No Brasil
Entrevista: Ernesto Martins Faria (Fundação Lemann)
A Fundação Lemann tem o objetivo de contribuir para melhorar a qualidade do aprendizado dos alunos brasileiros e formar uma rede de líderes transformadores.
Com diversas atividades na área de governo aberto, essa organização sem fins lucrativos tem ganhado destaque por apostar em uma estratégia que envolve quatro áreas complementares de atuação: inovação, gestão, políticas educacionais e talentos.
Na entrevista, Ernesto Martins Faria, coordenador de projetos da Fundação, fala sobre o QEdu , que é um portal aberto e gratuito que reúne dados sobre a educação brasileira e disponibiliza informações sobre a qualidade do aprendizado em cada escola, município e estado do Brasil. Fruto de uma parceria entre a Fundação Lemann e a startup Meritt, o projeto tem o objetivo de dar à sociedade brasileira a oportunidade de conhecer melhor a educação no país.
Ernesto Martins Faria - Fundação Lemann
1. A origem do conteúdo do QEdu são os dados da Prova Brasil e do Censo Escolar. É um exemplo de projeto que conseguiu tornar dados já existentes mais acessíveis aos cidadãos. Quais foram os principais desafios enfrentados ao longo do desenvolvimento do QEdu? Quanto tempo foi necessário para o desenvolvimento do QEdu e como foi o processo?
Informações educacionais interessam a praticamente quase todas as pessoas. Esse público-alvo amplo coloca um grande desafio na hora de se criar um portal, pois o nível de conhecimento que as pessoas têm em relação aos dados educacionais varia muito. Por causa disso, chegamos à solução de uma navegação por abas, em que o grau de informações apresentadas cresce de forma gradual. Para aperfeiçoarmos essa apresentação das informações, fizemos vários testes de usabilidade. O QEdu foi desenvolvido em cerca de um ano e, desde o seu lançamento, em novembro de 2012, vem sendo aprimorado.
2. A Fundação Lemann pretende realizar melhorias no QEdu ou expandir a iniciativa?
Sim. Buscamos garantir uma apropriação maior na leitura dos dados por parte dos técnicos de secretarias de educação, além de estudarmos formas para engajar os pais e a sociedade. Adicionamos estudos, vídeos e artigos no portal. Para os gestores, estamos desenhando ferramentas que permitam uma leitura personalizada da situação da rede.
3. O QEdu provocou impactos inclusive na própria gestão pública. O portal vem sendo utilizado por secretarias de educação e por diretores de escolas. É possível que a própria sociedade influencie a gestão pública por meio do uso de informações governamentais? O que falta para que existam mais iniciativas que provoquem esse impacto na gestão pública?
É possível e desejável que a sociedade influencie a gestão pública. Apenas para citar um exemplo, um jornalista publicou uma matéria sobre o tráfico de drogas nas proximidades das escolas do Distrito Federal a partir de dados disponibilizados pelo QEdu e o resultado foi que na volta às aulas as autoridades tomaram providências para tentar resolver a situação. Os dados governamentais permitem ao cidadão conhecer as nuances dos serviços públicos. Sem eles, é difícil formar uma opinião consistente a respeito da disponibilidade e da qualidade da oferta. É importante sublinhar, entretanto, que não basta disponibilizar os dados. Temos que garantir que o cidadão se aproprie das informações e, para isso, precisamos disponibilizá-las de modo acessível a todos.
4. Além dos dados da Prova Brasil e do Censo Escolar, no Brasil existem vários outros dados governamentais sobre educação disponíveis. Existe potencial no país para o desenvolvimento de mais projetos e ferramentas que trabalhem dados relativos à área de educação?
Certamente. O INEP, em parceria com a Fundação Lemann, já realizou duas edições do Hackathon de Dados Educacionais , que consiste numa maratona de hackers, programadores, desenvolvedores e inventores em geral para promover o desenvolvimento de projetos que visem a disseminação ou o uso de informações educacionais públicas por meio de tecnologias digitais.
Há também outras iniciativas grandes acontecendo pelo país. Nesse sentido, uma das plataformas que nos chama a atenção é a “Fora da Escola Não Pode ” , desenvolvida pelo UNICEF com o objetivo de mobilizar a população pela garantia de que todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos estejam frequentando a escola.
5. O QEdu também teve como desdobramento outros projetos, como os cursos para jornalistas e a pesquisa "Excelência com Equidade". Como surgiram esses desdobramentos?
O curso para jornalistas surgiu pela demanda de profissionais que já trabalham com educação (jornalistas, assessores de comunicação, entre outros) por qualificação técnica no uso dos dados educacionais. O curso se utiliza do QEdu, mas não é focado exclusivamente na plataforma. Já o Excelência com Equidade foi desenvolvido em paralelo com o QEdu, em 2012. Percebemos, ao apresentar a pesquisa para gestores educacionais, que ela poderia ajudar muito as escolas e municípios que não conseguem bons resultados a terem um norte para as suas ações.
6. Na opinião da Fundação Lemann, o que o Governo pode fazer para incentivar que instituições da sociedade civil e os próprios cidadãos utilizem mais os dados governamentais e para que mais iniciativas como o QEdu sejam criadas?
O governo deve se atentar para a forma como os dados são disponibilizados ao cidadão, tendo em mente que é importante que ele consiga se apropriar da informação. Disponibilizar apenas os microdados ou sinopses estatísticas, sem trabalhar a comunicação dos dados, não é suficiente para que eles possam subsidiar ações. Por outro lado, organizar os dados pode fugir à expertise dos órgãos governamentais, além de o ambiente dentro do governo muitas vezes não favorecer a inovação. Neste sentido, promover hackathons ou estabelecer parcerias com instituições pode ser um caminho interessante para o desenvolvimento de boas soluções para a disseminação/visualização dos dados.
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