Beatriz, entendendo que neste espaço se constroem as narrativas em torno da identidade, sendo o corpo o próprio documento e herança de si. O fundamento do quilombo é a terra, tudo se faz em torno e em prol da terra, é ela que possibilita a vida e a morte, a condição de sujeito, as experiências vivenciadas e trocadas, o acesso à ancestralidade. Nesse sentido, o quilombo que é a própria terra, o corpo também é a terra, deixa de ser localizado apenas no espaço geográfico, mas se presentifica no todo que envolve o tudo. Assim, ela mesma diz: "onde eu estou, eu estou, onde eu estou, eu sou". Essa consciência de pertencimento e de orgulho negro que parte da significação de suas origens torna sua vida-pesquisa um ato de resistência e enfrentamento, trazendo a perspectiva do(a) pesquisador(a), do pensador(a), como o(a) intelectual orgânico(a), com posicionamento, com partido, com envolvimento. Em sendo mulher, negra, pobre, sua práxis e episteme será movida pela atitude de comprometimento com a vida e com os seus, fazendo o movimento do aquilombar a História, com a força da ancestralidade impulsionada pelos caminhos da terra, do Atlântico. Beatriz Nascimento nos convida a ouvi-la, como uma contadora tradicional de histórias, que nos conduz de forma leve e firme a conhecer e reconhecer a força da identidade negra como principal substrato da identidade brasileira, em todas as suas contradições, agruras e potencialidades, num chegar devagar, devagarinho, como quem se doa plena e profundamente para mover os meandros da vida e da História, em poesia e ação. Assim, aceitamos o convite e sentamos para sentir o que ela tem a nos dizer... Fontes: - Documentário "Ôrí" de Raquel Gerber (1989); - "A trajetória intelectual ativista de Beatriz Nascimento", por Alex Ratts, publicado no portal Geledés. Disponível em https://www.geledes.org.br/a-trajetoria-intelectual-ativista beatriznascimento; - "Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento", de Alex Ratts, obra publicada pela Editora Impressa Oficial e Instituto Kwanza, São Paulo, 2006. Autoria do verbete: Cibele Verrangia Correa da Silva é Doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Ewa Wanda Cybulska (1929)Física |
Ewa Wanda Cybulska nasceu na Polônia, Varsóvia em 9 de novembro de 1929, filha de Teodor e Hanna Cybuslka. Saiu da Polônia em meio à segunda guerra mundial e vai para Inglaterra terminar seus estudos. A família vem para o Brasil em 1947 e a jovem audaciosa e determinada entra no curso de física da USP onde forma-se bacharel em Física na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL/USP) em 1954, então situada na Rua Maria Antônia. Estudou com a primeira geração de físicos brasileiros, formada pelos cientistas italianos Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini, e pelos brasileiros Mário Schenberg, Marcello Damy de Souza Santos, César Lattes e Oscar Sala. De 1953 a 1955, atuou como bolsista CAPES no Laboratório do Acelerador Eletrostático Van de Graaff. Em 1956, começa a participar ativamente em conjunto com Marcello Damy, na construção do primeiro reator nuclear no Brasil no atual Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (IPEN-São Paulo) e em conjunto com vários pesquisadores participa dos primeiros testes de funcionamento do reator em 15 de setembro de 1957. Em 1958, muda-se para o Rio de Janeiro para trabalhar no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e em parceria com Luiz Marques publica os primeiros trabalhos de espectroscopia gama. Começa a trabalhar como professora assistente e pesquisadora no Instituto de Física da USP a partir de julho de 1968, e volta a trabalhar no Acelerador Van de Graaff, dirigido por Oscar Sala. Fez mestrado em 1970 desenvolvendo o trabalho de ¿Distribuição de Carga Espacial dentro do Orbitron¿ em conjunto com Ross Allen Douglas, pesquisa necessária para atuar junto ao novo acelerador de partículas ¿Pelletron¿ do Departamento de Física Nuclear do Instituto de Física recém-construído. Em 1979, obtém seu doutoramento com o trabalho de ¿Estudos de Reações produzidas pelos prótons em Lítio¿ também trabalhando em conjunto com o Prof. Ross. Trabalhou ativamente no acelerador Pelletron desenvolvendo trabalhos de física nuclear básica com reações nucleares e espectroscopia gama. Em 1990, retorna a Inglaterra, Liverpool, para realizar o seu pós-doc. De 1968 a 1999, quando oficialmente se aposenta do Departamento de Física Nuclear da USP, dedicou-se a pesquisas na área física nuclear e trabalhou na formação de muitos jovens físicos tanto nos cursos de graduação como de pós-graduação. Orientou vários estudantes onde alguns deles agora também são professores da Universidade de São Paulo. Seus trabalhos foram desafiadores, pois como física experimental participou ativamente nas montagens experimentais de espectroscopia gama existente no Pelletron, descobrindo novas estruturas nucleares de núcleos ímpar-ímpar. Colaborou na divulgação didático-científica sobre a física nuclear no Brasil participando da SBF (Sociedade Brasileira de Física) e ADUSP (Associação de Docentes da USP). Suas publicações descrevem as reações nucleares e o núcleo atômico e suas características. Autoria do verbete: Marcia A. Rizzutto e Wayne A. Seale ambos professores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo.
Leda Bisol (1924)Linguista |
Leda Bisol nasceu em Porto Alegre (RS), em 1º de dezembro de 1924. Graduou-se em Letras Neolatinas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1954, e obteve o título de mestre e de doutor em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, respectivamente, em 1972 e 1981, sob a orientação de Anthony Julius Naro. Durante o doutorado, entre 1978 e 1979, realizou estágio na Universidade de Edinburgh, na Escócia, e, entre 1988 e 1989, estágio pós-doutoral na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Sua formação se alimentou nas classes de grandes mestres, dos quais se destaca Joaquim Mattoso Câmara Jr., reconhecidamente o primeiro representante da Linguística Moderna no Brasil, com quem teve oportunidade de interagir nos cursos que frequentou no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. É, desde 1990, pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na categoria 1A. Atuou em todos os níveis de ensino. Na Educação Básica, por exemplo, foi professora em escolas do interior do RS e em Porto Alegre, incluindo o Instituto de Educação Flores da Cunha. Já mestre, atuou como professora do Curso de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e, em 1974, ingressou na UFRGS, no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Aposentou-se da UFRGS em 1990 e, por um período de 25 anos, de 1991 a 2016, integrou o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS. Em 2017, retorna à UFRGS, como docente aposentada, a convite do Departamento de Linguística, Filologia e Teoria Literária e da Linha de Pesquisa Fonologia & Morfologia do Programa de Pós-Graduação em Letras. Com sólida formação estruturalista, Leda Bisol tornou-se, a rigor, importante representante da linguística gerativa no Brasil. Nesse sentido, transitou pela sintaxe, tratando, em sua dissertação de mestrado, dos predicados complexos do português. Sua decisiva contribuição, contudo, deu-se nos estudos de fonologia. O tema de sua tese de doutorado, o processo de harmonia vocálica em português brasileiro, consagrou-a como referência inconteste no segmento. Daí, seguiram-se estudos referentes ao acento, à nasalidade, ao comportamento dos ditongos, expandindo-se para a interface com a morfologia, no debate sobre o estatuto da palavra em português, e com a sintaxe, em sua minuciosa descrição dos processos de juntura intervocabular, entre inúmeros outros. Apesar da meta formalista de seus trabalhos, em sua investigação sobre os sons da fala reservou sempre lugar de destaque ao uso da linguagem em situação de comunicação, a perspectiva da sociolinguística variacionista ¿ herança em vida de seu orientador e do grupo a que muito cedo se associou no Rio de Janeiro e com o qual manteve constante relação ao longo de sua carreira. Nesse sentido, envolveu-se nos primeiros projetos de abrangência nacional preocupados com a descrição e explicação da língua falada, como o Projeto NURC (Norma Urbana Culta) e o Projeto Gramática do Português Falado. Baseada nessa experiência, propôs, em 1982, a criação do Projeto VARSUL (Variação Linguística na região sul do Brasil), atualmente com sedes na UFRGS, na PUCRS, na UFSC e na UTFPR. Integrou a coordenação deste Projeto e realizou inúmeros estudos utilizando-se de seus dados, isoladamente e em parceria com seus alunos e colegas pesquisadores. Esses estudos repercutiram em publicações de forte impacto nacional e internacional, servindo de referência sobre a descrição do português falado no Brasil, particularmente na Região Sul. Sua produção bibliográfica, que se beneficiou de privilegiar qualidade e sempre esteve associada a pesquisa consolidada, registra, em âmbito nacional e internacional, em torno de 100 trabalhos, entre livros publicados, capítulos de livros e artigos em periódicos, entre outras contribuições em revistas, jornais e anais de congressos. Grande parte dessa produção assumiu significativo impacto na área, constituindo-se como referência obrigatória no Brasil e no exterior quando se coloca em foco a descrição da fonologia do português. Leda Bisol tem importante contribuição no que diz respeito à formação de recursos humanos em ensino e pesquisa: orientou em torno de 80 estudantes em nível de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. A maioria desses orientandos atua hoje em universidades brasileiras, e muitos deles tornaram-se referências em seus segmentos, produto da disciplina e seriedade da formação que receberam. A característica mais proeminente, entretanto, de seu perfil de pesquisadora e formadora exemplar está no fato de que, há mais de 25 anos, reúne-se periódica e sistematicamente com seus ex-orientandos, hoje colegas, e com os orientandos de seus orientandos, em grupos de estudo e investigação, pensando e produzindo coletivamente. Da associação dessas pessoas, sob sua coordenação, resultaram importantes produções, com destaque, entre diversas outras obras, para os livros Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro, com 6 edições, Fonologia e Variação: recortes do português brasileiro e Teoria da Otimidade: fonologia, que estão presentes na formação de estudantes e são referência em pesquisas em todo o país. Também emanou desse grupo a proposição de um evento de forte repercussão, o Seminário Internacional de Fonologia, com 4 edições coordenadas por Leda Bisol, trazendo para a PUCRS, expoentes internacionais no âmbito da Fonologia, como Paul Kiparsky, John McCarthy, George Clements, Joan Mascarò, Leo Wetzels, Ben Hermans, Ricardo Bermúdez-Otero, além da maioria dos fonólogos brasileiros responsáveis pela expansão e qualificação dessa área da Linguística. Dos linguistas que construíram o patrimônio da Linguística em nosso país, do qual temos razões para nos orgulhar, Leda Bisol ocupa seguramente lugar de destaque, com unânime reconhecimento entre seus pares. Autoria do verbete: Prof. Dr. Luiz Carlos Schwindt é membro do Departamento de Linguística, Filologia e Teoria Literária e do PPG Letras / Estudos da Linguagem / Linha Fonologia & Morfologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Linda Viola Ehlin Caldas (1949)Física |
A pesquisadora do IPEN Linda Caldas, pesquisadora produtividade do CNPq, nível 1A, nasceu em 19 de fevereiro de 1949 em Karlstad, capital de uma das províncias da Suécia, filha de Salme Raun Ehlin e Erik Ehlin. Em 1958, mudou-se para o Brasil com toda sua família, já com visto de permanência do país. As inquietações e o gosto pelas ciências e pela matemática desde a adolescência fez Linda preterir a Engenharia e optar pela Física no vestibular. Durante o curso, as Professoras Emico Okuno, Marília Teixeira da Cruz e o Professor Shigueo Watanabe foram responsáveis pelas suas primeiras referências nos temas relacionados à Física das Radiações. Bacharelou-se em Física pelo Instituto de Física da USP - IFUSP em 1971, Instituto em que fez também o mestrado em 1973 e o doutorado em 1980. Desde a Iniciação científica, sob a orientação do Dr. Michael R. Mayhugh, professor visitante americano, estudou Dosimetria das Radiações na radioterapia, radiodiagnóstico e medicina nuclear, precipuamente, tornando-se uma das pioneiras da área de metrologia das radiações no país. Nas demais etapas acadêmicas, mestrado e doutorado, orientadas pelo Professor Shigueo Watanabe, professor titular da USP, que desde 1958 se dedica à temática, continuou suas investigações em Física das radiações e realizou a parte experimental de seu doutorado inicialmente no laboratório padrão primário da Alemanha, Physikalisch-Technische Bundesanstalt, Braunschweig, e em seguida no laboratório padrão secundário do Institut für Strahlenschutz, Neuherberg, durante dois anos, com bolsa da CNEN. Segundo afirmou a pesquisadora, em seu depoimento ao CNPq, "este primeiro estágio duplo na Alemanha marcou profundamente a sua vida, tendo aprendido muito em termos de pesquisa". Ao retornar ao Brasil obtém o doutorado com a tese intitulada Alguns Métodos de Calibração e de Dosimetria da Radiação Beta. Outros estágios e visitas técnicas foram realizados pela pesquisadora nos laboratórios padrões primários nos EUA, Alemanha, Inglaterra e França e em laboratórios padrões secundários do Brasil (Laboratório Nacional de Metrologia das Radiações Ionizantes, Instituto de Radioproteção e Dosimetria, CNEN, Rio de Janeiro), Finlândia, Suécia, Alemanha, Espanha etc. Ainda enquanto aluna da graduação ingressou no grupo de Dosimetria do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares ¿ IPEN, e, desde 1975, como contratada, vem atuando como sua pesquisadora. Em 1986, tornou-se parte de seu quadro de orientadores e em 1994 do de docente do programa de Pós-Graduação; além de membro da Comissão de Pós-Graduação em Tecnologia Nuclear desde 2000, da qual foi presidente por oito anos. Ao longo dos 43 anos no Instituto orientou e supervisionou várias gerações de profissionais e pesquisadores que atuam no Brasil. Ao todo foram 60 trabalhos de Pós-Graduação orientados: 27 de mestrado e 33 de doutorado, além de 15 projetos de Pós-Doutorado. Aproximadamente 73% de seus orientados e 60% de seus supervisionados são do sexo feminino, corroborando com a tese de que a alta participação das mulheres na Física é um fenômeno brasileiro. Sua rotina científica resultou ainda em 254 artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais, e 330 trabalhos completos nos anais dos congressos nacionais e internacionais. O aparelhamento e o aperfeiçoamento de vários laboratórios do Centro de Metrologia das Radiações do IPEN, que transformou o Centro em referência nacional e vanguarda em inovação em Física Médica, é resultado também de sua liderança e coordenação em vários projetos de pesquisa financiados pelo CNPq, FAPESP, CAPES e Agência Internacional de Energia Atômica, além do IPEN e CNEN, bem como da participação dos colegas e alunos que colaboraram ativamente para o processo. De 2009 a 2017, coordenou o INCT/CNPq/FAPESP "Metrologia das Radiações na Medicina", com a participação de 8 instituições, 4 do estado de São Paulo e 4 de outros estados: Rio de Janeiro, Minas Gerais, Sergipe e Pernambuco, com pesquisadores da área de Física Médica. A atuação em rede, uma das características principais do Programa INCT, permitiu a integração dos diversos grupos de pesquisa e apoiou a formação de muitos jovens pesquisadores nos programas de Pós-Graduação das 8 instituições. Segundo relato da própria pesquisadora, "nos 8,5 anos de atuação INCT de Metrologia foram formados 69 doutores (8/ano), 145 mestres (17/ano) e nos 3 últimos anos 31 pós-doutores (10/ano). No mesmo período de 8,5 anos, foram publicados pelos participantes do projeto INCT 368 artigos em periódicos internacionais e 88 em periódicos nacionais, numa média de 53/ano. Foram publicados 475 trabalhos nos anais de congressos internacionais e 268 trabalhos nos anais de congressos nacionais, numa média de 87/ano". Em 2012, tornou-se membro da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e em 2017 é homenageada no Congresso Brasileiro de Metrologia das Radiações Ionizantes pelo seu trabalho, pioneirismo e inovação na área. Autoria do verbete: Rosana Maria Figueiredo é Analista em Ciência e Tecnologia do CNPq desde 2011. Possui graduação em Filosofia pela UNESP-Marília e mestrado em Letras Lingüística e Língua Portuguesa pela UNESP-Araraquara.
Maria Adélia Aparecida de Souza (1940)Geógrafa |
Nasceu em Espírito Santo do Pinhal (SP) em 29 de outubro de 1940. Em 1959, ingressou no curso de graduação em Geografia da Universidade de São Paulo, formando-se em 1962. No ano seguinte, obteve bolsa do Comitê Catholique contre la Faim et pour le Développement para cursar Especialização em Planejamento Territorial no Institut de Formation en vue du Developpement Harmonisé - IRFED (1963 - 1964). Os laços intelectuais com a França permanecem em toda a trajetória acadêmica da geógrafa, de modo que obterá como bolsista do governo francês o Diploma de Estudos Superiores (DES) em Ciências Econômicas, Políticas e Sociais pela Universidade de Paris (1966), com dissertação orientada por Celso Furtado e o doutorado em Geografia pela Universidade de Paris I (1975), com tese orientada por Michel Rochefort e realizará três pós-doutorados, em meados dos anos 1990, na Universidade de Paris, campus I, VII e XII. Em 1971, Maria Adélia é convidada a trabalhar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP como professora associada, efetivando-se por concurso público nessa Faculdade em 1983, transferindo-se, posteriormente, para o Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas em 1985, após submeter-se a um processo de seleção interna de professores. Nessa época, incentiva o professor Milton Santos a prestar um concurso para Professor Titular naquela Faculdade, selando uma amizade iniciada em Paris em 1966 e que perdurou até o falecimento do professor em São Paulo, em 2001. Maria Adélia e Milton Santos trabalharam juntos na Geografia da USP construindo e divulgando a Geografia Nova, proposta por esse grande intelectual brasileiro. Em 1989, a professora obteve o título de livre-docente com o trabalho A identidade da metrópole: a verticalização em São Paulo. Prestou concurso para professora titular de Geografia Humana em 1996. Obteve títulos de Doutor Honoris Causa na Universidade Estadual Vale do Acaraú de Sobral (UVA - Ceará) e Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL - Arapiraca). A pesquisadora é Catedrática de Direitos Humanos da Universidade Católica de Lyon (França) e recebeu da Academia de Paris o I Prêmio Internacional da Francofonia, em Urbanismo por seus livros publicados na França. Atuando, teórica e praticamente, com Planejamento Urbano e Regional, Maria Adélia elaborou as primeiras políticas urbanas do Brasil, da Região Sul e do Estado de São Paulo e tem elaborado propostas de Planos de Governo a candidatos a Prefeito da Cidade de São Paulo e a Governadores daquele Estado. Atuante em várias frentes acadêmicas e científicas, foi Pró-Reitora de Graduação da Universidade da Integração Latino-americana (UNILA) e sua pesquisadora visitante. Foi membro de comitês assessores do CNPq, tendo sido presidenta de seu CCCA e assessora da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP ), da FINEP e várias fundações de amparo a pesquisa de vários estados brasileiros. A pesquisadora foi presidente do Instituto de Pesquisa, Informação e Planejamento Territorial, com sede em Campinas, e do Centro de Documentação e Estudos da Cidade de São Paulo ¿ CEDESP, criado pela prefeita Luiza Erundina. Recentemente, a geógrafa dedica-se aos temas de pesquisa: Lugar, Território Usado e Cidadania, Desigualdades Socioespaciais, Dinâmicas dos Lugares e Geopolítica e Geopoética. Autoria do verbete: Sandra Rodrigues Braga é doutora em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e analista em Ciência e Tecnologia do CNPq.
Paula Beiguelman (1926 - 2009)Cientista Política e Escritora |
Paula Beiguelman nasceu em Santos em 1926. Filha de judeus emigrados da Polônia, cuja chegada mais provável ao Brasil tenha sido imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial, viveu num bairro operário com inclinações para uma vida do comércio. Apesar de não ter dito uma situação material confortável, cresceu num ambiente com boa formação intectual e musical proporcionada pelos seus pais. No início dos anos 1940, em sua adolescência, a futura cientista política planejava continuar os estudos na cidade de São Paulo e fica sabendo da possibilidade de ingressar no curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP). Na faculdade, enfrentou dificuldades financeiras, sendo a oferta de bolsas de estudos por professores da FFCL para preencher as vagas dos cursos crucial para seus primeiros anos, e com a qual pôde contar até o final do curso. Paula viveu num meio adverso e teve que lidar com obstáculos que variavam no espectro de "desvantagens" que ela e outros com origem social próxima enfrentavam no ambiente elitista da FFCL, por exemplo acompanhar as aulas que eram ministradas em francês. Diferente do destino profissional de boa parte dos alunos habilitados pela seção de ciências sociais e políticas, que seriam professores do ensino secundário ou seguiriam a carreira acadêmica, Paula conquistou seu primeiro cargo público assumindo no Departamento de Serviço Público - posteriormente Secretaria de Governo do Estado de São Paulo. Em 1949, surge uma oportunidade para o retorno de Paula Beiguelman à FFCL para integrar a Cadeira de Política. Tal oportunidade foi concretizada pelo fato dela ainda frequentar os espaços daquela faculdade "fazendo uma visita", como se referiu à ocasião em que o Professor Lourival Gomes Machado (então chefe provisório da Cadeira de Política da FFCL) a convidou para trabalhar comissionada para a Faculdade, intervindo diante da direção da faculdade e do governo estadual, regularizando sua situação como assistente da cadeira de Política. A carreira acadêmica de Paula Beiguelman junto à FFCL tem início em 1949, na rua Maria Antônia. Tal empreitada seria levada a cabo pela cientista cuja trajetória acadêmica estaria muito associada a trajetória da própria Cadeira de Política da USP, bem como da estruturação desta disciplina como ciência que até então pertencia à Cadeira de Sociologia. Em 1952, Paula Beiguelman assume a função de primeira assistente da cadeira com a partida de Charles Morazé (então chefe da Cadeira) para a França e a posse oficial de Lourival para a chefia da Cadeira. Naquele ano, atendendo ao que foi idealizado como o "grande projeto da Cadeira" por Lourival e Morazé, a cientista política já estava trabalhando em sua pesquisa de doutorado sobre o Desenvolvimento das ideias abolicionistas no Brasil. Ao mesmo tempo realizava uma pesquisa em colaboração com o professor Azis Simão sobre a formação do operariado paulista. A esta altura dedicava-se ao estudo do século XIX, principalmente a temas relacionados à organização política imperial; o problema econômico e político da escravidão e suas configurações ideológicas. A orientação da autora para a reflexão política sobre a realidade fundamental brasileira destaca um projeto de longo prazo que sai das bases dos estudos da autora sobre o Império brasileiro e se estende por um longo percurso da história deste país, até orientar os estudos futuros, de seus orientandos, a respeito da República. É possível sustentar que Beiguelman faria parte de uma geração dedicada ao tema da formação do Brasil, uma transição entre o ensaísmo brasileiro e a produção científica propriamente dita. Fato que corrobora com esta inclinação, é que a autora também se dedicou ao gênero literário (característica dos ensaístas), publicando alguns artigos periodicamente no ¿Suplemento Literário¿ do jornal O Estado de São Paulo. Foi uma das primeiras escritoras e pesquisadoras a exaltar o valor histórico e literário de Lima Barreto. Participou inclusive da fundação do Sindicato dos Escritores de São Paulo, do qual chegou a ser vice-presidente. É ainda no estudo sobre a formação política brasileira que se encontram as linhas mestras da formação da sociedade brasileira para a autora, tendo no século XIX sua referência fundamental. Em seu livro Formação Política do Brasil (1967) cruzam-se a organização política do Império e a transição republicana com a organização social baseada no trabalho escravo e a transição para o trabalho livre. É nesse complexo de problemas que se concentra a atenção da autora, atenta para o problema que marcou a sua geração. A autora se insere no clássico debate sobre o modo de produção no Brasil (escravismo - capitalismo), adiantando também pesquisas sobre a historiografia econômica e o debate sobre escravidão que despontariam naquela faculdade na virada da década de 1970, elencando um forte arsenal de pesquisa documental, historiográfica e de teoria marxista. Nesta época, travava-se o debate da formação econômica do Brasil, desdobramentos do Formação do Brasil Contemporâneo (1942) de Caio Prado Junior, ao mesmo tempo que se desenvolviam as teses circundantes à teoria da dependência. Portanto, nas várias interpretações da sociedade brasileira daquele momento, buscava- se a compreensão do que era o Brasil diante do desenvolvimento capitalista e seu passado escravista. Apesar da sua enorme contribuição para o campo, certamente de igual valor das contribuições de Caio Prado Jr., Celso Furtado (que fez parte de sua banca de doutorado), dentre outros, a autora é poucas vezes conhecida e citada. O machismo institucionalizado hoje e naquela época sustentaram os condicionantes para o seu ofuscamento. Cabe salientar que o sistema de cátedras da Universidade de São Paulo era rígido, assumido, garantido pelas prerrogativas da vitaliciedade e inamovibilidade após dez anos de exercício por parte do catedrático. Além disso, obviamente reinava o caráter patriarcal dessa estrutura, sendo a maioria de seus ocupantes homens, principalmente as chefias. O caso de Paula Beiguelman é um quase caso de superar essa "regra". Foi a primeira mulher a se candidatar a chefia da Cadeira (em 1968) e, sendo candidata "natural" pelo fato de estar a frente dessa Cadeira por vários anos, e ser indicada por Lourival Gomes Machado, confirmou a regra ao perder a chefia para outro colega, destacado entre os pesquisadores de São Paulo da época e pertencente ao grupo de Florestan Fernandes, então catedrático da Cadeira de Sociologia I, hegemônica naquele contexto. Na época, a autora se afastou da Cadeira, demonstrando sua frustração pelos anos de dedicação e expectativas. Recuperar sua contribuição teórica, portanto, se faz ainda mais importante, pois seus estudos são também sua resistência. Em tempos atuais, numa conjuntura tão rica para se compreender e agir tem se tornado crucial avançar nos estudos nos campos da sociologia política brasileira, voltar às raízes, compreender o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, suas análises, valorizar e desenvolver o seu pensamento, Paula Beiguelman certamente é um desses nomes que funcionam como guias fundamentais do nosso entendimento. Falar sobre a cientista política é, portanto, redimensionar a sua importância. Para reforçar este argumento, sua tese de livre docência, Formação do Povo no Complexo Cafeeiro (1968), foi citada textualmente por outros professores como a maior obra da Historiografia Econômica Brasileira (carta de Alice Canabrava para Francisco Iglesias em 1982). Esta obra reúne com maestria as principais elaborações de Paula Beiguelman ao longo de sua vida acadêmica, já com o desenlace para a formação do operariado paulista, evidenciando seu percurso de pesquisa. Posteriormente, Paula teria sido afastada da vida acadêmica devido ao regime de exceção e teria se dedicado à militância. Paula Beiguelman foi conhecida por sua luta incondicional pela soberania nacional, expressa em algumas de suas obras e também por meio de pareceres de amigos e colegas. Na ocasião do discurso na cerimônia de entrega do título de Professora Emérita à Paula Beiguelman, em 2003, a autora se posicionou arduamente contra os ataques neoliberais aos direitos conquistados, bem como à soberania nacional através de acordos internacionais baseados na "política liberal-monetarista" ditada por órgãos como o Fundo Monetário Internacional. Fontes: PINHEIRO, D. Da política à ciência política, da ciência política à política: Da política à ciência política, da ciência política à política: a trajetória acadêmica de Paula Beiguelman ( 1949-1969 ). 2008. 122 f. Dissertação (mestrado em sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. BARBOSA, Carla Cristina F. Azis Simão e Paula Beiguelman: uma contribuição à sociologia política brasileira. 2016. 179 f. Dissertação (mestrado em sociologia) - Universidade Federal Fluminense. Autoria do verbete: Carla Cristina Fernandes Barbosa é educadora, mestre em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense e graduada em Ciências Sociais pela UNICAMP. Dentre as áreas de interesse estão: Teoria Social, marxismo, Sociologia Política, Pensamento Político Brasileiro.
Ruth de Souza Schneider (1942-2008)Física |
A imagem da Professora Ruth em sua mesa de trabalho ao fundo de sua sala no Instituto de Física da UFRGS fazendo contas e com a porta da sala sempre aberta para atender quem quisesse seu auxílio é talvez a primeira lembrança que vem à cabeça de quem a conheceu. Ruth nasceu em 1942 em Garibaldi, um município que fica a uns 110km da capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Como muitas pessoas da sua idade e que moravam no interior, Ruth começou sua alfabetização em casa, ingressando no terceiro ano do ensino fundamental quando foi para a capital. Cursou o que hoje é o ensino médio no Colégio de Aplicação, onde teve professores que inspiraram sua escolha pelo curso de Física. Concluiu o Bacharelado em Física na Faculdade de Filosofia da então chamada URGS, em 1964, e um ano depois começou a lecionar nesta Universidade, dando início a uma longa trajetória como educadora e pesquisadora. Na UFRGS, ao mesmo tempo em que desempenhava suas funções como professora, Ruth concluiu o Mestrado em Física, em 1974, com uma dissertação na área de Física Nuclear, enquanto no Doutorado migrou para a área de Física de Plasmas, campo de pesquisa que desenvolveu ao longo de sua carreira. Ruth se distinguiu sempre como aluna, tanto na graduação como na pós, por sua capacidade e ética, qualidades que a caracterizaram também como colega e professora. Como pesquisadora, a Dra. Ruth orientou e formou mais de 15 mestres e doutores, vários dos quais são hoje professores e pesquisadores em diferentes instituições do Brasil. Seu rigor matemático e objetividade são apontados pelos colaboradores como características marcantes da sua personalidade e fundamentais na produção de seus artigos. Como educadora, a Profa. Ruth marcou algumas gerações de alunos da UFRGS. É muito comum ser apontada como a melhor professora que já passou por eles! Suas aulas eram detalhadamente preparadas, seu quadro era impecável e ela sempre teve disposição incansável para ajudar os alunos fora do horário de aula. Ruth tinha uma maneira única de manter o rigor matemático e interpretar fisicamente os inúmeros termos das equações que expandia no quadro. Esta união entre habilidades de professora e ser humano fizeram com que fosse paraninfa ou professora homenageada na maioria das formaturas da Física que ocorriam na UFRGS no período em que foi professora. Sua excelência em educação foi também reconhecida por ocasião do cinquentenário do IFUFRGS, ocorrido em 2009, quando a biblioteca foi batizada com o nome de "Biblioteca Professora Ruth de Souza Schneider". A Profa. Ruth faleceu em 2008 e é hoje lembrada pelos colegas, exalunos e funcionários, como alguém extremamente ético e competente. Foi casada com um físico, Prof. Cláudio Schneider, também seu colega no IFUFRGS e com ele teve três filhos. Para mais detalhes sobre a Profa. Ruth Schneider: http://www.if.ufrgs.br/plasma/ruth_schneider_080617.html http://www.if.ufrgs.br/historia/if50anos/homenagem_ruth.htm Autoria do verbete: Este texto foi produzido por Carolina Brito em homenagem às pioneiras da física brasileira no Dia Internacional da Mulher (08/03/2016) e publicado pelo GT sobre questões de Gênero da Sociedade Brasileira de Física (SBF) na página http://www1.fisica.org.br/gt-genero/index.php/mulheres-pioneiras
Yocie Yoneshigue Valentin (1935)Bióloga |
A pesquisadora Yocie Yoneshigue Valentin, pesquisadora sênior do CNPq - desde 2015, uma das pioneiras do estudo de microalgas no Brasil, nasceu no Rio de Janeiro, em 08 de novembro de 1935, filha de kaoru Yoneshigue e Haruko Yoneshigue. Desde a infância gostou das plantas e animais pequenos, sobretudo passarinhos. Entretanto, no Ensino Médio, denominado de Científico à época, inspirada nas aulas do professor Oswaldo Frota Pessoa de Biologia, decidiu pela graduação em História Natural, curso que concluiu na Universidade do Brasil, em 1964. Sob a orientação do professor Henrique Rodrigues da Costa, na Iniciação Científica, com Bolsa do CNPq, iniciou seus estudos em algas marinhas, temática que vai percorrer toda sua trajetória em pesquisa. Depois, em 1977, na Universidade São Paulo, com bolsa de Aperfeiçoamento da CAPES, foi orientanda do Professor Aylthon Brandão Joly na mesma temática. Além disso, foi fortemente influenciada na sua formação e atuação em Botânica pelos Professores Karl Arens e Roger Lavallard e pela Professora Gerusa Fontenelle. Orientada por Charles François Boudouresque concluiu o doutorado em Sciences na Université de la Mediterranée ¿ Aix ¿ Marselle II, na Faculté des Sciences de Luminy, com a tese Taxonomie et Ecologie des Algues Marines dans la Region de Cabo Frio (Rio de Janeiro-Brésil), em 1985. Foi pesquisadora do Instituto de Pesquisa da Marinha, IPQM, de 1966 a 1989, e pesquisadora associada do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira, IEAPM, de 1989 a 1992. Em 1992, torna-se professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, até 2006, onde atualmente é professora colaboradora. É coordenadora do comitê temático do Programa Arquipélago e Ilhas Oceânicas, desde 2005, e da Rede Sul-americana para Biodiversidade Marinha Antártica (BioMAntar), desde 2008. Coordenou o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártico de Pequisas Ambientais, INCT-APA, de 2009 a 2017. A rede INCT-APA se distribuiu por cinco instituições brasileiras e agregou mais 50 pesquisadores durante sua vigência. Entre os achados científicos do INCT estão: a identificação de 76 espécies de Bryopsida (musgos), 125 espécies de líquenes e Plantas vasculares: (Deschampsia antarctica e Colobanthus quitensis) e o Átlas de macroalgas marinhas da Antártica, construído em conjunto com projeto do professor Pio Colepicolo da Universidade de São Paulo. É consultora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro-FAPERJ entre outras. É membro do Comitê Nacional para Pesquisas Antárticas (CONAPA) e membro pleno do grupo científico de Ciências da Vida no Scientific Commitee on Antarctic Research - biênio 2012-2014. Foi presidente da Rede Algas no período de 2005-2009. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Ficologia de 1985 a 1989. Publicou 136 artigos em periódicos especializados e 172 trabalhos em anais de eventos. Possui ainda 31 capítulos de livros publicados. Orientou 23 dissertações de mestrado e 10 teses de doutorado e atualmente supervisiona um pós-doutorado na UFRJ. Recebeu vários prêmios durante sua carreira, entre eles o recebido em 2015, Prêmio para os melhores trabalhos em algas marinhas, V REDEALGAS. Em depoimento ao CNPq, a pesquisadora Yocie Valentin aponta que seu maior legado foi o de "ter contribuído ativamente na Taxonomia, Ecofisiologia das Algas Marinhas e despertado o interesse nos jovens alunos e também nos jovens pesquisadores sobre esses organismos fotossintetizantes." Autoria do verbete: Rosana Maria Figueiredo é Analista em Ciência e Tecnologia do CNPq desde 2011. Possui graduação em Filosofia pela UNESP-Marília e mestrado em Letras Lingüística e Língua Portuguesa pela UNESP-Araraquara.