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Entrevista
Conheça a Artigo 19
A Artigo 19 tem se destacado nos últimos anos pelo forte engajamento com os princípios de governo aberto e de liberdade de informação e expressão. Confira abaixo entrevista realizada pela Equipe OGP Brasil com a Diretora Executiva da Artigo 19 Paula Martins e com as especialistas Bárbara Paes e Joara Marchezini.
A Artigo 19 tem como um de seus princípios a defesa da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e do direito a saber. Em linhas gerais, fale um pouco mais sobre a história da Artigo 19 e seus objetivos.
A ARTIGO 19 é uma organização não-governamental de direitos humanos nascida em 1987, em Londres, com a missão de defender e promover o direito à liberdade de expressão e de acesso à informação em todo o mundo. No Brasil, a ARTIGO 19 realiza atividades desde 2005 e, desde fevereiro de 2007, mantém um escritório na cidade de São Paulo. Trabalhamos junto a órgãos governamentais e grupos da sociedade para criar um ambiente propício à liberdade de expressão e informação. Isso inclui a redação de análises e pareceres sobre a adequação de peças legislativas e administrativas a boas práticas e padrões internacionais de liberdade de expressão e informação, produção de relatórios e campanhas, promoção de treinamento para o direito à informação voltado para grupos da sociedade civil e servidores públicos; assessoria na formulação de pedidos de informação e no recurso a pedidos de informação negados ou não respondidos; acompanhamento dos processos de implantação de grandes obras e empreendimentos, através de estudos de caso sobre transparência, particularmente no que se refere à Copa e às Olimpíadas.
Com representação em nove países, a Artigo 19 consegue avaliar especificidades de diversos governos e sociedade civil. De forma geral, quais são, atualmente, os grandes avanços e desafios identificados em relação à liberdade de expressão e informação?
A ARTIGO 19 acredita que três elementos são fundamentais para avançarmos na agenda de liberdade de expressão e acesso à informação no mundo: 1-) Leis e políticas fortes são a base para que todos possam se expressar, procurar, receber e transmitir informações; 2-) Accountability e transparência na tomada de decisões é fundamental para a concretização dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável e 3-) Uma sociedade civil ativa e empoderada é essencial para utilizar a liberdade de expressão e o direito à informação para conseguirmos dignidade, equidade, boa governança e desenvolvimento sustentável. Nesse cenário, os desafios são o aumento crescente de medidas que criminalizam e cerceiam a liberdade de expressão, a concentração da mídia, a desigualdade do acesso à internet, o modelo de desenvolvimento não inclusivo, a polarização dos discursos e a dificuldade de promover uma participação social informada que incida em todas as etapas da tomada de decisão. Hoje 103 países possuem uma Lei de Acesso à Informação e mais 40 têm projetos de lei ou outras iniciativas. Isso significa que atualmente cerca de 86% das pessoas do mundo vive em países que possuem uma Lei de Acesso à Informação ou uma política de acesso à informação. Esses dados mostram que estamos caminhando, globalmente, para um cenário mais propenso à garantia do direito à informação, desde que tenhamos as medidas necessárias para a implementação desse direito. Os objetivos de desenvolvimento sustentável representam um grande avanço ao demonstrar que os temas de liberdade de expressão e acesso à informação influenciam diretamente no desenvolvimento sustentável e nos direitos humanos, mas sua implementação depende de recursos e vontade política, bem como um acompanhamento constante da sociedade civil.
“Caminhos da Transparência – A Lei de Acesso à Informação e os Tribunais de Justiça” é uma pesquisa singular que avaliou os níveis de transparência nos Tribunais de Justiça estaduais dos 27 entes federativos do Brasil. Qual foi a metodologia aplicada na pesquisa e quais seus resultados?
A cada aniversário da LAI, a ARTIGO 19 publica um relatório que analisa os resultados do monitoramento de sua implementação. Em 2016, a avaliação foi direcionada a alguns dos órgãos que compõem o Poder Judiciário brasileiro: entre os meses de dezembro de 2015 e abril de 2016, foram analisados os 27 Tribunais de Justiça Estaduais.
Para a análise da transparência ativa (aquela que se refere a informações espontaneamente publicadas pelos órgãos), foram utilizados critérios que consideraram as funções administrativas, tendo como base os mínimos previstos pela LAI e pela Resolução nº 215 de 2015 do CNJ. Para a transparência passiva (aquela que se refere à divulgação de informações mediante solicitação), foram enviados três pedidos de informação para cada um dos Tribunais de Justiça Estaduais. A análise da transparência ativa foi elaborada ao longo do mês de março de 2016 e se baseou exclusivamente nas informações disponíveis nos portais dos órgãos analisados.
De forma geral, no que se refere à função administrativa, verificamos que os dois grandes desafios observados foram a inexistência de informações sobre participação popular e a ausência da lista de documentos classificados e desclassificados, sendo que este último foi encontrado em apenas um dos sites. Em relação à função jurisdicional, nenhum tribunal permite o acesso aos processos judiciais sem restrições, mas 25 de 27 tribunais permitem acesso irrestrito à jurisprudência.
Nenhum dos órgãos cumpriu todos os requisitos de transparência ativa estabelecidos pela LAI. O Tribunal de Justiça de Sergipe foi aquele que cumpriu o maior número de critérios (cinco dos seis), apresentando, no entanto, falhas no critério de participação popular. Já os tribunais pior avaliados foram os do Piauí e de Rondônia, que só cumpriram um critério cada. Por outro lado, o critério relativo a informações sobre orçamentos e sobre programas e projetos tiveram um alto cumprimento – 81,5% e 85,2%, respectivamente. Apenas o Tribunal de Justiça de Sergipe divulga a lista de documentos classificados e desclassificados em seu site, uma das obrigações que a LAI prevê. O número baixo também foi registrado na análise das informações sobre participação popular no Judiciário: só três tribunais as divulgavam (os de Goiás, Minas Gerais e Maranhão).
Para a transparência passiva, a ARTIGO 19 fez três pedidos de informação referentes à implementação da LAI: um sobre orçamento interno para a LAI, um sobre pedidos indeferidos (número de pedidos e suas respectivas justificativas de indeferimento) e um sobre o rol de documentos que foram classificados e desclassificados pelo órgão. No total, foram enviados 81 pedidos de informação, dos quais apenas 29,6% foram integralmente respondidos. Outros 12,3% receberam respostas parciais e, 1,2% não possuíam a informação. O destaque negativo deste relatório é o número alto de pedidos de informação que sequer foram respondidos: 56,8% do total.
Uma das constatações mais alarmantes foi o número de pedidos que foram simplesmente ignorados. Em mais da metade dos casos (56,8%) não houve resposta aos pedidos enviados. Para agravar, do total de respostas que os tribunais concederam, menos de um terço (29,6%) foram classificadas como satisfatórias, sendo que o tempo médio no qual elas foram enviadas foi longo: 26 dias. A ARTIGO 19 precisou ainda de um alto número de recursos para obter as respostas. Diante dos 81 pedidos de informação enviados, foi preciso entrar com 57 recursos em primeira instância diante de respostas que foram negadas. Desses, 43 foram para a segunda instância e 3, para a terceira instância. Outro fator preocupante é que menos da metade dos tribunais (10 de 27) disponibilizam formulários específicos para o envio de pedidos de informação por meio do próprio site.
Como membro do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil, no âmbito da OGP Brasil, qual é a avaliação da Artigo 19 em relação ao grau de contribuição e impacto que os avanços em transparência, accountability e participação social promovidos pelos Planos de Ação brasileiros?
Os planos de ação, em especial os dois primeiros, trouxeram importantes marcos no que tange ao acesso à informação, principalmente porque coincidiu com o período de promulgação da LAI. O primeiro plano de ação, por exemplo, levou à realização de estudos sobre o tema, treinamentos, e capacitação de servidores públicos em acesso à informação. Durante o segundo plano de ação, a CGU publicou relatórios de monitoramento do Sistema Eletrônico de Serviço de Informação ao Cidadão, essenciais para que a CGU e a sociedade civil monitorem a plena implementação da Lei no âmbito do Poder Executivo Federal. Já em relação ao 3º Plano de Ação, percebemos um espaço maior para a participação da sociedade civil e uma melhora na comunicação das ações da OGP pelos órgãos de governo. A discussão e a construção coletiva da metodologia, bem como a existência de consultas públicas para definição dos temas de atuação e validação dos compromissos estabelecidos, trazem maior legitimidade ao processo e permitem uma aproximação com a função de promover mudança social que a OGP estabelece. A CGU e o GT têm promovido esforços garantir a inclusão de mais atores da sociedade civil nas oficinas de co-criação e para manter a transparência durante todo o processo. No momento, o 3° Plano de Ação está atrasado, mas tanto a CGU quanto o GT estão trabalhando para que o plano seja finalizado em novembro e para que as oficinas pendentes aconteçam o quanto antes.
Em linhas gerais, como a Artigo 19 pode continuar contribuindo para o fomento de governo aberto no Brasil? Quais são os grandes avanços e desafios do país?
A Artigo 19 continuará promovendo o governo aberto no Brasil através do acompanhamento da lei de acesso à informação e divulgação das ações e iniciativas de governo aberto. Nossa perspectiva é incentivar a participação da sociedade civil nessas iniciativas e monitorar sua implementação, contribuindo através de análises e recomendações para seu aprimoramento. Entendendo que comentamos os avanços na pergunta anterior, mencionamos aqui os grandes desafios atuais ao governo aberto no Brasil se referem a dificuldade de ver temas como transparência, dados abertos e inovação tecnológica como uma perspectiva transversal em algumas áreas, ou seja, expandir o uso e os princípios de governo aberto em áreas ainda não completamente trabalhadas, como meio ambiente, educação, gênero e moradia. Isso aumentaria potencialmente o envolvimento de outras organizações e movimentos sociais em governo aberto. O segundo desafio relaciona-se ao primeiro, já que é necessário maior envolvimento, apoio e articulação política entre os distintos ministérios para levar governo aberto a pautas que tradicionalmente não são incluídas. Nesse sentido, o fortalecimento do mecanismo de gestão das ações de governo aberto, com participação da sociedade civil é extremamente necessário. O contexto atual, que aponta para um enfraquecimento da autonomia e independência da CGU, revela-se também como o maior desafio para o fomento do governo aberto no Brasil.
Para conhecer mais sobre os trabalhos da Artigo 19, acesse aqui.