Pioneiras da Ciência no Brasil - 2ª Edição
O Programa Mulher e Ciência já lançou a primeira série de verbetes de cientistas brasileiras que participaram e contribuíram de forma relevante para o desenvolvimento científico e para a formação de recursos humanos para a ciência e tecnologia no Brasil. Os primeiros verbetes foram integralmente retirados da publicação do livro intitulado Pioneiras da Ciência no Brasil, das autoras Hildete Pereira de Melo e Ligia M. C. S. Rodrigues. Além da contribuição para o avanço da ciência, a escolha destas pesquisadoras seguiu um recorte temporal, e as selecionadas foram pesquisadoras que atuaram nas décadas de 30 e 40.
Após a divulgação das Pioneiras, recebemos muitas sugestões de nomes ausentes naquela primeira divulgação. Consideramos que a construção desta história é um processo coletivo. Desta forma, neste novo lançamento contamos com a colaboração de autores/as da comunidade acadêmica que tiveram estudos e pesquisas relacionados com a biografia e obra das cientistas. A seleção das contribuições ainda foi realizada segundo a ordem cronológica, por conseguinte iniciamos a inserção de verbetes de pesquisadoras cuja atuação se concentra nas décadas de 50 e 60. Também foram consultadas as informações do Setor de Documentação do CNPq e das associações científicas, particularmente, o arquivo da Academia Brasileira de Ciência (ABC) e da Academia Nacional de Medicina (ANM). Foram consideradas para escolha dos nomes: 1) critério cronológico já citado, 2) relevante atuação enquanto pesquisadora (participação nas organizações científicas, impacto para formação de um campo de pesquisa, relevância para a formação de linhagens científicas, significante produção científica e/ou tecnológica).
A importância desta iniciativa está em atribuir visibilidade às mulheres e às suas contribuições para determinada área de conhecimento. Destaca-se que, muitas vezes, as participações femininas foram menos reconhecidas em função das relações de gênero. Assim, é importante produzir outras versões da história que versem sobre a atuação das mulheres como lideranças no ensino e na pesquisa e não somente, sob a ótica de gênero, como meras coadjuvantes nos papéis tradicionais de companheiras, assistentes, professoras.
O lançamento e a ampliação dos verbetes parte do reconhecimento de que as mulheres sempre estiveram na produção das ciências, ainda que nem sempre de modo formal, de acordo com os padrões vigentes de cada época. A divulgação de suas histórias não somente cria modelos como mostra os caminhos abertos por elas. Também, em alguma medida, atribui os créditos devidos às suas destacadas colaborações e nos permite uma melhor compreensão sobre a história da ciência e tecnologia no Brasil.
Infelizmente, enquanto preparávamos a segunda edição dos verbetes, duas importantes pesquisadoras elencadas nos verbetes Maria Laura Lopes e Bertha Becker - faleceram e não puderam ver a nosso esforço em multiplicar o reconhecimento sobre seu trabalho. Lançamos esta edição em homenagem à Profa. Maria Laura por seu pioneirismo na matemática e à Profa. Bertha por seu legado em geografia política.
Consideramos que somente demos início à divulgação da história das pesquisadoras e cientistas brasileiras e, caso você entenda que ainda há outras esquecidas escreva e envie para a equipe do Programa Mulher e Ciência pelo endereço: programamulhereciencia@cnpq.br que seguiremos trazendo à tona outras biografias que tanto nos inspiram.
Maria Laura Mouzinho Leite Lopes (1917-2013)
Matemática
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Nasceu em Timbaúba, zona da mata do estado de Pernambuco, em 18 de janeiro de 1917 e morreu em 20 de junho de 2013, aos 94 anos. Filha de Laura Moura Mouzinho, formada no Curso Normal, e de um comerciante, Oscar Mouzinho que, tendo apenas formação primária, foi um autoditada, adquirindo grande cultura. Seus pais investiram na educação, cultura e formação dos filhos e Maria Laura, em 1927, iniciou sua vida escolar, no antigo primário, no Grupo Escolar João Barbalho, em Recife, tendo concluído em 1931. Em 1932 ingressou na Escola Normal de Pernambuco, tendo ali permanecido até 1934, onde foi aluna do professor Luiz de Barros Freire (1986-1963), que segundo ela foi o responsável pela sua vocação em Matemática. Em 1935, a família Mouzinho chega à cidade do Rio de Janeiro e no mês de fevereiro, ela foi matriculada no Instituto Lafayette, onde se preparou para prestar Exame de Madureza no Colégio Pedro II. No ano de 1936, concluiu seu curso ginasial como aluna do Colégio Sion, em Petrópolis(RJ). Afinando-se cada vez mais com a Matemática, em 1937 matricula-se no Curso Pré - Vestibular ministrado pelo professor Luiz Caetano de Oliveira. Em 1939, é considerada apta para fazer parte do corpo discente do Curso de Matemática da Universidade do Distrito Federal (UDF), pelo Decano da Escola de Ciências, o professor Luiz de Barros Freire. A UDF teve somente 15 dias de aula, pois foi extinta pelo Decreto Federal nº 1.063/39. Assim, todos os alunos e professores, foram transferidos, em março de 1939, para o Curso de Matemática da recém criada Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi). No ano de 1941, Maria Laura se formou ‘Bacharel em Matemática’, e em seguida, no ano de 1942, conclui a “Licenciatura em Matemática”. Engendrando nos seis anos seguintes em seu trabalho de “LIVRE DOCÊNCIA” intitulado “ESPAÇOS PROJETIVOS - RETICULADO DE SEUS SUB – ESPAÇOS”, orientado pelo matemático português Professor António Aniceto Ribeiro Monteiro, que em 24 de setembro de 1949 lhe rendeu o titulo de PRIMEIRA DOUTORA EM CIÊNCIA - MATEMÁTICA no Brasil. A carreira de magistério teve inicio na sua terra natal, ainda ministrando aulas particulares e, no ano de 1938, lecionou no Colégio Sion(RJ). Em 1940, ainda cursando o segundo ano do Curso de Licenciatura em Matemática, foi convidada para exercer a monitoria da disciplina de Geometria, dividindo este espaço com a professora Moema Lavínia Mariani de Sá Carvalho e, no ano de 1943 é contratada como Professora Assistente no Departamento de Matemática da FNFi. Em 1949, com os físicos César Lattes (1924-2005) e José Leite Lopes (1918-2006), participa da criação do Centro Brasileiro de Pesquisa Física (CBPF). Em substituição ao professor Oliveira Junior, passou a ministrar aulas de Geometria no Curso de Engenharia, no recém criado Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), que teve a participação do professor Francis Dominic Murnaghan (1893-1976). Neste mesmo ano viaja para os Estados Unidos, trabalhando por um ano no Departament of Mathematics da The University of Chicago. No ano de 1951, participou da criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Reunida com os matemáticos mais influentes do Rio de Janeiro e junto ao professor Candido Lima da Silva Dias (1913-1998), então professor da Universidade de São Paulo (USP), no ano de 1952, funda o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) onde exerce a função de secretária no período de 1952-1956, e em março de 1952, é diplomada na Academia Brasileira de Ciências. Em 1956, casa-se com o renomado físico e professor José Leite Lopes. No ano de 1961, foi nomeada professora da Educação Técnico Profissional do Estado da Guanabara. No ano de 1967, Maria Laura assume o cargo de Chefe de Departamento de Matemática da FNFi, até o mesmo se tornar Instituto de Matemática da UFRJ. No ano de 1969, com o professor Leite Lopes, é exilada, banida do país pelo Atos Institucional nº 5 (A.I.5). Partindo primeiro para Pittsburgh, EUA, e em seguida para Estrasburgo, na França, onde começa a desenvolver pesquisa na área de Educação Matemática no Institute de Recherche en Enseignement de Mathematiques, com os professoresGeorges Glaeser, coordenador do grupo de pesquisa, Lucienne Felix, François Pluvinage, Claire Dupuis e Raymond Duval. Em 1974, Maria Laura volta para o Brasil com toda a experiência adquirida do IREM e convidada pela professora Anna Averbuch vai exercer o cargo de coordenadora de Matemática na Escola Israelita Brasileira Eliezer Eistenbarg, bem como, participar na orientação do ensino da Matemática no Centro Educacional de Niterói. No ano de 1976 participa da fundação “Grupo de Ensino e Pesquisa em Educação Matemática - GEPEM”, que foi presidido, por ela, durante os oito anos iniciais. Sob o convênio do GEPEM com o MEC/INEP, coordena a primeira pesquisa em Educação Matemática no Brasil, “Projeto Binômio Professor-Aluno na Iniciação à Educação Matemática - uma pesquisa experimental”. Com a assinatura da Lei da Anistia em agosto de 1979, ainda durante a ditadura militar, Maria Laura reassume sua cadeira no IM/UFRJ e, em 1981, com um grupo de professores desenvolveram a pesquisa “Avaliação dos Alunos no final da 4ª série Primária das Escolas Públicas” da cidade do Rio de Janeiro. No final do ano de 1982, respondendo a uma chamada do Ministério da Educação para o Programa de Integração da Universidade com o Ensino do 1º Grau, este grupo de professores do IM/UFRJ, sob a coordenação da Maria Laura, apresentara o “Projeto de Formação Para Professores de 1º, 2º e 3º Graus”. Em 1983, juntamente com as equipes da Biologia, Física, Geografia, Matemática e Química, implantam o “Projeto Fundão”, que veio integrar o Sub-Programa de Educação para Ciência, quando da criação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O “Projeto Fundão - Setor Matemática”, (PF/IM-UFRJ), inicialmente, foi coordenado pelo professor Radiwal Alves Pereira, passando depois à professora Lucia Tinoco, em seguida para professora Lilian Nasser e, desde 1996, até os dias de hoje está sob a égide da professora Maria Laura. Pelo PF/IM-UFRJ elaborou e desenvolveu a pesquisa para o INEP, “Formação dos Formadores de Professores”, cujo objetivo era detectar as razões das deficiências do Curso de Formação de Professores. No ano de 1980, Maria Laura junto à diretoria do GEPEM estabelece um convênio com a Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, forma o primeiro “Curso de Pós-Graduação Lato Sensu com Especialização em Educação Matemática” do Brasil, tornando-se o embrião do primeiro “Curso de Mestrado em Educação Matemática”do Estado do Rio de Janeiro e segundo do Brasil. Com a equipe do PF/IM–UFRJ, no ano de 1993, formam no IM/UFRJ o “Curso de Especialização em Ensino de Matemática” e o“Curso Noturno de Licenciatura em Matemática” e, em 2006, o “Curso de Mestrado em Ensino de Matemática”. No sentido de consolidar a Educação Matemática no Brasil, em 27 de janeiro de 1988, a professora Maria Laura e um grupo de pesquisadores, professores e colaboradores, fundaram a “Sociedade Brasileira de Educação Matemática” (SBEM), e em seguida a regional SBEM/RJ. Após 65 anos de vida acadêmica na UFRJ a professora Maria Laura é agraciada, em 1de julho de 1996, com o título de “Professora Emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro” e no ano de 2001 é condecorada com o título de “Professora Honorária da SBEM”. Atuando de forma incisiva e intensamente na formação continuada de professores de Matemática a professora Maria Laura tem vários artigos e livros publicados e vem mantendo o lábaro da Educação Matemática brasileira como um referencial para todo o mundo. Autoria: Pedro Carlos Pereira é doutor em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor Adjunto da UFRRJ baseado em sua tese “A Educadora Maria Laura: contribuições para a constituição da Educação Matemática no Brasil”.
ANITA DOLLY PANEK (1930 - )
Bioquímica
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Nasceu na cidade de Cracóvia na Polônia, em 01 de setembro de 1930 e veio para o Brasil com a família, em 1940, depois da invasão do país pela Alemanha. No final dos anos 1940, entra no curso de Química ministrado pela Escola de Química da então Universidade do Brasil, depois intitulada Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1954, diplomou-se em Química Industrial e em 1955 ingressou como Instrutora de Ensino na Cadeira de Microbiologia Industrial e Tecnologia das Fermentações desta Escola. Esta disciplina originou a criação, posteriormente do Instituto de Química da UFRJ, no Departamento de Bioquímica. Em 1962 doutorou-se em Ciências pela Universidade do Brasil e defendeu em seguida a livre-docência em Microbiologia Industrial (ENQ/UB, 1962). Em 1976 fez concurso para Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e em 1995 foi proclamada Professora Emérita desta Universidade. Dedicou sua vida ao ensino, pesquisa e administração universitária. Orientou 49 alunos da pós-graduação e dezenas de iniciação científica. O ensino e pesquisa andaram sempre lado a lado em sua vida. Sua pesquisa foi sempre relacionada ao campo do metabolismo energético, utilizando a célula de levedura e seus estudos sobre o metabolismo de trealose, que ampliaram as especificações deste composto, antes considerado como fonte energética e também agora substância protetora de membranas e de proteínas, quando a célula é submetida a estresses ambientais. Estes resultados a consagraram internacionalmente. Os resultados produzidos por suas investigações em conjunto com seu grupo de pesquisa produziram 170 artigos publicados em revistas internacionais e o registro de 3 patentes. A trealose tem amplas utilizações como a preservação de materiais biológicos desidratados ou liofilizados. É membro da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular, desde 1971 foi admitida na área de especialização das Ciências Biomédicas da Academia Brasileira de Ciências (ABC), na categoria de sócia Titular. É membro também da American Society for Biochemistry and Molecular Biology. Recebeu a medalha da Ordem Nacional do Mérito Científico da Presidência da República, em 1996. É bolsista PQ 1 A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Fontes: Currículo LATTES/CNPq/MCTI e página da Academia Brasileira de Ciências, acesso em maio de 2013. Autoria: Hildete Pereira de Melo é Doutora em Economia, Professora Associada da Universidade Federal Fluminense, editora da revista Gênero, pesquisadora da área de Relações de Gênero, História da Ciência, Feminismos, Economia Brasileira.
Virgínia Leone Bicudo (1910-2003)
Socióloga, Psicóloga e Psicanalista
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Nasceu em São Paulo (SP) em 1910 e morreu em 2003, aos 92 anos. Filha da trabalhadora e imigrante italiana Joana Leone e do trabalhador negroTeófilo Bicudo, Virgínia Bicudo estudou na Escola Modelo Caetano de Campos no bairro da Luz na cidade de São Paulo. A mãe, Joana Leone Bicudo, foi babá da filha de criação do coronel e senador Bento Augusto de Almeida Bicudo, que por sua vez era padrinho do pai de Virgínia, Teófilo Bicudo. Em São Paulo, o pai, com o apoio do coronel Bicudo, tornou-se funcionário dos Correios e Telégrafos e depois ascendeu na instituição até chegar a diretor de uma agência paulistana. Assim como as três irmãs, Virginia fez o curso normal, mas não chegou a ser professora, pois o pai não permitiu que fosse para o interior do Estado trabalhar em condições consideradas precárias naquele tempo. A escolha consistiu em fazer o curso de educação sanitária no Instituto de Higiene de São Paulo em 1932. Sobre o paí, Virgínia destaca o papel fundamental na educação de todos os seis irmãos e irmãs. Também lembra o perfil ambiciosoe corajoso ao enfrentar as dificuldades decorrentes da discriminação racial. Por exemplo, o projeto do pai de fazer um curso superior, no caso medicina, e suas tentativas durante dez anos até a desistência final para cuidar da família. Da mesma forma, lembra que os contatos com a família do pai praticamente não existiram visto que todos os tios paternos morreram cedo. Com a família da mãe, conviveu durante toda a infância e adolescência. Em entrevista ao pesquisador Marcos Chor Maio em 1995, Virgínia ressalta que seu convívio com os negros foi pequeno nesse período. Após o curso de educação sanitária, Virgínia tornou-se funcionária da Diretoria do Serviço de Saúde Escolar do Departamento de Educação, onde tinha como atribuição dar aulas de higiene em escolas do Estado de São Paulo. A partir dessa experiência, Virgínia se interessou pela sociologia e iniciou o curso de ciências sociais na Escola Livre de Sociologia e Política em 1936. Pouco depois, em 1939, teve contato com a psicanalista alemã Adelheid Koch, que veio para o Brasil com o início da 2ª Guerra Mundial. Naturalizada brasileira, Koch motivará em Virgínia o interesse pela psicanálise, depois ampliado pela formação e contato com o médico e professor Durval Marcondes. No início da década de 1940, Bicudo e Marcondes começaram uma parceria na Escola Livre de Sociologia e Política, com a oferta das disciplinas higiene mental e psicanálise, que se transformou em importante ferramenta na difusão da psicanálise no Brasil nas décadas seguintes. Em 1942, Virgínia iniciou o mestrado, sob a orientação de Donald Pierson, na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Lá teve a oportunidade de articular seus interesses pela sociologia e pela psicanálise ao estudar a questão racial e os conflitos raciais existentes entre brancos e negros. Sua dissertação de mestrado, intituladaAtitudes Raciais de pretos e mulatos em São Paulo, foi a primeira defendida no Brasil sobre a temática, tendo, ao contrário do seu orientador Donald Pierson, compreendido que o preconceito racial é uma variável relevante na organização e produção social. De forma inovadora, com articulação entre a antropologia, a sociologia e a psicologia social, Vírgínia investigou as atitudes raciais e sociais de grupos de pais e mães de estudantes de escolas públicas em bairros populares e de classe média paulistana, por meio de entrevistas e estudos de caso. Em 1945, tornou-se professora-assistente da cadeira de higiene mental da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Ainda sobre a questão racial, em 1949, Virgínia foi convidada para integrar a equipe do Projeto Unesco em São Paulo. A Unesco realizou no início da década de 1950 diversas pesquisas sobre as relações raciais, com a estruturação de uma equipe de pesquisadores e professores de várias universidades. Em São Paulo, o Projeto Unesco foi coordenado por Roger Bastide e Florestan Fernandes. Virginia deu continuidade aos interesses do mestrado com uma pesquisa sobre atitudes raciais entre estudantes das escolas públicas no município de São Paulo e membros da comunidade escolar. Assim como a sociologia, a psicanálise permanecia no centro dos interesses de Virgínia Bicudo. Em 1954, Virgínia e outros colegas foram contratados pelo Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Pouco depois, em 1955, Virgínia iniciou uma temporada de estudos psicanáliticos em Londres, onde permaneceu até 1959. Nesse período, conforme entrevista concedida, frequentou o Instituto de Psicanálise da Sociedade Britânica, teve contato com psicanalistas reconhecidos como Melanie Klein, Wilfred Bion e Donald Winnicott e se especializou no tratamento de crianças. Nas décadas seguintes, Virgínia Bicudo continuou com o trabalho de divulgação e institucionalização da psicanálise no Brasil. Publicou em 1956 o livro Nosso mundo mental, fruto de um programa semanal de rádio. Em 1970, criou o Grupo Psicanalítico de Brasília, foi professora na Universidade de Brasília (UnB) e um pouco depois fundou o Instituto de Psicanálise de Brasília. Psicanalista e socióloga reconhecida, Virgínia Leone Bicudo tornou-se uma referência nos estudos raciais e também por ser a primeira pesquisadora e professora negra a ocupar um lugar de destaque na divulgação e construção da psicanálise no Brasil. Fontes: MAIO, Marcos Chor. Educação sanitária, estudos de atitudes raciais e psicanálise na trajetória de Virgínia Leone Bicudo. Cadernos Pagus (35), julho-dezembro de 2010: 309-355 e verbete Virgínia Bicudo, disponível na página www.cliopsyche.uerj.br, em 27 de março de 2013. Autoria: Maria Lúcia de Santana Braga é doutora em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e analista em ciência e tecnologia do CNPq.
MARINA DE VASCONCELLOS (1912-1973)
Antropóloga
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Marina Delamare São Paulo de Vasconcellos nasceu em 25 de março de 1912, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, filha de Aleixo de Vasconcellos e Dinorah Delamare São Paulo de Vasconcellos. A mãe faleceu no parto do segundo filho, que também não sobreviveu. O pai, médico e pesquisador em Manguinhos, da equipe de Oswaldo Cruz, confiou a educação da filha, ainda criança, aos avós, Aureliano Nóbrega de Vasconcellos e Francisca Vasconcellos. Aleixo de Vasconcellos casou-se novamente com a italiana Lina Pianucci Martinelli, com quem teve dois filhos, Carlos e Sylvia. Marina estudou no tradicional Colégio Jacobina e com 20 anos ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Naqueles anos de Faculdade, casou-se com o colega Antônio Andrade Pacheco, falecido, porém, ainda no primeiro ano de casamento. Em 1945, Marina se casaria novamente com Isacir Telles Ribeiro, capitão do Exército, de quem se separaria em inícios de 1950. Bacharel em Direito, Marina retornou à universidade para cursar História em 1936, compondo uma das primeiras turmas da Universidade do Distrito Federal (UDF), extinta pelo Estado Novo que transferiu os alunos daquela para a recém-fundada Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil. Na FNFi, Arthur Ramos era o catedrático de Antropologia e Etnografia. Marina, sua aluna também no curso de aperfeiçoamento com duração de 2 (dois) anos e secretária da recém-criada Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia (SBAE), tornou-se, em 1941, legalmente sua substituta. Com a morte precoce do mestre, em 1949, quando de sua estada na Unesco, Marina prestava, no ano seguinte, concurso para livre-docente da cadeira e se tornava a primeira mulher a integrar o corpo docente do curso de Ciências Sociais da FNFi, além da única mulher a ocupar neste uma cátedra, trabalhando incansável e cotidianamente para a consolidação e expansão da Antropologia como disciplina autônoma, tornando a formação de pesquisadores uma atividade atraente e regular. Já sob o regime de exceção inaugurado em 1964 com o Golpe Militar, em 1967, devido à reforma universitária, a FNFi foi desmembrada em faculdades, escolas e institutos, criando-se ainda os departamentos ao mesmo tempo em que a cátedra e o sistema seriado de ensino eram extintos. Marina tornou-se chefe de departamento de Ciências Sociais e figura-chave na criação do IFCS, o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais a reunir os cursos de Ciências Sociais, História e Filosofia da nova UFRJ. Num quadro de profunda tensão, sua trajetória profissional tomou novos rumos. Desfrutando da confiança dos colegas, tendo seu nome desvinculado de qualquer facção política, Marina assumiu a direção do Instituto. A gestão de um barril de pólvora, a atrair a hostilidade dos setores da repressão mais radicais, fez sobressair em Marina de Vasconcellos a valente guardiã da autonomia universitária. Enfrentando ameaças de bombas e invasões, a diretora procurava manter um espaço acadêmico de liberdade e de legalidade, posicionando-se contra toda forma de extremismo, ao mesmo tempo em que adquiria uma especial sensibilidade para lidar com os jovens alunos, protegendo-os, bem como a colegas, em sua integridade física e moral. Tornava-se assim a bússola em meio ao temporal. Após inúmeras tribulações, no início de 1969, Marina deixou a direção, contudo, seu martírio apenas começava. Cassada em abril de 1969, Marina ainda seria surpreendida, em junho de 1969, na vinda da missão Rockefeller ao Brasil, com a prisão, permanecendo desaparecida por intermináveis seis dias até ser localizada por seus próprios alunos sendo o pai de um deles general. O declínio da saúde veio nos poucos anos seguintes. Submetida à cirurgia devido a aneurisma cerebral, por um erro de anestesia, em 12 de fevereiro de 1973, sua vida - doada à universidade, aos alunos e à consolidação da disciplina Antropologia e Etnologia no Brasil - foi bruscamente interrompida. Autoria: Adelia Miglievich-Ribeiro é Doutora em Ciências Humanas – Sociologia – PPGSA/IFCS/UFRJ, professora adjunta da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), atuando na Graduação em Ciências Sociais e nos Programas de Pós- Graduação em Ciências Sociais e em Letras. É também membro da diretoria da Abecs (Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais). E.mail: miglievich@gmail.com.
MARIA YEDDA LEITE LINHARES (1921-2011)
Historiadora
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Nasceu em Fortaleza, capital do Estado do Ceará, no dia 03 de novembro de 1921. A crise econômica de 1930 leva sua família, em 1932, a mudar-se para Porto Alegre (RS) e, em seguida, fixar-se na Capital Federal. Nesta cidade, completou sua formação educacional e iniciou seus estudos em História. Viveu a experiência da Universidade do Distrito Federal (UDF), projeto de um grupo de educadores progressistas sob a liderança do professor Anísio Teixeira, fechada pelo Estado Novo e que tinha como objetivo formar professores de nível médio para o País e Maria Yedda encontrava um campo de trabalho no curso de Filosofia. Ganhou, em 1938, o primeiro lugar na categoria História Geral, na Maratona Intelectual de História, Matemática e Português, um concurso nacional promovido pelo Ministério da Educação (MEC). Dois anos depois já no segundo ano da faculdade utilizou o dinheiro recebido por este prêmio para viajar para os Estados Unidos. Lá chegando, obteve uma bolsa para o Institute of International Education, em Nova York. Nestes anos, ensinou português em duas universidades norte-americanas no Barnard College, da Universidade de Columbia em Nova York e na Middlebury College (Vermont). De volta ao Brasil, em plena segunda guerra mundial, participou de todos os eventos em favor dos aliados e nestes anos terminou o bacharelato e a licenciatura Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), em Geografia e História na Universidade do Brasil, atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduada, foi convidada em 1946 para ser professora assistente do professor Delgado de Carvalho, decano da cadeira de História Moderna e Contemporânea nos quadros da Faculdade de Filosofia. Entre 1954 e 1957, fez as teses para Livre Docência e Cátedra, para a vaga do professor Delgado de Carvalho, que então se aposentava. Em entrevista, a professora Maria Yedda relata que estas teses foram feitas em apenas três anos, tendo sido um período muito duro para ela, porque tinha dois filhos pequenos e se não fosse a ajuda de colegas ¿ principalmente Francisco Falcon - não teria tido forças para realizá-las. Professora, pesquisadora brilhante e cheia de ideias para mudar o Brasil brilhava nas rodas intelectuais do Rio de Janeiro e terminou assumido um posto de direção na Rádio MEC. Com o golpe militar de 1964, viu a Rádio MEC ser invadida pelo furioso grupo extremista de direita Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e seus estúdios praticamente destruídos. Em seguida, viveu a perseguição promovida pelo professor de História Antiga e Medieval Eremildo Viana na Universidade, que promoveu aos professores da instituição uma perseguição sem trégua e a professora catedrática Maria Yedda foi um dos seus alvos. Respondeu, entre 1964 e 1966, a sete inquéritos políticos militares (IPMs), acabou sendo presa três vezes e aposentada compulsoriamente como professora titular pelas autoridades do AI-5, em abril de 1969. O general presidente Costa Silva libertou-a depois de receber telegramas de protestos de Jean Paul Sartre e Fernand Braudel e exilou-se na França. Recebeu convites de Fernand Braudel, Fredéric Mauro e Jacques Godechot para lecionar naquele país e durante cinco anos trabalhou nas Universidades de Vincennes e Toulouse-Le-Mirail. Retornou ao Brasil no final de 1974 e, aposentada pelo AI-5, não podia trabalhar. Assim em 1976, participou de um Seminário sobre Desenvolvimento Agrícola organizado pela Fundação Getúlio Vargas. Maria Yedda inicia uma nova linha de pesquisa em sua vida com uma comunicação sobre o uso da História Quantitativa na História da Agricultura Brasileira. Dois meses depois da apresentação deste trabalho recebe o convite para trabalhar, como professora e pesquisadora no Mestrado do Centro de Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola (CPDA) da Fundação. Este centro foi incorporado no início da década de 1980 à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Nas suas palavras, ¿esta experiência foi a mais rica e proveitosa de sua vida¿. Foi também professora da Universidade Federal Fluminense e, junto com Ciro Flamarion Cardoso e Francisco Falcon, implantaram a Pós-Graduação de História daquela universidade. Anistiada em 1979, foi reintegrada aos quadros da UFRJ. Continuava batalhando por mudanças na formação dos estudantes, docentes e nos Programas de História do Brasil. Defendia que estes programas deviam levar em consideração as realidades locais e seu entusiasmo levou-a a ser Secretária Municipal e Estadual de Educação do Rio de Janeiro nas duas gestões do governador Leonel Brizola (1983/1987 e 1991/1994), como também na primeira gestão do prefeito Marcelo Alencar (12/1983 a 01/1986). Nestas gestões, junto com Darcy Ribeiro, implantaram os CIEPS ¿ brizolões que no fundo assemelhavam-se a proposta igualitária de educação lançada por Anísio Teixeira na década de 1930. Foi Professora Emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Maria Yedda não sossegava pois ainda teve fôlego, aos 80 anos, para implantar na Universidade Severino Sombra (Vassouras) uma pós-graduação de História e levava junto consigo uma plêiade de professoras e professores que sua sabedoria agregava na difusão da pesquisa e do ensino de História. Sua determinação e inteligência foram fundamentais para a formação das últimas gerações de historiadores brasileiros. Casou-se com José Linhares e teve dois filhos. Faleceu no Rio de Janeiro em novembro de 2011. Algumas Obras: Linhares, M.Y., Silva, Francisco Carlos Teixeira da, História Agrária Brasileira: combates e controvérsias, São Paulo, Brasileinse, 1971; Linhares, Maria Yedda, História Agrária, em Cardoso, C.F., Vainfas, R. (orgs), Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia, Rio de Janeiro, Campus, 1997 ( 5º edição). Fontes: Carta Maior, Colunista Francisco Carlos Teixeira, acesso em 21 de junho de 2013, www.cartamaior.com.br. Entrevista de Maria Yedda Linhares a Vicente Saul e Thatiana Murillo, transcrita pelo site www.ifcs.ufrj.br/humanas/0022.htm, acesso em 23 de junho de 2013. Jornal da UFRJ, nº 40, dezembro de 2008. Autoria: Hildete Pereira de Melo é Doutora em Economia, Professora Associada da Universidade Federal Fluminense, editora da revista Gênero, pesquisadora da área de Relações de Gênero, História da Ciência, Feminismos, Economia Brasileira.
MARIA ISAURA PEREIRA DE QUEIROZ (1918- )
Socióloga
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Nasceu em São Paulo (SP) em 26 de agosto de 1918. Filha de Maria Moraes Barros Pereira de Queiroz e Manoel Elpídio Pereira de Queiroz, teve cinco irmãos. É sobrinha da primeira deputada federal da história do Brasil, Carlota Pereira de Queiroz, eleita em 1934. Desde início, a mãe e o pai incentivaram Maria Isaura a seguir a carreira docente. Fez a escola primária e secundária no Instituto de Educação Caetano de Campos, tendo essa experiência marcado a trajetória de Maria Isaura, lembrada durante a outorga do título de professora emérita da USP: “a convivência, durante 15 anos, com colegas de origem socioeconômica muito diversa, tornando vigorosa a constatação de que inteligência, aptidões, dotes de coração não dependem de forma alguma da maior quantidade de bens de fortuna.” Entrou para o curso de Ciências Sociais da Faculdade Filosofia, Ciências e Letras da USP, em março de 1946, terminando a Licenciatura em 1949. Segundo Maria Isaura, o curso abriu as portas do mundo dos “outros”, que sempre lhe chamara a atenção, e para a possibilidade de ensinar e educar. Décadas mais tarde, já aposentada, durante as comemorações de seus 80 anos, Maria Isaura declararia que “os tempos e os acontecimentos que gozei na USP foram o que houve de mais encantador na minha vida”. Nomeada auxiliar de ensino da Cadeira de Sociologia I, dirigida pelo professor Roger Bastide, na qual trabalhou no período de 1950 a 1955. Em 1951, obteve bolsa do Governo Francês para cursar a École Pratique des Hautes Études en Sciences Sociales, Universidade de Paris, permanecendo até 1953. Diplomou-se em maio de 1956, com tese aprovada pela banca composta pelos professores Roger Bastide (orientador), Claude Lévi-Strauss e Gabriel Le Bras. Em maio de 1956, regressou ao Brasil, mas continuou seu trabalho na França. Obteve equivalência de seu diploma em 1960, passando a Professora-Doutora na FFLCH/USP. Em 1963, obteve, nessa Universidade, o título de Professora Livre - Docente, com a aprovação da tese "O Messianismo no Brasil e no Mundo". Em 1978, em concurso de títulos, elevou-se a Professora-Adjunta em Sociologia, no Departamento de Sociologia da FFLCH/USP, tendo lecionado até 1982, quando se aposentou. Na França, lecionou na École des Hautes Études nos anos de 1963 e 1964, como Directeur d 'Études Associé. Nesse mesmo país, lecionou no Institut des Hautes Études d`Amérlque Latine, Université de Paris, de 1961 a 1970. Foi Professeur d'Études Associé no Institut dÉtudes Portugaises et Brésiliennes, Université de Paris 11, nos anos de 1978 e 1979. Lecionou ainda na Université Laval, Québec (Canadá) no 2° semestre de 1964; como Professeur Invité, em março de 1979, na Université des Mutants, de Dakar (Senegal); como Professeur Invité em março de 1980, na Université Laval-Ia-Neuve, da Bélgica. Recebeu os seguintes prêmios: XI Concurso Mário de Andrade, Departamento de Cultura do Município de S. Paulo, em outubro de 1957, com a monografia "A Dança de São Gonçalo num Município Bahiano"; Prêmio JABUTI, da Câmara Brasileira do Livro, com a obra "O Messianismo no Brasil e no Mundo", em 1976. Recebeu também o título de Professora Emérita da USP, em 1990, tendo sido a primeira mulher na FFLCH/USP. Foi também a primeira mulher a receber o Prêmio Almirante Álvaro Alberto do CNPq/MCTI em 1998. Sua contribuição às Ciências Sociais deu lugar à publicação de livros no Brasil, na França e no México. Livros seus foram traduzidos na Itália e na Colômbia. Colaborou também em obras nacionais e estrangeiras, e teve artigos publicados em revistas especializadas brasileiras, francesas e de outros países. Além disso, orientou teses e dissertações na Universidade de São Paulo, bem como fez parte de bancas de defesa de tese no Brasil e no exterior. Membro do Centro de Estudos Rurais e Urbanos (CERU), sendo uma das professoras - fundadoras em 1964, exerceu o cargo de diretora-presidente várias vezes e inaugurou a temática dos estudos rurais nas ciências sociais uspianas. Também é membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), desde 1971. Ocupou várias vezes o cargo de conselheira e integrou o grupo de editoras responsáveis pela revista Ciência e Cultura. No Brasil, pertence à Sociedade Brasileira de Sociologia, à Associação Brasileira de Antropologia e à Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais - ANPOCS. No exterior, é sócia da International Sociological Association; da Association des Sociologues de Langue Française; da Societé des Américanistes. Destas duas, tem sido também Conselheira. Na França, fez parte da fundação da sociedade e da revista Bastidiana, criada em homenagem ao prof. Roger Bastide, onde publicou vários artigos. Reconhecida como orientadora, professora e pesquisadora exemplar, sua relação com o professor Bastide marcou sua trajetória acadêmica e intelectual. Discreta, atenciosa, contrária aos modismos, coerente e rigorosa, os escritos de Maria Isaura Pereira de Queiroz se tornaram clássicos na literatura brasileira das Ciências Sociais. Sua obra se divide em pelo menos três campos temáticos: análises sobre a reforma e a revolução por meio dos movimentos religiosos, messiânicos e do mandonismo na política; os estudos rurais, com análise do campesinato brasileiro a partir da definição de grupos rústicos; e os estudos sobre a cultura brasileira, com destaque para as histórias de vida, relações de gênero e o carnaval. Suas preocupações metodológicas também merecem, com a utilização de métodos qualitativos e quantitativos e o aperfeiçoamento da teoria e dos métodos de investigação, conforme a exigência dos fatos sociais observados. Fontes: ANTUNIASSI, Maria Helena e LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. (orgs.). Maria Isaura Pereira de Queiroz: a mestra. São Paulo: CERU/Humanitas, 2000; e QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Outorga do Título de Professora Emérita. São Paulo: FFlCH/Departamento de Sociologia, 1990. Autoria: Isabel Tavares é doutora em Sociologia e analista em ciência e tecnologia do CNPq. Maria Lúcia de Santana Braga é doutora em Sociologia e analista em ciência e tecnologia do CNPq.
Heloísa Alberto Torres (1895-1977)
Antropóloga
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Heloísa Alberto Torres nasceu em 17 de setembro de 1895, na cidade do Rio de Janeiro, filha de Alberto Torres e Maria José Xavier da Silveira, ao lado dos irmãos Marieta e Alberto. O pai, um dos maiores ensaístas brasileiros, foi ministro da Justiça, presidente do Estado do Rio de Janeiro e ministro do Supremo Tribunal. Heloísa foi aluna no Colégio Nossa Senhora de Sion, em Petrópolis, após anos de estudo na Inglaterra. Aos 22 anos, quando o pai faleceu, decidiu se dedicar à Antropologia e procurou, no Museu Nacional, o professor Roquette Pinto, cuja influência intelectual marcaria em definitivo aquela que se tornou sua mão direita no cotidiano institucional. Em 1925, Heloísa prestou concurso para professora substituta da Divisão de Antropologia e Etnografia sob a chefia de Roquette Pinto, obtendo a primeira colocação e se tornando a primeira mulher a ingressar como professora da Divisão de Antropologia e uma das primeiras mulheres funcionárias do conceituado Museu. Em 1926, Heloísa iniciava suas expedições que culminaram na mais notória, em 1930, à Ilha de Marajó, que a tornou conhecida internacionalmente no estudo da cerâmica brasílica e, em especial, marajoara. Em 1931, estando Roquete Pinto afastado do Museu, Heloísa foi nomeada para o cargo de professor-chefe da Seção de Antropologia e Etnografia. De 1935 a 1937, exerceu a função de vice-diretora da instituição. Em fins de 1938, foi nomeada diretora do Museu Nacional, permanecendo até 1955. A ela se ligam os esforços de manutenção e renovação dos quadros técnicos voltados para a pesquisa nos domínios da Antropologia, Geologia, Paleontologia, Botânica e Zoologia, impulsionando ainda o intercâmbio com institutos de pesquisa estrangeiros que fez definitivamente do Museu Nacional órgão de atração de pesquisadores para o Brasil tais como Ralph Linton, Alfred Métraux, Paul Rivet, Claude Lévi-Strauss, Charles Wagley, Ruth Landes. Heloísa pôde, assim, criar e executar um programa institucional, visando ao treinamento de jovens pesquisadores em áreas de pesquisa específicas, com especial valorização da etnologia, ao mesmo tempo em que se voltava para o enriquecimento das coleções do Museu Nacional em todas as divisões. A ela devem o início de suas carreiras nomes como Luiz de Castro Faria, Eduardo Galvão, Luiz Emygdio de Mello Filho, Nelson Teixeira, Rubens Meanda, Pedro Lima, Tarcísio Torres Messias e Marília Alvim. Heloísa Alberto Torres também atuou na organização de instituições que, naquelas décadas, formulavam a cultura brasileira, ocupando, desde os inícios de 1930, posições estratégicas e enfrentando não poucos conflitos na qualidade de representante do Museu Nacional. Foi assim a única mulher no Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil, de 1934 a 1939. Seu reconhecido prestígio no campo indigenista levou-a a compor também o Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI), criado em 1939, com Rondon na presidência, até sua morte, em 1955, quando Heloísa o substituiu. Ao longo dos anos, conviveu não apenas com Rondon, seu amigo pessoal, mas com Darcy Ribeiro, David Azambuja, Jorge Ferreira, Noel Nuteils, Raymundo de Vasconcellos Aboim, Roberta de Oliveira Cardoso, Orlando Villas Bôas, dentre outros. Como presidente do CNPI, participou intensamente da criação da Funai que, uma vez instituída, em 1967, extinguia o CNPI. Heloísa assumiu no recém-criado órgão, ainda por um ano, a Diretoria do Departamento de Estudos e Pesquisas que respondia pelo recenseamento indígena no país. A presença feminina pioneira de Heloísa Alberto Torres também se deu em sua condição de membro nato do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) que, em 1937, sob a direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade, integrou oficialmente o Ministério da Educação e da Saúde. Neste, Heloísa, durante mais de 30 (trinta) anos, teve seu nome associado ao processo de formulação e implementação de uma concepção de patrimônio histórico e artístico por meio da qual a moderna identidade nacional brasileira passou a ser representada nas décadas seguintes. Heloísa Alberto Torres faleceu em 1977, aos 81 anos, deixando para o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), após a morte de sua irmã, em 1981, no município de Itaboraí (RJ), terra natal do pai, o Solar da Praça, bela moradia típica do século XVIII, propriedade da família, agora chamado Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, com seus móveis, objetos antigos e biblioteca, passagem hoje obrigatória para os pesquisadores do Brasil e do exterior interessados nos estudos desenvolvidos pela cientista. Autoria: Adelia Miglievich-Ribeiro é Doutora em Ciências Humanas – Sociologia – PPGSA/IFCS/UFRJ, professora adjunta da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), atuando na Graduação em Ciências Sociais e nos Programas de Pós- Graduação em Ciências Sociais e em Letras. É também membro da diretoria da Abecs (Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais). E.mail: miglievich@gmail.com.
HELGA WINGE (1934 - )
Bióloga
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Nasceu em Porto Alegre, em 23 de janeiro de 1934, terminou o Bacharelado de História Natural em 1956 e, no ano seguinte, a Licenciatura pela Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Concluiu o curso de Especialista em Biologia em 1962, na mesma faculdade. Em 1971, defendeu sua tese de doutoramento em Ciências (Genética) pelo Curso de Pós-Graduação em Genética da UFRGS. Sua carreira profissional iniciou-se em 1958 quando foi convidada para ingressar como auxiliar de pesquisas no Departamento de Genética da UFRGS e tornou-se professora titular desta mesma instituição em 1984. Foi também professora assistente na Universidade de Brasília (UnB) em 1964/65 e em 1967/68 foi bolsista no Departamento de Zoologia da Universidade de Wisconsin (EUA). É bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desde 1976. Suas pesquisas na área de genética e evolução de plantas neotropicais, nos géneros Ilex e Hordeum e nas culturas de tecidos e transparência de DNA em planta cevada (Hordeum vulgare vulgare) a destacaram no mundo científico. Na atualidade, suas pesquisas permanecem na mesma linha com ênfase em cultura de anteras e estudos sobre o processo androgenético e em embriogênese somática, com vistas à transferência de genes. Além de uma brilhante carreira como bióloga, a doutora Helga também foi uma incansável docente, orientando, desde 1971, dissertações e teses no Curso de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular (UFRGS). Também participou da gestão universitária da Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da UFRGS. Tem uma longa atuação nas instituições de fomento à pesquisa como membro dos comités assessores na área de Ciências Biológicas: FAPERGS, FACEPE e CNPq. Foi presidente do Conselho Regional de Biologia – 3º Região no triênio 1987/91; em várias gestões foi da direção da Sociedade Brasileira de Genética; conselheira da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPS) e dirigiu, seja como presidente ou membro da diretoria, a Sociedade de Biologia do Estado do Rio Grande do Sul. Em 1997, foi eleita na Categoria de “Associada” na Academia Brasileira de Ciências (ABS). Participa de inúmeras associações científicas internacionais: New York Academy of Sciences, American Association for the Advancement os Science, Botanical Society of America, International Association for Plant Biosystematists, International for Tropical Biology, Sociedad Argentina de Genética e das Associações Latinoamericanas de Genética e de Botánica. Recebeu inúmeros prêmios e homenagens ao longo de sua carreira, tais como, condecorações: Dama Comendadora da Ordem do Mérito Republicano - Academia Brasileira de História e Legião do Mérito Histórico – 1981 e as homenagens Placa de Prata - Sociedade de Biologia do Rio Grande do Sul – 1983 e a Placa de Prata - Sindicatos da Indústria do Mate do RS, SC e PR – 1995. Publicações Selecionadas: WINGE, H. 1965 . Interspecific hybridization between the six cryptic species of Drosophila willistoni group. Heredity. vol. 20 , p. 9 - 19 . PORTO, M. L. , MARIATH, J. E. A. , DETONI, M. L. , CAVALLI, S. S. , WINGE, H. and EHRENDORFER, F. 1977 . New species of Relbunium (Rubiaceae) from Brazil, with notes on flavonoid and peroxidase patterns. Plant Systematics and Evolution. vol. 128 , p. 177 – 193; SCHIFINO, M. T. and WINGE, H. 1983 . Karyotypes and nuclear DNA content of species of the Briza complex and some other genera of Poeae (Gramineae). Revista Brasileira de Genética. vol. 6 , p. 245 – 259; CORDEIRO, A. R. and WINGE, H. 1995 . Levels of evolutionary divergence of Drosophila willistoni sibling species. GENETICS OF NATURAL POPULATIONS: the continuing importance of Theodosius Dobzhansky. p. 262 – 280; FREITAS, L. B. , CAVALLI-MOLINA, S. and WINGE, H. 1995 . Sources of genetic variability of a cleitogamous neotropical species, Relbunium hypocarpium, Rubiaceae. Revista Brasileira de Genética. vol. 18 , p. 289 – 296. Publicações Completas: WINGE, H. , FERREIRA, A. G. , MARIATH, J. E. A. and TARASCONI, L. C. 1995 . Erva-mate: biologia e cultura no Cone Sul. Porto Alegre. , Editora da Universidade/UFRGS : UFRGS. Fontes: página www.abs.ong.br, acesso em maio de 2013; e página do CNPq, Currículo Lattes, acesso em maio de 2013. Autoria: Hildete Pereira de Melo é Doutora em Economia, Professora Associada da Universidade Federal Fluminense, editora da revista Gênero, pesquisadora da área de Relações de Gênero, História da Ciência, Feminismos, Economia Brasileira.
Helena Wladimirovna Antipoff (1892 - 1974)
Educadora
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Nasceu em Godno, Rússia, em 25 de março de 1892, filha de Sofia Constantinova e Wladimir Vassilevitch, oficial do exército russo. Oriunda de uma família abastada, teve uma educação primorosa na imperial Rússia, de então. Todavia, com os acontecimentos revolucionários de 1905, o ambiente social russo ficou tenso e sua família decidiu mudar para Paris. Helena viaja com sua mãe e irmãs, em 1911, para a França. Matricula-se na Sorbonne, para estudar medicina, mas acabou encantada com a psicologia. Trabalhou no Laboratório do psicólogo Alfred Binet e descobriu a pesquisa educacional com Dr. Théodore Simon, onde iniciou sua especialização em desenvolvimento mental da criança, tema ao qual dedicou sua vida. Começou a trabalhar em Genebra (Suiça) no Instituto Jean Jacques Rousseau. Com o inicio da I Grande Guerra, seu pai foi ferido em 1916 e Helena voltou para a Rússia, e em São Petersburgo começou a trabalhar como professora de adolescentes. Conheceu o escritor russo Vitor Iretzky e, apaixonada, casou-se com ele numa união informal. Em 1919, nasceu seu filho Daniel. A vitória da Revolução Socialista acabou levando Victor à prisão. Libertado, viajou para Alemanha em 1922. Helena vai encontrá-lo lá, mas não se adapta e viaja com seu filho para Genebra, assumido seu antigo posto no Instituto Jean Jacques Rousseau. Em 1928, recebeu o convite do governo brasileiro para prestar serviços técnicos de sua especialidade junto à Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte, obra destinada à preparação dos futuros mestres e dirigentes educacionais do estado mineiro. Um projeto educacional considerado relevante pelo então presidente do Estado de Minas Gerais, Dr. Antônio Carlos de Andrada. Chegou ao Brasil em 1929 e jamais voltou. Inicia suas atividades educacionais com os professores mineiros, mas, foi no atendimento à criança que seu trabalho educacional foi importante. Em 1932, sensibilizada pelas diferenças sociais da sociedade criou junto com outros profissionais liberais uma sociedade de assistência social e amparo à infância abandonada: a Sociedade Pestalozzi. Vieram em seguida o Instituto Pestalozzi, um projeto de escola-granja para amparar as crianças excepcionais e, em 1937, a Fazenda do Rosário, com o objetivo de dar continuidade às crianças do Instituto. Um projeto integrado de assistência a adultos, escolas de grau elementar ao superior, estabelecimentos de ensino geral e especializado, agrícola, profissional e normal. Em 26 de junho de 1951, o presidente Getúlio Vargas concedeu-lhe a cidadania brasileira. Este trabalho como educadora, em Minas Gerais, foi reconhecido nacionalmente. Foi professora catedrática de Psicologia Educacional na Universidade Federal de Minas Gerais e Professora Emérita da Faculdade de Educação da mesma universidade. Recebeu inúmeras homenagens e condecorações, entre outros: Medalhas da Inconfidência no Grau de Cavalheiro em 1960 e 1970; Cidadã Honorária de Minas Gerais em 1962; Cidadã Honorária de Belo Horizonte em 1968; Mãe do Ano em 1969; Ordem Cruzeiro do Sul em 1972; e ganhou o Prêmio Henning Albert Boilesen 1973. Em 09 de agosto de 1974, Helena Antipoff faleceu, em Belo Horizonte, aos 82 anos. Publicou inúmeros artigos em revistas internacionais e nacionais:1924, “Plano e Técnica do exame psicológico da criança”, J. Troudovaia, Leningrado; “O nível mental das crianças em idade pré-escolar”, em Journal Pedológico; “Étude de la personnalité par la méthode Lazoursky”, em Intermédiaire des Educateurs, Genebra; 1927, “L’expérimentation naturelle”, em Nouvelle Education, Paris; Étude des aptitudes motrices, em Intermédiaire des Educateurs; Contribution à la Constance, em Archives de Psychologie; L’Intérêt et usage des tests scolaires, em Intermédiaire des Educateurs; 1928, Tests collectifs d’intelligence globale: l’evolution et variabilité des fonctions motrices, em Archives de Psychologie; Compassion et Sentiment de Justice chez l’enfant, em Archives de Psychologie, Tomo XXI; 1929, L‘Ecriture’des ecoliers, avec Comas, Regina; 1930, Ideais e interesses das crianças de Belo Horizonte, em Boletim nº 6, Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, publicado também na revista Archives de Psychologie; Trabalho e Vocação, em Infância e Juventude, Rio de Janeiro; 1932, Desenvolvimento Mental da criança de Belo Horizonte, em Boletim nº 7, Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais; Formação de Classes Escolares, em Revista do Ensino e Boletim nº 18, SEDUC/MG; Test Prime, com Cunha, Maria Luiza de Almeida, em Revista do Ensino e Boletim nº 19, SEDUC/MG; 1935, Determinação da Idade biopsíquica da criança, em Minas Médica; 1937, Contribution typologique à l’étude de l’ergographie, em colaboração com Zilda Assunção, em Archives de Psychologie; 1944 “Como a escola pode contribuir para a formação de atitudes democráticas”, em Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro; 1946, “Teste de redação, em Psiché, nº 1 e em Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, nº 34, Rio de Janeiro; 1953, “Problemas dos Retardados na Escola Primária e Secundária”, em Educação, nº 41, Rio de Janeiro; Os retardados e seus tipos, em Revista Senac, Rio de Janeiro, novembro; 1961, Teste de redação, em Kriterion, Faculdade de Filosofia da UFMG, nº 55/56; “Sociometria”, em colaboração com Zenita Cunha em Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, FGV, Rio de Janeiro; 1966, “O Desenvolvimento Mental da Criança - Ficha de Observação para Uso de Psicólogos, médicos e educadores”, Belo Horizonte, Sociedade Pestalozzi, 4º edição; Fontes: Antipoff, Daniel, “Helena Antipoff - sua vida, sua obra”, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia Limitada, ANO; Arquivo do Conselho Estadual da Mulher de Minas Gerais; Entrevista, em 7 de julho de 1999 com Daniel Antipoff, feita por Jovita Levy Ginja, a pedido de Hildete Pereira de Melo. Autoria: Hildete Pereira de Melo é Doutora em Economia, Professora Associada da Universidade Federal Fluminense, editora da revista Gênero, pesquisadora da área de Relações de Gênero, História da Ciência, Feminismos, Economia Brasileira.
Heleieth Saffioti (1934-2010)
Socióloga, Professora, Escritora e Pensadora Feminista
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Heleieth Iara Bongiovani Saffioti nasceu em Ibirá (SP) em 04 de janeiro de 1934. Graduou-se em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) em 1960. Suas primeiras pesquisas sobre a condição feminina datam desta década. Elas foram o material utilizado na construção da sua tese de livre-docente defendida, em 1967, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), orientada pelo professor Florestan Fernandes. Este trabalho foi uma sólida contribuição ao estudo da posição da mulher na sociedade, e das representações a que dá lugar. Esta tese foi publicada pela Editora Vozes, em 1976 com o título deA Mulher na Sociedade de Classes ¿ Mito e Realidade. O livro não separa o problema da mulher dos problemas gerais da sociedade, mostrando de forma particular as relações entre a posição da mulher e o capitalismo. Com a análise da condição da mulher no Brasil, este projeto, nas palavras de Antônio Cândido de Mello e Souza no prefácio da edição de 1976, foi qualificado como ambicioso e complexo, mas executado com rara mestria. A efervescência do movimento de mulheres nos anos setenta transformaram este livro em um bestseller e a professora Heleieth, então regente da cadeira de Sociologia na UNESP, numa referência nacional para os estudos feministas. Sua trajetória intelectual, ao longo das últimas décadas, como agitadora no meio acadêmico da temática da condição feminina numa perspectiva marxista, levou-a, assim, das salas de aula de Araraquara, onde era professora titular da UNESP, para todo o Brasil, participando de seminários, congressos, orientando dissertações de mestrado e doutorado, tornando-se uma das mais prestigiadas pesquisadoras sobre a questão de gênero no Brasil. Assim, Heleieth tornou-se pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) junto ao Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), professora participante da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professora visitante na Faculdade Serviço Social da UFRJ. Em 1995, Heleieth foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz, juntamente com outras 51 brasileiras. Em 2012, a Câmara Municipal de São Paulo, por iniciativa da vereadora Juliana Cardoso (PT), criou o Prêmio Heleieth Saffioti, lançado no dia 19 de março de 2013, este Prêmio destina-se às mulheres e entidades de classe que tenham se destacado no combate a discriminação social, sexual e racial. Casou-se com o químico Waldemar Saffioti e teve um filho. Faleceu no dia 13 dezembro de 2010, na cidade de São Paulo (SP). Principais Obras: Profissionalização feminina: professoras primárias e operárias(1969); A Mulher na Sociedade de Classe ¿ Mito e Realidade, Petrópolis, Editora Vozes, 1976 ¿ teve várias edições; Emprego Doméstico e Capitalismo, Petrópolis, Editora Vozes, 1978; Do artesanal ao industrial: a exploração da mulher(1981); O fardo das trabalhadoras rurais (1983); Mulher Brasileira: Opressão e Exploração, Rio de Janeiro, Editora Achimé, 1984; Poder do Macho, Editora Moderna, 1987; Mulher Brasileira é Assim(1994); Violência de gênero: poder e impotência(1995). Publicou ainda diversos artigos em periódicos nacionais e estrangeiros. Fonte: Entrevistas feitas com Heleieth Saffioti por Hildete Pereira de Melo, em março de 2000 e em agosto de 2008. Curriculum Vitae de Heleieth Saffiotti; e POMPEU, Fernanda. Heleieth Saffioti. In. CHARF, Clara (Coord.). Brasileiras guerreiras da paz. São Paulo: Contexto, 2006. Autoria: Hildete Pereira de Melo é Doutora em Economia, Professora Associada da Universidade Federal Fluminense, editora da revista Gênero, pesquisadora da área de Relações de Gênero, História da Ciência, Feminismos, Economia Brasileira.
Gilda Rocha de Mello e Souza (1919-2005)
Ensaísta e Crítica de Arte
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Gilda Rocha de Mello e Souza (em solteira, Gilda de Moraes Rocha) nasceu em São Paulo a 24 de março de 1919 e cresceu no interior do estado, numa fazenda em Araraquara. Em 1930, foi para São Paulo estudar no colégio Stafford, onde se diplomou no final de 1934. Em 1936, cursou o Colégio Universitário e, no ano seguinte, ingressou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, recebendo o grau de bacharel em 1940. Gilda foi uma das primeiras mulheres a estudar na USP, sendo discípula de Roger Bastide, Claude Lévi-Strauss e Jean Maugüé. Em 1942, iniciou a carreira docente na qualidade de assistente de Roger Bastide junto à cadeira de Sociologia I. Em 1954, a convite de João Cruz Costa, transferiu-se para o Departamento de Filosofia da USP, como responsável pela cadeira de Estética, disciplina da qual foi a fundadora e que ensinou até se aposentar, em 1973. Entre 1969 e 1972, num período muito turbulento da história da Universidade, foi chefe do Departamento de Filosofia, ocasião em que fundou a revista Discurso, que é publicada até hoje. Em 1999, tornou-se Professora Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Gilda fez parte do grupo que em 1941 fundou a revista Clima, onde publicou regularmente. Sob a orientação de Bastide, defendeu em 1950 a tese de doutorado A moda no século XIX , publicada dois anos depois na Revista do Museu Paulista e, em edição modificada, em 1987, com o título de O Espírito das Roupas. Casou-se em 1943 com seu companheiro na Revista Clima e na Universidade, Antonio Candido de Mello e Souza, com quem teve três filhas. Faleceu em 25 de dezembro de 2005. Principais publicações: A moda no século XIX (1952); O Tupi e o Alaude (1979); Exercícios de Leitura (1980); O Espírito das Roupas (1987); e A idéia e o figurado (2005) Autoria: Laura de Mello e Souza é doutora em História Social pela Universidade de São Paulo, pesquisadora 1A do CNPq, professora titular de História Moderna da USP e filha da profa. Gilda Rocha de Mello e Souza.
Emília Snethlage (1868-1929)
Ornitóloga
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Henriette Mathilde Maria Elizabeth Emilie Snethlage, ou Emília Snethlage, como assinava nos textos publicados no Brasil, nasceu em 13 de abril de 1868, em Kraatz (atualmente pertencente a cidade de Gransee), na província de Brandenburgo, ao norte de Berlim. Filha de um pastor luterano, Emil Snethlage, e de sua esposa Elisabeth, perdeu a mãe aos quatro anos e foi educada em casa pelo pai. Aos 21 anos prestou o exame do governo prussiano que lhe permitia lecionar em escolas para moças. Em seguida, passou dez anos trabalhando como preceptora, na Inglaterra, na Irlanda e na Alemanha. Em 1900, ingressou na Universidade de Berlim para estudar Filosofia Natural. Tendo passado ainda pela universidade de Jena, Emília obteve seu doutorado - summa cum laude - em Freiburg im Breisgau, em 1904, uma das primeiras mulheres a se graduar na Alemanha. Snethlage foi aluna de dois expoentes do pensamento darwinista, que era forte nas ciências naturais na Alemanha nessa época: Ernest Haeckel (1834-1919) e Friedrich Weismann (1834-1914), este tendo sido seu orientador de doutorado. Após trabalhar um ano como assistente de zoologia no Museu de História Natural de Berlim, com o ornitólogo Anton Reichenow (1847-1941), Snethlage aceitou o convite do zoólogo suíço Emílio Goeldi (1859-1917) e veio para o Brasil em 1905. Goeldi havia reestruturado o Museu Paraense de História Natural e Etnografia, em Belém do Pará, instituição que hoje leva seu nome. Ao chegar a Belém, Emília deu início a uma fase extremamente profícua da sua carreira. Uma das suas realizações mais importantes foi a organização do Catálogo das aves amazônicas, publicado em 1914. Nessa obra, trabalhando com as coleções de aves da região amazônica do Museu Goeldi e com informações taxonômicas, biogeográficas e biológicas, Snethlage ordenou sistematicamente todas as informações sobre o assunto às quais teve acesso até 1913, apresentando 1.117 espécies de aves amazônicas. Essa obra foi fundamental para a ornitologia brasileira durante os setenta anos seguintes. A característica mais marcante da atuação de Snethlage como ornitóloga foi a grande ênfase no trabalho de campo, ao qual se dedicou durante toda a vida. A travessia que realizou a pé, acompanhada apenas por guias índios, entre os rios Xingu e Tapajós, em 1909, percorrendo um território até então desconhecido pela ciência, teve repercussão no meio científico internacional e levou àpublicação de artigos de cunho etnográfico. Entre 1914 e 1921, Snethlage foi diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi, uma das primeiras mulheres a ocupar um cargo de direção em uma instituição científica na América Latina. Foi um período difícil, pois a diretora enfrentou a grave crise comercial e monetária do final do período de exploração da borracha na Amazônia e as dificuldades decorrentes da situação política originada pela Primeira Guerra Mundial, na qual se opuseram Brasil e Alemanha. Em 1922, Emília passou a trabalhar como naturalista viajante no Museu Nacional do Rio de Janeiro, tendo como colegas Bertha Lutz e Heloísa Alberto Torres. A serviço da instituição, a ornitóloga fez longas viagens de pesquisa pelo Maranhão, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso e Goiás (rio Araguaia, ilha do Bananal), do Paraná ao Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai. O trabalho de Snethlage resultou em mais de quarenta artigos publicados no Brasil e no exterior, nos quais, além de apresentar importantes estudos biogeográficos sobre a avifauna brasileira, descreveu cerca de sessenta espécies e subespécies de aves. Os espécimes ornitológicos que coletou estão em diversas instituições brasileiras e estrangeiras. Foi membro da Academia Brasileira de Ciências e da International Society of Woman Geographers. Seu pioneirismo e a importância do seu trabalho foram reconhecidos no Brasil e no exterior por profissionais da área, como o zoólogo Alípio de Miranda Ribeiro, Edgard Roquette-Pinto – diretor do Museu Nacional entre 1926 e 1935 –, os ornitólogos alemães Ernst Hartert e Erwin Stresemann, além do ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt. O ornitólogo Helmut Sick dedicou a Emília Snethlage o importante livro Ornitologia brasileira, de 1985. Fontes:Osvaldo Rodrigues da Cunha, Maria Elizabeth Emilia Snethlage, Talento e atitude: estudos biográficos do Museu Emílio Goeldi, 1., Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, 1989, p.83-102; Marisa Correa, Antropólogas & antropologia, Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2003; Miriam Junghans, Emilia Snethlage (1868-1929): uma naturalista alemã na Amazônia, História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v.15, p.243-255, 2008. Elaborado por: Miriam Junghans. Autoria: Miriam Junghans é doutoranda do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Atua como pesquisadora na área de História, com ênfase em História das Ciências, e como tradutora de alemão.
ELOISA BIASOTTO MANO (1924 - )
Química
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Nasceu no Rio de Janeiro em 24 de outubro de 1924. Eloísa diplomou-se em Química Industrial em 1947 pela Universidade do Brasil, atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e, em 1955, formou-se no curso de Engenharia Química pela mesma universidade. Nos anos de 1956-1957, Eloísa foi para os EUA e iniciou seus estudos na área de polímeros na Universidade de Illinois, sob a orientação do professor Carl S. Marvel. Em 1961, concluiu o Doutorado em Química, ainda pela Universidade do Brasil. Viajou em 1964 para a Universidade de Birmingham, Inglaterra para pesquisar junto ao professor J.C. Bevington. A estadia neste laboratório sedimentou sua brilhante carreira de pesquisadora e tornou-a uma das maiores especialistas mundiais em polímeros. Trabalhou no Instituto Nacional de Tecnologia, no Laboratório de Borracha e Plásticos, no Rio de Janeiro. Em 1961, tornou-se livre docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro e professora catedrática da Escola Nacional de Química, em 1962, depois intitulada Instituto de Química e do Instituto de Macromoléculas (IMA). Em 1978, foi eleita membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Eloísa Mano foi a responsável pela criação, em 1968, do primeiro grupo de pesquisadores em polímeros no Brasil e este grupo foi a origem do Instituto de Macromoléculas/UFRJ, criado em 1976. Como reconhecimento ao seu trabalho, em 1994, este instituto incorporou seu nome e atualmente é Instituto de Macromoléculas Professora Eloísa Mano. Eloísa Mano foi inventora de cinco patentes, coordenando uma equipe de mais de 120 pesquisadores. Orientou 32 teses de mestrado e oito de doutorado. Publicou nove livros, escreveu capítulos em dois livros, 156 trabalhos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros e apresentou 239 comunicações em congressos nacionais e internacionais. Apresentou 135 conferências no país e no exterior. Suas pesquisas em polimerizações por adição, morfologia de poliolefinas, correlação entre estrutura química e propriedades de polímeros e reciclagem de plásticos estão na vanguarda científica mundial. Recebeu inúmeros prêmios nacionais e em 1998 foi-lhe outorgado o prêmio internacional The Polymer Science, Japan (SPSJ). Seu nome está incluído no Dictionary of International Biography ¿ 1995 e no Who¿s Who of the Year ¿ 1995. Em 1996, foi membro do Conselho dp Polymer Processing and Properties Center da Univesidade da Flórida ¿ Gainesville (EUA). Recebeu também a Ordem Nacional do Mérito Científico, na classe de Grã-Cruz, concedido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Sua atuação como pesquisadora reflete-se numa intensa participação em Comitês Editoriais dos principais periódicos internacionais e nacionais de polímeros. Aposentou-se compulsoriamente em 1994 e é professora emérita da UFRJ, desde 1995. Atualmente, é bolsista de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), como pesquisadora 1-A. Fontes: Academia Brasileira de Ciências, página WWW.abc.org.br/emano, 25 de abril de 2013, página www.ima.ufrj.br, 25 de abril de 2013. Portal do MCTI, WWW.mct.gov.br Autoria: Hildete Pereira de Melo é Doutora em Economia, Professora Associada da Universidade Federal Fluminense, editora da revista Gênero, pesquisadora da área de Relações de Gênero, História da Ciência, Feminismos, Economia Brasileira.
Carmem Portinho (1903-2001)
Engenheira, Urbanista e Militante Feminista
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Nasceu na cidade de Corumbá (Mato Grosso do Sul), no dia 26 de janeiro de 1903. Veio muito cedo para o Rio de Janeiro. Participou ativamente do movimento feminista, lutando desde 1919 junto de Bertha Lutz e outras mulheres pelo direito ao voto. Foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e também sua vice-presidente. Esteve à frente das lutas femininas pela conquista da cidadania nas décadas de 1920 e 1930, batalhadora incansável pela igualdade entre mulheres e homens. Carmem foi a terceira mulher a se graduar em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da antiga Universidade do Brasil, no ano de 1925. Foi também uma ativista pela educação e pelo reconhecimento do trabalho feminino fora de casa. Assim, em 1929, Carmem, junto com outras mulheres universitárias, fundaram a União Universitária Feminina, entidade dedicada a incentivar as mulheres no mundo do trabalho. Fez uma brilhante carreira profissional. Ao colar grau em abril de 1926, Carmem foi nomeada engenheira-auxiliar pelo então prefeito do Distrito Federal Alaor Prata, paraninfo da turma. A nomeação foi provavelmente motivada, segundo o seu depoimento, por ser a única mulher na turma. Dessa forma, Carmem ingressou no quadro de engenheiros da Diretoria de Obras e Viação da Prefeitura da Capital Federal. Desde 1925, ainda no último ano do curso de engenharia, Carmem começou a dar aulas no Colégio Pedro II. Contudo, o fato de uma mulher ministrar aulas num internato masculino foi um escândalo. O próprio ministro da Justiça quis interferir na nomeação dela para o colégio, mas não conseguiu tirá-la da cátedra. Assim sendo, Carmem permaneceu lecionando por mais três anos, até decidir pedir demissão. Como a Diretoria de Viação e Obras da prefeitura era ocupada por um velho engenheiro, que não confiava muito na competência feminina, a primeira tarefa que ele a incumbiu foi a de vistoriar um pára-raios instalado no alto do antigo edifício da prefeitura. Para realizar essa tarefa, Carmem teria que subir no telhado do prédio, uma dificuldade que o velho chefe achava que ela, por ser mulher, não conseguiria superar. Por sorte, a jovem engenheira tinha treinamento em alpinismo, pois quando ainda era estudante pertenceu ao Centro Excursionista Brasileiro e havia escalado todos os morros cariocas. Nas palavras de Carmem Portinho: - Subir em um telhado era sopa! Muito mais difícil, segundo ela, era saber como funcionava o pára-raios, uma vez que sua especialidade era a engenharia civil. Suas desventuras com esse primeiro chefe não pararam por aí. Desconfiada de que não seria promovida por mérito, devido ao fato de ser mulher e pelo fato de que, à época, as promoções por merecimento dependiam de “pistolão”, ainda que ela fosse uma funcionária competente e dedicada ao trabalho, Carmem arquitetou um plano para obter a sua merecida promoção. Naquela época, o Presidente da República Washington Luiz, dava toda segunda-feira uma audiência pública: ele ficava lá no gabinete horas em pé ouvindo queixas e pedidos. Então, eu peguei aquela fila imensa e, quando chegou a minha vez, contei o caso: “Sou engenheira, trabalho na prefeitura, dou conta do meu dever e trabalho muito. Podem consultar os meus chefes. Agora vai haver promoção e me considero com merecimento para recebê-la. Só que não conheço ninguém para me apresentar. Vim pedir ao senhor que saiba da minha vida, do meu trabalho e me ajude, caso julgue que mereça.” Washington Luiz respondeu:“Pois não!”,e disse para o comandante Braz Velloso, que o acompanhava nas audiências:“Tome nota e providencie isso!” Carmem foi promovida a engenheira de segunda classe e quando foi receber a promoção, seu chefe lhe disse: - A senhora pode estar certa que não dei um passo para sua promoção. Como desde o início de sua carreira foi trabalhar num canteiro de obras, sua primeira construção foi a Escola Ricardo de Albuquerque, no subúrbio do mesmo nome e que ainda hoje existe. Casou-se no início dos anos 1930 com médico Gualter Adolpho Lutz (1903-1969), irmão de Bertha Lutz, do qual se separou poucos anos depois. Ainda nesta década, fez o primeiro curso de urbanismo do país. Poucos anos depois, candidatou-se a uma bolsa do Conselho Britânico para estagiar junto às comissões de reconstrução e remodelação das cidades inglesas destruídas pela guerra, como uma forma de complementar seu curso de urbanismo. Aprovada a bolsa, Carmem seguiu para a Inglaterra, onde chegou ainda com a guerra em curso. Foi uma experiência importante, como ela relatou mais tarde, pois pode sentir o problema da falta de moradia e acompanhar de perto as propostas e o esforço para a solução do problema. Voltando da Inglaterra, Carmem fez uma proposta ao prefeito do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, de criação de um Departamento de Habitação Popular. Dessa maneira, tornou-se uma das responsáveis pela introdução do conceito de habitação popular no Brasil, uma vez que, evidentemente, as desigualdades sociais brasileiras faziam com que a moradia também fosse um problema grave na própria Capital Federal. O prefeito do Distrito Federal aceitou a proposta e acabou nomeando-a diretora do novo departamento. Assumindo o departamento, Carmem propôs e construiu, na década de 1950 o conjunto residencial ‘Pedregulho’, no bairro de São Cristóvão. O projeto arquitetônico de 'Pedregulho' coube a Afonso Eduardo Reidy, seu marido, na ocasião e membro integrante do mesmo Departamento de Habitação Popular da prefeitura. Também foi de autoria de Afonso Reidy o projeto arquitetônico do conjunto da Gávea, onde, novamente, Carmem foi à engenheira responsável pela obra. A construção dos conjuntos habitacionais projetou-a no Brasil e no exterior como engenheira de renome, mas o conjunto de 'Pedregulho' ela não chegou a acompanhar a construção até o fim, pois, com a ascensão do jornalista Carlos Lacerda ao governo da Guanabara em 1962, Carmem acabou pedindo aposentadoria e saiu do serviço público. Suas divergências políticas com Lacerda eram irreconciliáveis. Não obstante deixar a carreira pública, permaneceu em plena atividade profissional, trabalhando desta vez para a iniciativa privada. Assumiu a construção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que também fora projetado por Reidy. Em meados da década de 1960, a convite do governador da Guanabara, Francisco Negrão de Lima, criou a Escola Superior de Desenho Industrial, uma experiência pioneira para a época. Naqueles anos, mesmo no exterior, havia poucas escolas de desenho industrial, das quais, a mais famosa era a Bauhaus, na Alemanha. Coube, assim, a Carmem dirigir, por vinte anos a Escola de Desenho Industrial, depois incorporada a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O movimento feminista, como homenagem a sua luta em prol das mulheres brasileiras, por meio do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) convidou-a, entre outras mulheres, em 1987 para entregar ao presidente da Câmara Federal deputado Ulisses Guimarães, a Carta das Mulheres aos Constituintes com as reivindicações das mulheres à nova Constituição. Carmem teve dois casamentos: o primeiro com o irmão de Bertha Lutz, o médico Gualter Adolpho Lutz (1903-1969) e outro com o arquiteto Afonso Eduardo Reidy (1909-1964). Faleceu no Rio de Janeiro em 25 de junho de 2001. Fonte: Entrevista concedida a Vera Rita da Costa para a revista Ciência Hoje, publicada em novembro de 1995. Extraída do livro Cientistas do Brasil - depoimentos, Sociedade Brasileira para o Progresso Brasileiro - SBPC, São Paulo, 1998. Carmem Portinho,verbete do Dicionário Histórico Biográfico pós 1930, 2º Ed., Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2001. Autoria: Hildete Pereira de Melo é Doutora em Economia, Professora Associada da Universidade Federal Fluminense, editora da revista Gênero, pesquisadora da área de Relações de Gênero, História da Ciência, Feminismos, Economia Brasileira.
Carlota Pereira de Queiroz (1892-1982)
Médica e Política. Primeira mulher eleita deputada federal no Brasil
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Nasceu na cidade de São Paulo no dia 13 de fevereiro de 1892, filha de José Pereira de Queirós e de Maria de Azevedo Pereira de Queirós. Carlota formou-se na Escola Normal da Praça da República, em São Paulo, onde concluiu o curso secundário. Foi inicialmente inspetora da Escola Normal de São Paulo de 1910 a 1913 e tornou-se professora em 1914. Em 1920, veio lecionar no Rio de Janeiro e ainda nesse ano ingressou na Faculdade de Medicina de São Paulo. Em 1922, deixou o Jardim de Infância de São Paulo e assumiu o cargo de diretora dos cursos noturnos da Mooca e em 1923 dirigiu a Escola Noturna Feminina de São Paulo e reingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, formando-se em 1926, com a tese Estudos sobre o câncer, monografia vencedora do prêmio Miguel Couto. Ainda em 1926 tornou-se diretora da escola das Mãezinhas do Hospital Artur Bernardes, no Rio de Janeiro. Em 1928, assumiu a chefia do laboratório da clinica pediátrica da Faculdade de Medicina de São Paulo. Em 1929, viajou para a Suíça para fazer um estudo sobre dietética infantil, patrocinado pelo governo paulista. Seu envolvimento político deu-se na Revolução Constitucionalista de 1932 (julho a outubro) que mobilizou o Estado de São Paulo, contra o governo provisório de Getúlio Vargas. Carlota organizou um grupo de setecentas mulheres para providenciar assistência aos feridos. Esse trabalho conferiu a Carlota grande prestígio e foi indicada na relação dos vinte e dois candidatos da Chapa Única por São Paulo Unido, elaborada pela Federação dos Voluntários. Como as principais lideranças paulistas tanto do Partido Republicano Paulista (PRP) como do Partido Democrático (PD) estavam exiladas, mas os partidos não eram impedidos de concorrer, estes decidiram se unir e apresentar uma chapa única, tendo a destacada atuação de Carlota durante o episódio revolucionário garantido a ela um lugar na citada chapa. Empossada em novembro de 1933, Carlota participou dos trabalhos constituintes integrando a Comissão de Saúde e Educação. Foi de sua autoria o primeiro projeto brasileiro sobre a criação de serviços sociais no país. O estabelecimento da obrigatoriedade de verbas destinadas à assistência social possibilitou a construção da Casa do Jornaleiro e do laboratório de Biologa Infantil, anexo ao Serviço de Menores.Eleita deputada federal nas eleições de outubro de 1934 na legenda do Partido Constitucionalista de São Paulo, permaneceu na Câmara Federal até a promulgação do Estado Novo e o conseqüente fechamento do Congresso Nacional em novembro de 1937. Em 1934, havia ingressado no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Em 1942, foi eleita membro da Academia Nacional de Medicina. Nas eleições posteriores a partir dos anos 1940 apresentou-se algumas vezes, mas foi derrotada e não foi mais eleita para nenhum mandato político. Em 1950 fundou a Associação Brasileira de Mulheres Médicas que presidiu por vários anos e apoiou o movimento político-militar de 1964. Teve uma intensa vida profissional, com passagens em hospitais alemães, franceses e suiços, membro da Academia Paulista de Medicina e da Academia Nacional de Medicina de Buenos Aires e membro correspondente da Associación Française pour l’Étude du Cancer. Faleceu em São Paulo no dia 14 de abril de 1982. Publicações: Sistema Froebel e Montessori (1920), Estudos sobre o Câncer (1926), Diário de um Tropeiro (1937), Exame Hematológico e Medicina Social, Exame de Hemorragias nas Tonsilectomias (1940), Das Vantagens de generalização do exame hematológico e sua aplicação em medicina social (1941), Vida e Morte de um Capitão-Mor e Um fazendeiro paulista no século XIX. Fontes: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro: 1930-1981. FGV, Rio de Janeiro, Ed.Forense-Universitária, 1984. 1º vol. Melo, Hildete Pereira de & Casemiro, M. Carolina P., “A Ciência no feminino: uma análise da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Ciência”, em revista do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UERJ, 2003. Autoria: Hildete Pereira de Melo é Doutora em Economia, Professora Associada da Universidade Federal Fluminense, editora da revista Gênero, pesquisadora da área de Relações de Gênero, História da Ciência, Feminismos, Economia Brasileira.
BERTHA BECKER ( 1930 - 2013)
Geógrafa
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Bertha Koifmann Becker nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 07 de novembro de 1930. Fez seus estudos na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro (FNFi/UFRJ), e graduou-se como Bacharel e Licenciada em Geografia e História, respectivamente no ano de 1952. Ingressa como docente em 1958 na Universidade do Brasil (UFRJ) e, em 1970, defendeu a tese de doutoramento em Ciências no Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Neste mesmo ano defendeu a tese de Livre-Docência no mesmo Instituto. Em 1986, realizou um Pós-Doutorado na prestigiada universidade americana - Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), no Department of Urban Studies and Planning. Foi aprovada como professora titular do Instituto de Geociências, em 1994 e trabalhou neste Instituto até 2000. Aposentou-se, mas continuou suas atividades de pesquisadora e docente como professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora do Laboratório de Gestão do Território (LAGET/UFRJ) até os dias atuais. A professora e pesquisadora Bertha dedicou boa parte de sua vida intelectual e científica aos estudos sobre a Amazônia. Seus estudos empíricos e teóricos fazem uma síntese das mudanças provocadas pelas tranformações ocorridas nas dinâmicas espaciais da região amazônica. É membro titular da Academia Brasileira de Ciência, desde 06 de junho de 2006. É consultora ad hoc de várias instituições científicas e membro de conselho editorial de editoras nacionais e internacionais. Coordena diversos projetos de pesquisa e participa da elaboração de políticas públicas nos Ministérios de Ciência e Tecnologia, da Integração Nacional e do Meio Ambiente. Principais Obras: Dimensões Humanas da Biodiversidade - O Desafio de Novas Relações Sociais (co-autoria de Irene Garay); Migrações Internas no Brasil - Reflexo da Organização do Espaço Desequilibrada Tecnologia e gestão do território (Bertha Becker et al.); Amazônia. Geopolítica na virada do III Milênio (2004, Garamound, 172 pag, Rio de Janeiro; Um Futuro para Amazônia (co-autoria de Claudio Stenner); Dilemas E Desafios Do Desenvolvimento Sustentável (Bertha Becker, Ignacy Sachs e Cristovam Buarque); Geopolítica da Amazônia, São Paulo:Garamond: 2006. Recebeu como reconhecimento do significado da importância do seu trabalho científico os seguintes títulos e homenagens: Títulos Honoríficos: Comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico - Presidente da República do Brasil - 2007. Conferencista Emérita - Escola Superior de Guerra - 2007; Doutor honoris causa - Universidade de Lyon III, França - 2005; Medalhas: Medalha Amigos da Marinha - Marinha do Brasil - 1999; Medalha Carlos Chagas Filho de Mérito Científico - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - 2000; Medalha David Livingston Centenary - American Geographical Society - 2001; Medalha do Mérito Geográfico - Sociedade Brasileira de Geografia - 2007. Homenagens:Homenagem do Grupo de Geógrafos Franceses - Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília (UnB) - 2003; Homenagem do Departamento de Geografia - UNESP, Campus de Rio Claro - 2003. Fonte: Currículo Lattes/CNPq, acesso em 03 de maio de 2013; e página da ABC www. abc.org.br, acesso no dia 03/05/2013. Autoria: Hildete Pereira de Melo é Doutora em Economia, Professora Associada da Universidade Federal Fluminense, editora da revista Gênero, pesquisadora da área de Relações de Gênero, História da Ciência, Feminismos, Economia Brasileira.
AMÉLIA IMPÉRIO HAMBURGER (1932 - 2011)
Física
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Neta de imigrantes italianos que vieram para o Brasil no final do século XIX, Amélia Império Hamburger, filha de Domingos Império e Helena Fausto Império, nasceu em 12 de julho de 1932 em São Paulo. Estudou no Ginásio Estadual Caetano de Campos e no Colégio Rio Branco. Formou-se bacharel em Física na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL/USP) em 1954, então situada na Rua Maria Antonia. Estudou e trabalhou com a primeira geração de físicos brasileiros, formada pelos cientistas italianos Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini, fundadores do Departamento de Física dessa Faculdade, como Mário Schenberg, Marcello Damy de Souza Santos, César Lattes e Oscar Sala. Teve sua iniciação científica no Laboratório do Acelerador Eletrostático Van de Graaff, dirigido por Oscar Sala. De 1957 a 1960, Amélia esteve na Universidade de Pittsburgh, nos EUA, onde obteve o título de mestre, após ser co-autora de um trabalho de Física Nuclear Experimental publicado no 1º número da então nova e já prestigiosa revista Physical Review Letters. Ao voltar foi contratada no Departamento de Física da FFCLUSP, onde se tornou professora assistente em 1964. Entre 1965 e 1967, voltou a Pittsburgh, agora na Universidade Carnegie Mellon, onde trabalhou em Física do Estado Sólido. De volta a S. Paulo dedicou-se a pesquisas na nova área de pós-graduação em Ensino de Ciências, orientando muitos estudantes. Seus trabalhos são interdisciplinares, envolvendo história, epistemologia da ciência, psicologia e aprendizagem. Organizou o acervo documental do Departamento de Física da FFCLUSP e divulgou-o em exposições. Colaborou na criação de várias exposições didático-científicas sobre a física nuclear no Brasil. Foi ativa em sociedades científicas e profissionais, tendo sido membro fundador e do Conselho e da Diretoria da SBF (Sociedade Brasileira de Física), e conselheira e/ou membro da diretoria da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), SBHC (Sociedade Brasileira para História da Ciência) e ADUSP (Associação de Docentes da USP). Suas publicações, além dos artigos de pesquisa e ensino de ciências, abrangem as áreas de história da física e história da ciência, política científica e tecnológica no Brasil, cooperação científica internacional e artes plásticas. Entre suas publicações estão Obra científica de Mario Schenberg vol.1, organização e editoração (Edusp, 2009), vencedor do Prêmio Jabuti em 2010 na categoria de Ciências Exatas, Tecnologia e Informática; FAPESP 40 anos - Abrindo Fronteiras (FAPESP/Edusp, 2004), da qual foi organizadora e editora, e co-autora emUma História de Política Científica e Tecnológica (FAPESP, 1999), organizado por Shozo Motoyama e Marilda Nagamini;A ciência e as relações Brasil-França 1850-1950, co-organizadora e co-autora (Edusp/FAPESP,1996). Após a morte precoce de seu irmão Flávio Império, professor, arquiteto, artista plástico e cenógrafo, Amélia fundou, em 1989, junto com Renina Katz, Mauricio Segal, José Mindlin, Maria Theresa Vargas, entre outros amigos, a Sociedade Cultural Flávio Império. Nessa qualidade organizou, com Renina Katz, o livro Flávio Império, da série Artistas Brasileiros publicado pela Edusp, em 1999 e impulsionou diversas exposições sobre o seu trabalho. Amélia faleceu em São Paulo, em 1º de abril de 2011 aos 78 anos de idade, deixando um legado de mais de quarenta anos de intensas atividades como docente, pesquisadora e divulgadora da ciência. Foi casada com o físico e professor Ernst Wolfgang Hamburger, com quem teve os filhos Esther, Sônia, Carlos (Cao), Vera e Fernando (Feco), atuantes no cenário acadêmico, artístico e cultural do país. Por sua significativa contribuição para o desenvolvimento da ciência brasileira recebeu diversas homenagens in memoriam, citamos duas: na 63ª Reunião Anual da SBPC, realizada em julho de 2011 na Universidade Federal de Goiás e a Medalha Anchieta concedida pela Câmara Municipal de São Paulo em sessão solene de 26 de setembro do mesmo ano. Fontes: Silvio Salinas, professor do IF-USP, organizador e autor, com Antônio Augusto Videira, do livro A Cultura da Física: Contribuições em Homenagem a Amélia Império Hamburger, Ed. Livraria da Física, 2001; Agência Fapesp http://agencia.fapesp.br/13676 ; Plataforma Lattes - CNPq http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4780525A6 ; e Noticiência http://noticienciadigital.blogspot.com.br/2011/04/fisica-nuclear-perde-amelia-hamburger.html Autoria: Ligia Pavan Baptista e família Hamburger Ligia Pavan Baptista é Professora de Ética e Política na Universidade de Brasília Bacharel, Mestre e Doutora em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.