Transparência e Controle Social
Publicado em 19/02/2021
Otávio Moreira de Castro Neves é Diretor de Transparência e Controle Social da Controladoria-Geral da União (CGU). Na entrevista abaixo, ele conta um pouco sobre a experiência do acesso à informação no Brasil, a importância da fiscalização dos gastos públicos e os desafios relacionados à transparência.
1. Além do seu papel institucional de realizar o controle interno dos órgãos do Governo Federal, a CGU é responsável pela implementação da política de transparência pública. Qual a importância desta política para a sociedade brasileira?
A transparência é fundamental em qualquer governo. Primeiro porque é um princípio democrático e constitucional. Numa democracia – e isso está expresso em nossa constituição - o poder emana do povo. O governo trabalha pelo povo e para o povo. Nada mais justo, então, do que permitir que a população tenha acesso à informação do que o governo está fazendo. Mas não é só uma questão principiológica. A transparência tem grande importância para garantir o bom uso dos recursos
públicos, permitindo que a sociedade acompanhe os gastos e as compras.
Ela é fundamental para aprimorar as políticas públicas, permitindo que a pesquisadores, cidadãos e outros interessados possam ver como elas estão sendo implementadas e que resultados estão gerando – e claro – contribuam para melhorar.
Ela melhora o mercado, expondo fraudes e conluios e dando a todos os participantes o acesso às mesas informações. E ainda pode gerar oportunidades de negócios a partir dos dados públicos.
Políticas públicas também podem usar a transparência para ajudar o cidadão a tomar melhores decisões. Pense, por exemplo, nas regras de informações nutricionais nas embalagens de alimentos.
São muitas as oportunidades de transparência para governos melhores. A transparência é, ao mesmo tempo, ferramenta de controle para a melhoria do governo e motor de melhorias da administração pública e na sociedade.
2. Você é gestor de uma área institucional denominada de Transparência e Controle Social. Como essas temáticas se relacionam? Elas se complementam ou têm caminhos independentes?
São totalmente relacionadas. Controle social é o controle que a sociedade faz sobre o Estado. Sem transparência esse controle fica extremamente limitado. O acesso a informações públicas permite que os cidadãos entendam as decisões, conheçam os números e possam melhor interpretar as informações que recebem por fontes diversas.
Além disso, se não houver transparência, cidadãos não podem contribuir adequadamente para a melhoria das políticas e serviços públicos. Essas contribuições são muito mais precisas e implementáveis quando a sociedade pode realmente entender o que acontece – e o que não acontece – antes de propor avanços.
3. Pelo que você nos disse, tanto a Transparência quanto o Controle Social são direitos da população. Qual o fundamento legal dessa afirmação?
A própria Constituição Federal traz o tema diversas vezes. Ela garante o princípio da publicidade (Art. 37) o qual obriga o Estado a informar sobre seus atos, garante o direito ao acesso a informações públicas (Art. 5º, XXXIII), dando ao cidadão o direito de pedi-las independente de motivação.
E o controle social é tratado diversas vezes de forma direta (Art. 193, Art. 212-A, Art. 216-A), mas também de forma indireta, com a previsão de conselhos, por exemplo.
Além disso, a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) garante de forma prática o acesso à informação e prevê o desenvolvimento do controle social como uma de suas diretrizes.
O Brasil ainda conta com uma série de normas que tratam a questão de maneira mais específica, criando conselhos, conferências e, também, tratando de questões como o acesso a dados públicos, como é o caso do Decreto n° 8.777 publicado em 2016.
4. Você pode citar, algumas ferramentas que os governos devem utilizar para garantir a transparência pública. E quais instrumentos podem ser utilizados pela população para exercer o controle social das políticas e gastos públicos?
Por força da Lei Complementar 131, os governos, em todos os níveis e poderes, devem dar transparência dos seus gastos de forma detalhada e precisa. Os portais de transparência são a forma comumente utilizadas pela administração pública para cumprir esta obrigação, mas a CGU recomenda fortemente que a gestão pública vá além da mera obrigação e ofereça informação de qualidade, incentive o uso e capacite os usuários.
Os portais são ferramentas importantíssimas de controle social, pois permitem um acompanhamento minucioso e relevante dos gastos públicos. Trabalhos feitos a partir do Portal da Transparência do Governo Federal, por exemplo, já ajudaram a reduzir gastos, melhorar políticas públicas e ressarcir dinheiro público mal empregado.
O segundo instrumento fundamental é um canal para facilitar os pedidos de acesso à informação. No caso do Governo Federal, usamos o Fala.br. e disponibilizamos essa ferramenta para estados e municípios interessados (e antes dela nosso antigo sistema, o e-SIC). Com uma ferramenta destas, há mais gestão sobre o direito de acesso à informação, os órgãos conhecem melhor a demanda e os cidadãos podem acompanhar o processo. Muitos governos preferiram usar suas próprias ferramentas, o que não é nenhum problema (desde que, é claro, funcione).
O cidadão interessado em fazer controle social precisa conhecer os canais utilizados pela administração pública (municipal, do Distrito Federal, estadual ou federal) a fim de poder buscar novas informações ou complementar o que já encontrou nos portais de transparência. Em especial, pedidos de acesso à informação (amparados pela Lei n°12.527) permitem obter informações que vão muito além de números, como documentos, contratos e muito mais.
Os governos que já estabeleceram boas ferramentas de acesso à informação e portais de transparência, devem investir em (1) boas ferramentas de ouvidoria – para facilitar o diálogo e as denúncias; (2) portais de dados abertos, para disponibilizar as bases de dados públicas do governo e (3) criar instrumentos que facilitem a capacitação e incentivem os cidadãos a acompanhar as políticas, serviços e investimentos públicos.
5. Pensando no cenário internacional a transparência pública é um tema debatido apenas em países menos desenvolvidos, onde a transparência ainda tem que ser reivindicada, ou pode-se dizer que se trata de um movimento que abrange também as grandes potências mundiais?
Ninguém no mundo escapa do debate sobre a transparência e a razão é simples: transparência está diretamente relacionada a confianças. Governos poucos transparentes geram desconfiança não apenas dos seus cidadãos, mas também do mercado, dos investidores internacionais e até de outros governos. Ao revelar suas despesas e receitas o governo está revelando uma série de coisas: sua intenção de ser íntegro, sua capacidade de pagamento, a seriedade de sua governança.
Pensa bem: você ia preferir investir numa empresa cujos números você conhece ou uma que não é transparente? O mesmo vale para investidores que vão apostar num estado ou município. Não é à toa que instituições como o Banco Mundial têm projetos dedicados ao fomento da transparência.
6. Para finalizar, quais as ações da CGU em se tratando dessas linhas temáticas? Existe controle social da política de transparência pública?
A CGU tem diversas ações. A mais antiga, claro, é a transparência dos recursos públicos, que começa no Portal da Transparência. Mas não é só o Portal: só é possível ter resultados com a transparência se alguém fizer uso da informação, por isso trabalhamos sempre para incentivar esse reuso, para capacitar os interessados em controle social e para evoluir as ferramentas para melhor servir nosso público.
O mesmo acontece com a LAI. Fazemos a gestão no governo federal, com a manutenção do Fala.br e o monitoramento dos órgãos, mas queremos que toda a sociedade conheça seus direitos e a ferramenta, buscando incentivar o controle social também por essa ferramenta.
Um exemplo claro é nosso programa Diálogos em Controle Social, que busca reunir diversos atores do governo e da sociedade para debater como melhorar a participação da sociedade no acompanhamento e controle de políticas públicas e seus respectivos gastos. Especialistas de diferentes áreas debatem estratégias, metodologias, experiências práticas e perspectivas, ao passo que trocam informações sobre suas capacidades e se conhecem para fortalecer suas redes.
E, claro, há sim controle sobre a política transparência. O Conselho de Transparência e Combate à Corrupção – um órgão paritário governo/sociedade – faz um importante trabalho nesse sentido. E a própria CGU fornece informações sobre a transparência em estados e municípios, por meio da Escala Brasil Transparente, para que os cidadãos cobrem de seus governantes quando falta clareza da gestão pública.
As respostas aos questionamentos expressam a opinião do entrevistado.