Notícias
Paradesporto Escolar
As muitas vidas de Emanuelle Victória até o ouro nas Paralimpíadas Escolares 2022
Entre uma competição e outra, os mais de 1,3 mil estudantes-atletas que disputam as Paralimpíadas Escolares em 14 modalidades têm uma grande variedade de atrações para se socializar: versões “vintage” de fliperamas, jogos de mesa, apetrechos tecnológicos que produzem vídeos curtos e espaços de convivência. De perfil mais contido, a nadadora paranaense Emanuelle Victória, 15 anos, prefere focar no silêncio e na concentração.
>> Fotos em alta resolução da natação nas Paralimpíadas Escolares
Nesta quarta, 23.11, a estratégia deu certo. Na primeira prova que disputou, Emanuelle conquistou o ouro nos 50m livre da Classe S6 (na natação paralímpica, as classes vão de 1 a 10 e, quanto menor o número da categoria, maior o comprometimento motor). Ela saiu da piscina com o melhor tempo de sua carreira, com 43s22. Uma marca que a posiciona entre as cinco melhores do país na distância, incluindo aí atletas adultas. No ano passado, ela foi campeã brasileira dos 200m, tanto na categoria principal quanto nos Jogos Escolares.
A sensação é de que comecei a viver agora. Nunca imaginei que isso tudo aqui existia. Eu só conhecia o hospital e a minha casa. Aqui, tenho amigos e pessoas que me compreendem. Posso distrair minha cabeça. A água me ajuda a resolver problemas”
Emanuelle Victória, atleta da natação - PR
O resultado esportivo de Emanuelle é um contrassenso a prognósticos e estatísticas médicas. Ela nasceu com mielomeningocele, uma má-formação na coluna vertebral e na medula espinhal, além de hidrocefalia. Foi desenganada por diversos médicos, mas a mãe, Regina Célia, insistiu na gestação. Gastou todas as economias da família para lidar com as inúmeras cirurgias necessárias para a sobrevivência da menina. Enquanto cuidava da filha, Regina ainda enfrentou um câncer.
Ao todo, Emanuelle encarou 12 anos de longas e constantes internações. A última intervenção, feita para realizar a rotação da tíbia, osso localizado entre os joelhos e os pés, exigiu um ano e meio de internação no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília (DF). “O meu pé era para trás. Precisei fazer a rotação para ele ficar para frente”, relata Emanuelle.
Fisioterapia e talento
Para liberar a paciente, a equipe técnica do hospital determinou que a adolescente adotasse a natação como prática de fisioterapia. Na cidade em que vivem, Mandaguari (PR), não havia opção de treinamento, mas em Maringá, cidade vizinha, a família encontrou o treinador e doutorando em Promoção da Saúde José Alípio Gouveia.
As aulas tiveram início em 2019 e, de imediato, o técnico percebeu que Emanuelle tinha potencial, foco e força de vontade. “Três meses depois da primeira aula, ela já se sagrou campeã nos jogos escolares do estado. Em dezembro de 2019, completou 14 anos e veio para a etapa nacional. Das cinco provas que disputou, ganhou quatro”, lista. Os benefícios da modalidade, segundo o professor, transcendem as raias da piscina. “Hoje ela tem autonomia de fala, superou a timidez, amadureceu e ganhou autoestima”, destaca.
BPC e Bolsa Atleta
Cuidando da filha em tempo integral, Regina não teve como se reintegrar ao mercado de trabalho e passou a receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Pago pelo Ministério da Cidadania, o BPC garante um salário mínimo por mês a idosos em condição de vulnerabilidade social e a pessoas com deficiência de qualquer idade.
Foram muitas lutas, passamos por muita coisa. Hoje a vejo saudável, viajando sozinha. Eu me sinto realizada, tenho a sensação de missão cumprida”
Regina Célia, mãe da atleta
Assim que os primeiros resultados esportivos vieram, a Emanuelle passou a receber, ainda, o Bolsa Atleta na categoria Nacional. O programa da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania é voltado para atletas de alto rendimento que se destacam em competições dos programas olímpicos e paralímpicos.
Hoje, ela também recebe recursos de um programa estadual de apoio ao esporte. A renda extra permite custear treinos, academia, sessões de fisioterapia, consultas nutricionais e a compra de equipamentos de melhor qualidade.
O crescimento no esporte também deixou para trás os tempos em que era necessário empurrar a cadeira de rodas por dez quarteirões para embarcar num ônibus intermunicipal. Agora, um veículo da prefeitura de Mandaguari auxilia no trajeto entre as cidades. “Foram muitas lutas, passamos por muita coisa. Hoje a vejo saudável, viajando sozinha. Eu me sinto realizada, tenho a sensação de missão cumprida”, comemora Regina.
Provas da natação durante as Paralimpíadas Escolares 2022. Foto: Ricardo Valarini/ Min. Cidadania |
Passaporte e perspectivas
Apaixonada por viagens, a atleta realizou, em 2021, um grande sonho: participar de uma competição internacional, na Argentina. Se depender dos resultados que vem colecionando, ela não dará descanso ao passaporte. O treinador acredita que conseguirá levá-la ao Parapan-Americano de Jovens, que será em 2023, em Bogotá, na Colômbia.
“Nunca imaginei que isso tudo aqui existia. Eu só conhecia o hospital e a minha casa. Aqui, tenho amigos e pessoas que me compreendem. Posso distrair minha cabeça. A água me ajuda a resolver problemas”, descreve a atleta.
Porta-bandeira e oradora
Na Cerimônia de Abertura das Paralimpíadas Escolares, Emanuelle teve ainda dois outros momentos simbólicos e significativos em sua trajetória. Além de ser a porta-bandeira do estado do Paraná no evento, coube a nadadora a honra de fazer o juramento em nome de todos os atletas inscritos.
“Ali passou na minha cabeça um filme muito forte, sabe? A sensação é de que comecei a viver agora. Durante dez anos da minha vida eu perdi bastante tempo. Agora, ver que eu estou aqui, participando de coisas legais, é incrível”, afirma.
Assessoria de Comunicação – Ministério da Cidadania