Dulce Consuelo Andreatta Whitaker nasceu em Curitiba (PR) em 21/12/1934. Morou por um breve período no Rio de Janeiro, mas depois a família mudou-se para Pirapozinho (SP). Desse período, quando ainda era muito criança, recorda-se da alegria de poder brincar na mata que rodeava a casa de chão batido na qual a família se instalou, bem como do choro da mãe que não se adaptava àquela vida nova sem os confortos da cidade. Seu pai Honório Andreatta era alfaiate e foi quem abriu os olhos da filha para o mundo do pensamento científico. Da mãe, Helena Marques Porto Andreatta, herdou o gosto pela arte, em especial pelo piano. Em seu livro Mulher x Homem: o mito da desigualdade faz um agradecimento especial à mãe que nunca lhe ensinou os trabalhos domésticos. Tal agradecimento dá a dimensão da mentalidade avançada que a mãe tinha para a época e de como isso foi importante para a carreira da filha posteriormente. Graduou-se em ciências sociais pela Universidade Estadual Paulista ¿ campus de Presidente Prudente, em 1967, na qual ingressou aos 30 anos de idade, com as filhas já adolescentes. Sua dissertação de mestrado O vestibulando e a cultura legítima: análise do estudante brasileiro dentro do processo de urbanização, concluída em 1979 e publicada pela Editora Semente sob o título A Seleção dos Privilegiados é um marco na compreensão das teorias do sociólogo francês Pierre Bourdieu no Brasil. Cursou o doutorado também na Universidade de São Paulo e teve como orientadora Aparecida Joly Gouveia, grande nome da sociologia da educação no Brasil, que já havia sido sua orientadora no mestrado. A tese Ideologia e práticas culturais: o controle ideológico do trabalhador da cana, defendida em 1984, parte de uma fundamentação teórica densa e inova metodologicamente, uma vez que utiliza redações infantis, colhidas junto aos filhos dos trabalhadores rurais, para compreender os processos de controle ideológico aos quais os mesmos estavam submetidos pela usina de cana de açúcar. Trabalhou, muitos anos, como professora de piano, e também ministrou aulas de história na rede pública em Presidente Prudente. Ingressou como professora na Unesp nos anos 1970, ainda em Presidente Prudente, e quando da unificação que criou efetivamente a Universidade Estadual Paulista, transferiu-se para o campus de Araraquara. Realizou estudos de pós-doutorado na Universidade de Oxford no ano de 1986 com o sociólogo Hermínio Martins. Aposentou-se no final dos anos 1980, mas continuou ativa na pesquisa e na pós-graduação. Faz parte do Núcleo de Pesquisa e Documentação Rural (NUPEDOR) e, juntamente com as professoras Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante e Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco, realizou estudo pioneiro sobre os assentamentos de reforma agrária no Estado de São Paulo. Desde então orientou inúmeros pesquisadores que estão atuando em diferentes universidades brasileiras. Seus estudos sobre cultura e ideologia ajudam a compreender os processos educacionais. Suas pesquisas sobre o rural apontam importantes reflexões para a sociologia rural, em especial sua preocupação com alternativas metodológicas para a melhor compreensão dos diferentes contextos rurais que compõem o Brasil. Suas publicações refletem a paixão pela ciência, bem como seu interesse pelos diferentes problemas sociais. Além disso, é importante ressaltar seu compromisso com os oprimidos do sistema e sua aversão ao poder, o que permite que continue sendo uma crítica radical de todas as formas de opressão. Orienta, atualmente, mestrandos e doutorandos nos programas de pós-graduação em Educação Escolar da FCL/AR/UNESP e de Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente da UNIARA. Realiza pesquisas sobre memória e meio ambiente, e estudos sobre a complexidade dos exames vestibulares. Continua fazendo palestras pelo Brasil, divulgando suas pesquisas e contribuindo com sua experiência para a formação de centenas de jovens universitários. Autoria do verbete: Elis Cristina Fiamengue é professora adjunta no Departamento de Ciências da Educação da Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus/BA, e socióloga. Foi orientanda da professora Dulce Whitaker da iniciação científica ao doutorado.
Maria Auxiliadora Coelho Kaplan nasceu em 23 de maio de 1931 em Matipó, Minas Gerais, no seio de uma família portuguesa, numa fazenda de café, onde viveu toda sua infância com mais quatro irmãos. Realizou seu curso primário no Grupo Escolar local, instituição pública do Governo do Estado de Minas, tendo como professora sua própria mãe. Seu curso secundário, ginasial e científico, também realizados em instituições públicas, foi concluído no Liceu de Humanidades de Campos, Campos, RJ. Ingressou na Faculdade Nacional de Filosofia, Universidade do Brasil, tendo concluído os cursos bacharel em química com atribuições tecnológicas, e licenciatura em química, em 1956. Por ocasião da sua formatura, em 1956, recebeu do reitor Pedro Calmon uma bolsa para participar de um curso de verão no Chile, ministrado a estudantes da América Latina. Escolheu o Curso de Poesias Chilenas, quando teve a grata oportunidade de ser aluna do poeta Pablo Neruda, Prêmio Nobel de Literatura em 1971. Ainda quando estudante de graduação e mesmo alguns anos após a formatura, ministrou aulas para estudantes da rede secundária, lecionando física e química para alunos de curso científico e história natural para alunos de curso Normal. Depois de formada, ingressou no curso de astronomia da Faculdade Nacional de Filosofia, tendo cursado apenas 02 anos, porém chegou a usufruir de ensinamentos dos professores Leite Lopes, Jayme Tiomno, Elisa Frota Pessoa, entre outros. Sua carreira de pesquisa começou ainda durante a graduação na FNFi em 1955, como bolsista de Iniciação Científica do Núcleo de Estudos e Pesquisas Cientificas do Rio de Janeiro (NEPEC). Foi aí que fez sua incursão no campo de separações químicas, travando os primeiros conhecimentos com cromatografia e com eletroforese, trabalhando com bioquímica de proteínas sob a orientação do professor dr. João Consani Perrone. Depois de graduada em química, continuou sua pesquisa em bioquímica de proteínas sob a mesma orientação e do dr. Abrahan Yachan no Instituto Nacional de Tecnologia, Rio de Janeiro, agora, porém, como bolsista do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). Foi um período de estreito contato com novas metodologias de separação e de estudo sobre conceitos básicos de separações cromatográficas; acoplamento de cromatografia e eletroforese; eletroforese em papel usando baixa e alta voltagens. Nesse tópico, trabalhou na elaboração de tanques de solventes para favorecer a dissipação de calor, na construção de coletores de frações e de cubas artesanais para eletroforese. Foi nessa ocasião que teve a grande oportunidade, considerada hoje histórica, de trabalhar com o aparelho de Eletroforese Livre de Tiselius no INT-RJ. A paixão pela análise instrumental começa a tomar lugar na vida da iniciante em pesquisa e, ao longo do tempo, ocupa toda sua dedicação. No final dos anos 50 e início de 60, ainda sob a mesma orientação do prof. Perrone, volta à Faculdade Nacional de Filosofia em um projeto em colaboração com o professor dr. João Christóvam Cardoso e com a dra. Chana Mologolowski, do Dept. de Genética, para trabalhar com o fenômeno sex ratio de Drosophila spp. A pesquisa segue uma direção físico-química com avaliações sobre viscosidade dos meios reacionais, atuando sempre como bolsista do CNPq, porém agora na categoria de desenvolvimento científico. Em maio de 1958, contraiu núpcias com Isaac Max Kaplan, para um casamento que perdura em harmonia até os dias de hoje. No início da década dos anos 60, provocada pelo interesse ao instrumental analítico e para complementar sua pesquisa em proteína, passa a trabalhar em seu tempo livre na área médica, desenvolvendo técnicas de análise de material biológico, instalando em diferentes locais (hospitais) e pondo a funcionar a maquinaria recebida da Alemanha Oriental que em muitas instituições estava ainda sem uso. Assim continuou bolsista do CNPq em projetos no Instituto de Tecnologia/Faculdade Nacional de Filosofia e trabalhando aos sábados no Hospital Pedro Ernesto e no Hospital Moncorvo Filho para viabilizar técnicas de dosagem de produtos do sangue e outros materiais biológicos. Chama atenção aqui o fato que Maria Auxiliadora Coelho Kaplan, naquela época, introduziu em hospitais com todo sucesso, o uso de buretas para medir, vezes sem conta, os mesmos volumes de soluções de reagentes para as análises de fluidos biológicos, dos trabalhos rotineiros nos laboratórios de bioquímica médica. Em 1963, ingressou no recém-criado curso de doutorado em Bioquímica, na Universidade do Brasil, sob a coordenação do professor dr. Paulo da Silva Lacaz e orientação do professor dr. João C. Perrone, continuando como bolsista do CNPq aguardando a oficialização do curso de Doutorado. Nessa ocasião, passou a trabalhar com química de Protrombina e Fator 8: isolamento e caracterização por técnicas cromatográficas e eletroforéticas, como tema selecionado para a tese de doutorado. Entrementes, o curso de doutorado em bioquímica foi descontinuado e, como já havia decidido fazer pós-graduação, foi para Brasília em final de 1964 para dar prosseguimento ao projeto iniciado, isto é, levar a termo o seu doutorado em bioquímica. Entretanto, o professor de bioquímica na UnB que seria o seu novo orientador estava nos Estados Unidos e, devido ao golpe militar, não pôde, por questões políticas, regressar ao Brasil. Já radicada em Brasília e enfrentando o impasse da ausência do professor/orientador, mas com todo ânimo de fazer a pós-graduação, foi convidada pelo professor dr. Otto Richard Gottlieb a ingressar no Curso de Mestrado em Química de Produtos Naturais, recém criado na UnB, do qual ele era o coordenador. O convite foi aceito passando assim a bolsista do CNPq, agora de mestrado, exercendo também o cargo de instrutora no Instituto de Química daquela Universidade, ministrando aulas práticas de Química Orgânica como parte do curso de mestrado. Com a demissão coletiva dos professores da UnB em final de 1965, todo o corpo docente da Universidade, incluindo os professores e os mestrandos em Química de Produtos Naturais, tiveram que voltar aos lugares de origem e o grupo coordenado pelo professor Gottlieb dividiu-se em dois, indo parte para Belo Horizonte e parte para o Rio de Janeiro, embora todos continuassem sob a sua supervisão. No Rio de Janeiro, os mestrandos sob orientação do professor Gottlieb foram gentilmente acomodados, em caráter de emergência, no Centro de Pesquisas de Produtos Naturais (CPPN), Universidade do Brasil, localizado na Praia Vermelha e dirigido pelo professor dr. Walter B. Mors que os acolheu com muita simpatia. Em 1966, o grupo egresso de Brasília foi definitivamente radicado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro no Instituto de Ciências Exatas, quando então foi criado o Curso de Pós-Graduação em Química Orgânica, dirigido pelo prof. Otto R. Gottlieb. Desde o final de 1965 até o final de 1966, como bolsista de mestrado do CNPq, Maria Auxiliadora Coelho Kaplan desenvolveu sua pesquisa para a dissertação de mestrado no laboratório do CPPN, na Praia Vermelha sob a orientação do professor Otto Gottlieb e do professor Benjamin Gilbert. O trabalho de dissertação do mestrado Estudos Fitoquímicos: Baru, Janaguba e Tabernaemontana que lhe valeu o título Magister Scientiae em Química Orgânica, foi defendido em 17/02/1967. Nesse mesmo mês de fevereiro, seguiu para a França com bolsa do CNPq (¿Treinamento no Exterior¿) para realizar treinamento em Ressonância Magnética Nuclear (o primeiro equipamento dessa natureza acabara de chegar ao Instituto de Química na Univ. do Brasil) e Espectrometria de Massas, no Institut de Produits Naturelles, CNRS, em Gif-sur-Ivette, sob a supervisão do professor Edgar Lederer. Voltando ao Brasil foi admitida, em 1968, como professora de Química Orgânica na UFRRJ, lecionando para estudantes de graduação no Departamento de Química Orgânica, ICEx, em regime de 20 horas, bem como, lecionando técnicas de cromatografia para o Curso de Pós-Graduação (Mestrado em Química de Produtos Naturais/UFRRJ) e desenvolvendo pesquisa em Química de Produtos Naturais. Nessa época, usufruiu bolsa do CNPq na categoria Pesquisador com Mestrado sem Doutorado. Em 1971, ingressou como professor auxiliar de ensino na Universidade Federal Fluminense, lecionando Análise Instrumental no Instituto de Química. Continuava realizando pesquisa em Química de Produtos Naturais, nos laboratórios do CPPN/Univ. Brasil, ainda com uma bolsa de Pesquisador com Mestrado do CNPq. No final de 1972, foi agraciada com bolsa de Doutorado no Exterior pelo CNPq, indo para University of Sussex, em Brighton na Inglaterra. Aí desenvolveu seu trabalho de tese sob as orientações do professores Drs. Alan W. Johnson e James R. Hanson, de 1973 até 1977. Muitos foram os proveitos auferidos com a possibilidade desse estágio fora do País. Nessa ocasião, teve a oportunidade de dividir a bancada no Lab 6 com o professor John W. Cornforth, Prêmio Nobel de Química em 1975. Acompanhou passo a passo a concessão do merecido Prêmio, compartilhando da alegria e da glória desse companheiro de laboratório. No dia 19 de outubro de 1977, defendeu sua tese de doutorado sobre Properties and Synthesis of Compounds Related to Insect Hormones, obtendo o grau de Doctor of Philosophy na School of Molecular Sciences, University of Sussex. Nesse estágio de doutorado, teve a oportunidade impar de desenvolver trabalho com fotoquímica e de utilizar diferentes técnicas cromatográficas para entender as implicações da radiação eletromagnética sobre os hormônios de insetos cuja síntese realizara, além de buscar conhecimentos relativos à estabilidade dessas substâncias, visando a sua aplicação para controle de pragas na agricultura. Em 1977, de volta ao Brasil, prosseguiu lecionando na UFRRJ (20h) e na UFF (40h) e orientando trabalhos de pesquisa dos estudantes. Continuava bolsista do CNPq Pesquisador IIC e, agora, buscava dar um direcionamento ecológico aos rumos da sua pesquisa. Por essa ocasião, participou ativamente do movimento científico brasileiro no setor de química de produtos naturais, estando engajada com os problemas relativos à conservação do meio ambiente o que lhe estimulou criar na UFF um Núcleo de Pesquisa em Ecologia Bioquímica. Ainda em 1978, participou diretamente com o professor Otto R. Gottlieb, na Universidade de São Paulo, da criação do grupo de quimiossistemática Vegetal micromolecular, uma nova disciplina Químico-Biológica que eclodia com todo vigor no Brasil. Em 1980, inscreveu-se no Concurso Público para Professor Titular no Instituto de Química da UFF, quando defendeu a tese sobre Iridoides como Marcadores Sistemáticos em Angiospermas, tendo sido aprovada em primeiro lugar com nota máxima. Em conseqüência, passou a professor titular (40h) na UFF, mantendo, entretanto, o vínculo com o ICEx/UFRRJ, como professora colaboradora, lecionando e orientando estudantes em nível de pós-graduação. Em 1984, solicitou licença sem vencimentos, na UFF e submeteu-se a um concurso para Professor Assistente Doutor MS-3, no Departamento de Química Fundamental, setor de Química de Produtos Naturais, Universidade de São Paulo, tendo sido aprovada e admitida como professora. Ali permaneceu lecionando Química Orgânica e Análises Espectrométricas e desenvolvendo pesquisas em Química de Produtos Naturais, Ecologia Bioquímica e Quimiossistemática Vegetal Micromolecular. Após o interregno de dois anos, voltou ao Instituto de Química da UFF, porém, tendo sido convidada pelo Conselho Deliberativo do Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais, UFRJ, a ingressar nesta unidade, aí se radicou em 1986, quando foi eleita e assumiu o cargo de vice-diretor do NPPN. A sua primeira atitude no NPPN foi batalhar para a criação do curso de Doutorado na Unidade, que já usufruía de proeminência em pesquisa no Brasil e já contava com um destacado número de mestres titulados, porém, carecia do seu complemento à pós-graduação que seria oferecer aos seus alunos a possibilidade do título de doutor em Química de Produtos Naturais. Nessa mesma época, trabalhou também para a criação do curso de doutorado no Museu Nacional, onde também orientou estudantes. Desde sua aposentadoria em 1996, após convite oficial da instituição, continua em plena atividade, como professora emérita da UFRJ (título agraciado em 2010), lecionando em nível de pós-graduação, orientando estudantes de iniciação científica, de mestrado (mais de 45) e de doutorado (mais de 50), supervisionando pesquisa em nível de pós-doutoramento e para professor/pesquisador pisitante, além de desenvolver sua pesquisa individual como pesquisador IB do CNPq, o que lhe rendeu até o momento mais de 190 publicações de artigos científicos em periódicos. Consultor ad hoc de vários órgãos de fomento e de periódicos científicos são referenciais de sua credibilidade junto à comunidade científica. Sua presença diária e o entusiasmo dentro de seus laboratórios, a conversa animadora com os estudantes, com os companheiros de trabalho e amigos arregimentados nos corredores do CCS, a sua participação em um grande número de bancas examinadoras (mais de 300) e em eventos científicos por esse país afora, são testemunhas valiosas da sua aceitação pelos seus pares na universidade. Autoria do verbete: Gilda Guimarães Leitão é doutora em Química e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Maria Brasília Leme Lopes (1909-1996)
Psicóloga
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Maria Brasília Leme Lopes viveu de 1909 a 1996 e foi uma mulher importante tanto para a psicologia quanto para a medicina. Sua vida foi marcada pela participação na divulgação científica e pela luta em prol da inserção feminina na ciência. Maria Brasília formou-se professora pela Escola Normal da Prefeitura do Distrito Federal em 1925, e médica, em 1936, pela Faculdade de Medicina da então Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sua excelência acadêmica fez-se mostrar já nos processos seletivos: obteve a primeira colocação em ambos. Como normalista, foi aluna de Manoel Bomfim e Plínio Olinto, recebendo lições de psicologia dos grandes nomes da área em sua época. Portanto, não é de se estranhar que após sua formação iniciasse seus trabalhos neste campo. Foi assistente voluntária e chefe da Seção de Psicologia Aplicada da Liga Brasileira de Higiene Mental de 1928 a 1939, além de ter dirigido o Laboratório de Psicologia Aplicada inaugurado em 1933, no Rio de Janeiro (Ribeiro, 1999, p. 38). Esta sua experiência resultou na publicação de três artigos na revista da Liga, Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, sobre o uso e validação de testes psicológicos: Suggestões para o Emprego dos Tests (1928); Pesquisas sobre a Memória de Fixação (1930); A Attenção Concentrada Explorada pelo Test de Cancellamento (1932). Estes artigos fazem parte dos primeiros escritos femininos da psicologia no Brasil. Eles são uma pequena exceção em um meio que, à época, ainda era dominado por figuras masculinas e, portanto, representam um movimento de ruptura e abertura. Durante este período na Liga, Maria Brasília realizou o curso de Psicologia Aplicada ministrado pelo casal Fessard em sua estada no Brasil e também o de Fisiologia Nervosa, conduzido por Miguel Osório. Estes cursos faziam parte de dois laboratórios experimentais citados por Plínio Olinto como importantes referências entre os primeiros no Rio de Janeiro (Olinto, 1944/2004). Os trabalhos de Maria Brasília em psicologia aplicada foram interrompidos em 1944, quando, após a conclusão do curso de medicina, ingressou no campo da hemoterapia. Foi presidente da Comissão Nacional de Hemoterapia, a segunda mulher eleita para participar da Academia Nacional de Medicina, recebendo o título de membro honorário em 1980, aos 71 anos. Lutou pela abertura do campo científico às mulheres: participou da fundação da Associação Brasileira de Mulheres Médicas (ABMM) em 1960 e a presidiu durante cinco anos (1966-1971), período no qual apoiou eventos como o XIV Congresso da Associação Internacional de Médicas que ocorreu no Rio de janeiro em 1974. Sua trajetória inicial poderia confundir-se com a de tantas outras mulheres brasileiras do início do Século XX, cuja inserção no mercado de trabalho ocorreu por meio dos cursos normais, ministrando aulas para a educação primária, exercendo funções tipicamente associadas ao cuidado maternal. Porém se distancia do comum por seu empenho e dedicação em conquistar um espaço ocupado quase exclusivamente por homens ¿ o da ciência. Seu perfil é tanto de uma ativa pesquisadora quanto de uma pesquisadora ativista pela visibilidade da mulher no campo da ciência. Referências LEME LOPES, M. B. (1930). Pesquisas sobre a memória de fixação. Archivos Brasileiros de Higiene Mental, 3(2), 235-240. LEME LOPES, M. B. (1932). A attenção concentrada explorada pelo test de cancellamento. Archivos Brasileiros de Higiene Mental, 5(2), 41-63. LEME LOPES, M. B.; ABREU FIALHO, I. (1928). Suggestões para o Emprego dos Tests. Archivos Brasileiros de Higiene Mental, 1(2), 68-77. OLINTO, P. (2004). A psicologia experimental no Brasil (1944). In M. A. M. Antunes, História da psicologia no Brasil: Primeiros Ensaios (pp. 25-31). Rio de Janeiro: EdUERJ; Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia. RIBEIRO, P. R. M. Saúde Mental no Brasil. São Paulo: Arte e Ciência, 1999. 192p. Autoria do verbete: Victor Portavales é psicólogo. Ana Maria Jacó-Vilela é professora associada da UERJ e pesquisadora em história da psicologia no Brasil.
Maria Irene Baggio (1940)
Geneticista
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A pesquisadora Maria Irene Baggio (ex. Moraes-Fernandes), natural de Bom Jesus, RS, graduou-se em História Natural em 1963 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, quando foi convidada para trabalhar no Departamento de Genética, onde organizou o Laboratório de Citogenética Vegetal realizando pesquisas sobre Pastagens Nativas, tema de seu doutorado em 1971. Atuou nos Cursos de Pós-Graduação em Genética e Agronomia participando e/ou organizando projetos interdisciplinares e interinstitucionais, o que caracterizou suas atividades durante 45 anos de vida profissional. Por suas pesquisas sobre citogenética e adaptação do sistema genético do trigo aos estresses, foi convidada para ingressar na recém-criada Embrapa Trigo, em 1975, onde liderou projetos e equipes envolvendo pesquisadores, técnicos e estudantes com a orientação e/ou colaboração de consultores da América e Europa. A criação dos Laboratórios de Citogenética, Cultura de Tecidos e Biologia Molecular, permitiu o início dos trabalhos de biotecnologia que até hoje são referência no país. Continuou, até 2001, como professora/orientadora do Programa de Pós-Graduação em Genética da UFRGS, contribuindo com publicações científicas, oriundas de resultados pioneiros nacional e internacionalmente, obtidos com mestrandos e doutorandos, sob a sua orientação e/ou coorientação. Quando o mais comum era pesquisadores brasileiros buscarem treinamento científico no exterior, Maria Irene também trouxe ao Brasil os especialistas dos laboratórios mais avançados do exterior, que aqui se dedicavam integralmente à investigação para acelerar a obtenção de resultados tecnologicamente úteis ao desenvolvimento socioeconômico além de cientificamente pioneiros mundialmente. Dentre as suas atividades, a pesquisadora foi precursora, no Brasil, das pesquisas de engenharia cromossômica e cultura in vitro de embriões híbridos, o que deu origem a 10 linhagens portadoras de novos genes de espécies silvestres, usadas no pré-melhoramento em vários países. Introduziu também a cultura de anteras in vitro, para a obtenção de plantas haploides, derivadas apenas do pólen portanto, com a metade do patrimônio genético. Pela duplicação do genoma, é possível obter a uniformidade varietal em apenas uma etapa, proporcionando economia de tempo e recursos no melhoramento varietal e antecipando, em vários anos, a introdução de cultivares mais produtivas na lavoura. Assim foi obtida a cultivar de trigo BR 43, primeira obtida pela biotecnologia da haplodiploidização nas Américas e a quarta mundialmente. Posteriormente, a metodologia da gimnogênese, através de polinização com milho e o cultivo in vitro de embriões imaturos, ampliou a escala de obtenção de duplo-haploides originados do gameta feminino, ampliando as possibilidades de apoio ao melhoramento de trigo. A produção de duplo-haploides androgenéticos, também teve sucesso na cultura da cevada. Como produtos tecnológicos decorrentes do seu pioneirismo, foram lançadas ao mercado outras cinco cultivares de trigo, além de 10 de cevada, sendo que a primeira foi denominada BRS Mirene, em sua homenagem. Portanto, as pesquisas biotecnológicas, iniciadas pela Dra. Maria Irene, representam um diferencial aos programas de melhoramento de trigo e de cevada. Após a aposentadoria da Embrapa, em 2001, prosseguiu sua carreira científica na Universidade de Passo Fundo, até 2009, orientando e coorientando pesquisas em citogenética de aveia, batata e alcachofra além de atuar na formação de recursos humanos, como professora/orientadora de iniciação, mestrado e doutorado no programa de Pós-Graduação em Agronomia. Atualmente, convivendo com filhos e netos, ainda se dedica à genética, acompanhando a literatura cientifica sobre comportamento humano, que sempre foi seu interesse paralelo. O nome de Maria Irene Baggio continua sendo referência na área na comunidade científica. Os inúmeros autores e coautores de pesquisas com sua colaboração e/ou liderança, são informados no currículo Lattes. Autoria do verbete: Sandra Patussi Brammer é bióloga pela Universidade de Passo Fundo e doutora em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Trigo e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Agronomia da Universidade de Passo Fundo.
Marilda Sotomayor (1944)
Matemática
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Marilda Antonia de Oliveira Sotomayor nasceu no Rio de Janeiro em 13 de março de 1944 e ingressou no curso de licenciatura em matemática na então Universidade do Brasil (hoje UFRJ), onde se formou em 1967. Inspirada pela carreira da mãe, queria, inicialmente, ser professora de matemática no ensino secundário. A identificação com a matemática além dos limites do secundário e com as novas descobertas na área a levaram ao Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), onde cursou formação complementar à sua graduação, com enfoque na pesquisa. De 1970 a 1972, realizou mestrado em matemática no IMPA, sob a orientação do professor Elon Lages Lima. Em 1981, doutorou-se em matemática pela PUC do Rio de Janeiro e IMPA sob a orientação de Jack Schechtman. Na ocasião, desenvolveu para a tese um modelo em economia do crescimento que acabou sendo publicado no prestigioso periódico Journal of Economic Theory. Em seguida, Marilda Sotomayor rumou para um pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley onde pretendia continuar a pesquisa sobre crescimento econômico com o ex-orientador de Schechtman, o economista matemático David Gale. Este, porém, havia mudado seu programa de pesquisa para a Teoria dos Jogos, ramo da matemática aplicada que atraiu grandes nomes da matemática no pós-guerra e que é intimamente relacionada com a teoria econômica. A professora Marilda se tornou uma das responsáveis pelo desenvolvimento da teorização e análise de problemas de Matching (ramo da teoria dos jogos), onde agentes podem ser pareados conforme suas preferências e de maneira estratégica. Desde então Marilda publicou mais de 40 artigos em periódicos. Seu livro em coautoria com Alvin Roth (Nobel de Economia em 2012) é a referência fundamental na pesquisa de macthing. Foi titular da PUC-RJ, da UFRJ, da USP e atualmente tem uma posição de professor visitante permanente da FGV-RJ e professora visitante em várias universidades no exterior. Ajudou a divulgar e internacionalizar a teoria dos jogos no Brasil, realizando escolas da /Game Theory Society/ na Universidade de São Paulo com a presença de vários premiados com o Nobel de Economia, como Robert Aumann, John Nash, Eric Maskin, Roger Myerson e Alvin Roth. Dentre outras honrarias é fellow da Econometric Society, a mais prestigiosa organização de dedicados à aplicação dos métodos matemáticos e estatísticos à Economia. No Brasil, recebeu o medalha de honra ao mérito da Ordem dos Economistas do Brasil e foi recentemente eleita membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Fonte: Coisas que eu queria saber aos 21: Marilda Sotomayor, caderno Educação, jornal O Estado de São Paulo, 10/12/2012. Autoria do verbete: Gustavo Aggio é doutor em economia e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Vânia Bambirra (1940-2015)
Economista
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Vânia Bambirra nasceu em Minas Gerais, Belo Horizonte, em 1940, filha de uma dona de casa e de um alfaiate militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Desde cedo, conviveu com a militância política. No final de década de 1950, ingressa na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde obtém o título de Bacharel em Sociologia e Política, em 1962. Foi nesta mesma época que fundou, junto com Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini, a Organização Revolucionária Marxista Política Operária, POLOP. Em 1961, Vânia inscreveu-se como voluntária para defender a Revolução Cubana. Em 1962, já casada com Theotônio dos Santos, foi convidada por Darcy Ribeiro para dar aula na Universidade de Brasília (UnB), onde começou um mestrado em sociologia que não concluiu em função do golpe empresarial-militar de 1964. Nesta altura, Vânia Bambirra, Theotonio dos Santos e Ruy Mauro Marini, junto com Andre Gunder Frank, a quem conheceram na UnB, formaram o grupo de intelectuais responsáveis pela formulação da Teoria Marxista da Dependência, TMD, uma interpretação crítica do processo de integração da América Latina ao mercado mundial que pode ser considerada uma continuação ou complemento à teoria do imperialismo. Os quatro intelectuais iniciaram, ainda na UnB, a formulação deste pensamento, que só se consolidou no Centro de Estudios Socioeconómicos, CESO, da Universidade do Chile, durante o governo da Unidade Popular liderado por Salvador Allende. A Teoria Marxista da Dependência, que teve em Vânia Bambirra uma de suas fundadoras, criticava duramente a visão formulada no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), segundo a qual o desenvolvimento do continente estava baseado na ideia de que a industrialização possibilitaria aos países subdesenvolvidos alcançar o mesmo grau de desenvolvimento dos países do capitalismo central. Marcava também uma diferença aguda com a visão hegemônica no interior da III Internacional e dos partidos comunistas, que defendiam um desenvolvimento por etapas e uma aliança dos trabalhadores com a burguesia em prol de uma revolução burguesa. Os autores da TMD, ao contrário, inspirados na Revolução Cubana, arguiram que a América Latina estava pronta para uma revolução de caráter socialista. Em 1966, Vânia encontrava-se na clandestinidade e rompida com a POLOP. Seguiu, então, para o Chile, onde trabalhou, no Centro de Pesquisa de Opinión Pública, CEDOP, e, em seguida, no Centro de Estudios Socioeconomicos, CESO, da Universidade do Chile. Foi nesse mesmo ano que Vânia escreve seu primeiro artigo de repercussão internacional, ¿Los errores de la teoria del foco¿, em que fazia severas críticas aos postulados de Regis Debray sobre estratégia e tática revolucionária. Em 1972, publica uma de suas obras mais importantes, ¿El capitalismo dependiente latinoamericano¿, que trata de estabelecer uma tipologia para formações sociais dependentes, de acordo com diferenciações no processo de industrialização. Esse livro não foi publicado no Brasil até 2012, quando a editora Insular, em colaboração com o Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC, editou-o em português. Outros livros igualmente importantes seriam publicados apenas em espanhol: ¿Diez años de insurrección en America Latina¿, em 1971 ¿ traduzido na Itália em 1973 - e, aquele que Vânia considerava sua pesquisa mais importante: ¿La revolución cubana: una reinterpretación¿, uma das mais reveladoras interpretações da Revolução Cubana produzidas fora de Cuba. Esse livro foi publicado em Portugal e no Japão, mas nunca no Brasil. Com o golpe contra Salvador Allende, no Chile, em 1973, Vânia segue com os filhos para o Panamá, onde fica por cinco meses à espera do exílio no México. Nesse país, ela seria acolhida como docente pela Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Lá, ela participaria de vários debates sobre a dependência e publicaria, com Theotonio dos Santos, o livro ¿La estrategia y táctica socialista: de Marx y Engels a Lenin¿, livro que tampouco foi editado em português. Em 1980, com a anistia, Bambirra regressa ao Brasil, indo lecionar na Universidade Católica, apesar dos convites feitos pela UFMG. O projeto duraria pouco e, em 1983, ela mudaria sua residência para o Rio de Janeiro, onde havia recebido de Darcy Ribeiro, vice-governador do Rio na época, o convite para dirigir a revista do PDT. Durante essa década, a fundadora da TMD trabalhou em diversos órgãos, tanto da prefeitura quanto do Governo do Rio, até que em 1987 foi reintegrada com vários outros professores na Universidade de Brasília. Ela permaneceu lecionando na UnB até 1990, quando assumiria a chefia da assessoria política do Partido Democrata Trabalhista na Câmara dos Deputados. Em 2000, Vânia se retira do PDT e volta ao Rio de Janeiro onde continuou proferindo palestras e cursos em várias universidades. Falecida em dezembro de 2015 na sua casa no Rio de Janeiro, Bambirra deixa um imenso legado ao pensamento crítico latino-americano. Sua obra publicada, quase toda desconhecida no Brasil, bem como originais de textos inéditos, entre outros documentos relevantes para a reconstrução da história de sua geração foram doados, em fideicomisso, para guarda e administração dos historiadores Dra. Carla Ferreira e Dr. Mathias Seibel Luce (Depto. História/UFRGS). Todo o material doado está organizado no Memorial-Archivo Vânia Bambirra, junto ao Núcleo de Pequisa em História, NPH, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Este memorial guarda ainda a homenagem recebida por Vânia Bambirra do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, bem como a Ordem do Rio Branco, conferida a ela pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil. O portal oficial de Vânia Bambirra na internet, criado e mantido pelo Núcleo de História Econômica da Dependência Latino-Americana, HEDLA-CNPq, disponibiliza seus textos gratuitamente no endereço www.ufrgs.br/vaniabambirra. Fontes: "Vânia Bambirra". https://pt.wikipedia.org/wiki/V%C3%A2nia_Bambirra. Acesso em: 28 de março de 2016. CAZES, Leonardo. "Uma teoria exilada". Jornal O Globo, 30.03.2013 . Acesso em 28 de março de 2016. PRADO, Fernando Correa. "Vania Bambirra e o Marxismo crítico latino-americano" in REBELA - Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos, v. 1. n. 1, jun.2011, p.152-160. Autoria do verbete: Andrea Dias Victor é doutora em Sociologia e analista em ciência e tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Carla Cecilia Campos Fereirra é doutora em História e professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).