Governo Aberto e a comunicação por meio de plataformas digitais
Publicado em 23/08/2021
O consumo de podcasts no Brasil teve um aumento significativo nos últimos tempos. De 2019 para 2020, o número de projetos na área se ampliou na ordem de 103% e uma das plataformas mais acessadas no país informou que a busca por esse tipo de conteúdo cresceu em 200%, em 2020. Além do conteúdo oferecido ter se tornado mais diverso, com a pandemia, as buscas foram maiores devido ao cancelamento de eventos e shows, fazendo com que os podcasts fossem procurados como alternativa de entretenimento e informação.
É nesse contexto que o Instituto de Governo Aberto (IGA), o Nexo Jornal e a Fundação Friedrich Ebert Brasil lançaram o podcast “Entreaberta”. Para falar sobre essa iniciativa de comunicar à sociedade sobre os desafios e possíveis caminhos para tornar governos e políticas públicas mais transparentes e participativas, convidamos Vanessa Menegueti e Amanda Faria Lima, Coordenadoras do Instituto de Governo Aberto (IGA,) e Willian Habermann, Coordenador de Programas de Políticas Públicas, Políticas de Igualdade Racial e Juventude na Fundação Friedrich Ebert Brasil (FES-Brasil).
1. Para iniciar, vocês podem falar um pouco sobre o histórico do projeto. Como vocês chegaram ao entendimento que seria interessante construir um podcast para informar sobre políticas públicas e governo aberto?
A ideia foi motivada pela avaliação da necessidade de expandir a discussão sobre governo aberto, conectando-a com outros temas não tradicionalmente vinculados à agenda e chegar em mais pessoas. Daí veio a ideia de tratar governo a partir de temas específicos mostrando o potencial da transparência e participação em todas as políticas públicas mais abertas. Com isso, nós queremos chamar as pessoas não apenas para a reflexão, mas também para a ação, sempre terminando o podcast com a perguntas “Mas o que eu posso fazer sobre…?”. Esse chamado para ação é uma forma de lançar luz sobre os caminhos possíveis para as pessoas se engajarem nas temáticas e tornarem as políticas públicas mais participativas e transparentes.
2. O Entreaberta é um projeto de oito episódios de, mais ou mesmo, 30min. Nesse curto espaço de tempo, não é possível esgotar uma temática tão específica como a de políticas públicas. Expliquem o que é possível esperar dessa estratégia de comunicação?
Pois é, e justamente a nossa ideia não era a de esgotar o tema, mas sim trazer um panorama geral da temática e sua relação com governo aberto e participação social, além de engajar as pessoas para a ação e reflexão. Nesse sentido, acreditamos que a estratégia de comunicação planejada seguiu no caminho de engajar pessoas que possuem interesse nas temáticas discutidas, mas principalmente gostariam de saber de que forma poderiam ser mais ativas para tentar solucionar tais problemas. Além disso, os e as convidadas de cada episódio nos trazem questionamentos e propostas que pretendemos desenvolver posteriormente através de nossas redes.
3. Em relação ao público do podcast, quem vocês estão esperando atingir com a veiculação de conteúdos sobre políticas públicas em plataformas digitais? Vocês conseguem medir o alcance do projeto?
Quem trabalha com governo aberto, transparência e participação sabe que os públicos que acompanham esses temas são muito restritos. São poucas, inclusive, as organizações e atores políticos que defendem essa agenda. A parceria entre o IGA, a FES e o Nexo Jornal para a construção do Podcast Entreaberta trouxe a oportunidade para expandirmos essas discussões para novos públicos que ainda estavam distantes do diálogo entre transparência pública e participação social nas políticas públicas ou tinham uma noção mais restrita. Mirando isso, os episódios trazem uma linguagem diferente para tratar das diversas questões, sendo mais objetiva, concreta e engajadora. Os alcances foram bastante interessantes reunindo mais de 7.600 plays apenas nos quatro primeiros episódios da temporada, além dos engajamentos nas redes sociais.
4. A OCDE vem ressaltando a importância da comunicação para ampliar processos de participação social e defendendo que a comunicação torna a implementação de políticas públicas mais eficaz. Em que medida, trazer temas como relações de trabalho, crise climática ou sistema de justiça em episódios de podcast pode favorecer na questão da efetividade dessas políticas públicas?
Acreditamos que ao trazer como essas políticas públicas impactam na vida cotidiana dos ouvintes e, ainda mais, sugerir o que cada um pode fazer para incidir nessa política e transformar a realidade, as pessoas se sintam estimuladas a participar e acompanhar mais esses temas, cobrando por mais espaços representativos de participação social, exigindo maior transparência e divulgação de informações e, assim, contribuir para tornar as políticas públicas mais eficientes e representativas dos anseios da população.
5. Entrando mais no tema do governo aberto, vocês poderiam apontar iniciativas alinhadas a essa nova proposta de administrar a “coisa pública”, considerando princípios como participação, transparência e responsividade, por exemplo?
Ainda que o conceito de Governo Aberto seja algo novo, experiências e iniciativas que promovam essa nova forma de administração pública, ancorada em participação social, transparência, responsividade e inovação, já existem no Brasil há anos e merecem ser valorizadas, como os conselhos de políticas públicas, os conselhos gestores de equipamentos públicos e iniciativas de orçamento participativo. O que vemos em iniciativas de governo aberto, no entanto, é um aproveitamento das tecnologias de informação e comunicação para dar nova roupagem às experiências participativas e de transparência, além da busca por conectar processos deliberativos, com divulgação de informações e prestação de contas quanto à atuação do poder público.
Portanto, para além dos espaços tradicionais de participação, a realização de consultas públicas, presenciais e online, a criação de portais eletrônicos que dão transparência para dados e informações públicas, a realização de processos de construção coletiva de políticas públicas são iniciativas que promovem a abertura de governos.
6. Em um dos episódios, é abordado o aspecto do distanciamento do sistema de justiça em relação a população, que pode ser atribuído tanto à linguagem adotada, mas também a questões relacionadas à transparência ativa ou passiva dos órgãos e espaços de escuta e participação das comunidades. Da mesma forma que se busca a promoção do governo aberto, o que se pode falar do avanço da justiça aberta no Brasil?
Apesar das políticas de justiça aberta estarem bastante avançadas em países latino-americanos como Argentina e Costa Rica, essa agenda ainda é muito incipiente no Brasil. Estamos indo para o nosso 5° Plano de Ação de Governo Aberto e, infelizmente, não temos compromissos que promovam o protagonismo do sistema de justiça para mais transparência, integridade, participação social e envolvimento com as comunidades locais. As iniciativas existentes na justiça brasileira estão diretamente relacionadas mais a um ou outro princípio de abertura. Em relação à participação e à prestação de contas, são poucas as ferramentas que podem ser utilizadas pela sociedade, limitam-se ao amicus curiae i, audiências públicas ou órgãos como Corregedorias. Já a transparência, os dados abertos e a inovação são os eixos mais desenvolvidos no âmbito da justiça do Brasil, se materializando em portais institucionais dos órgãos de justiça, serviço eletrônico de informação ao cidadão, portais de transparência, dados abertos, laboratórios de inovação, processos digitais, entre outros. Contudo, é importante ressaltar que na construção de políticas públicas e iniciativas de justiça aberta a preocupação principal deve ser com as pessoas que devem estar no centro do debate, principalmente aquelas em condições de maior vulnerabilidade e exclusão.
7. O podcast também aborda a questão da participação das mulheres na política e a presença delas na formulação das políticas públicas. Nessa questão, há elementos que ultrapassam os espaços institucionais da Administração Pública, mas em que o governo aberto pode contribuir para a modificação dessa realidade?
Desde o seu surgimento, o governo aberto esteve muito mais atrelado ao âmbito do Poder Executivo. A própria Open Governmment Partnership (OGP), principal organismo internacional que dissemina a agenda, firma parcerias com os governos nacionais dos países. Notando essa tendência, nos últimos anos firmou-se a necessidade de se pensar um Estado aberto que reafirmasse o alcance da transparência, da participação social e da colaboração também com os Poderes Legislativo e Judiciário. Contudo, não há como se pensar maior proximidade entre os espaços públicos sem que estes sejam representativos da população. A aproximação entre o Estado e a sociedade precisa evoluir no sentido de ultrapassar a escuta e diálogo, efetivando-se em ocupação dos espaços de poder pela diversidade da população. Dar esse passo significa que é preciso superar os baixos números de mulheres, negros, LGBTQIA+, indígenas entre outros tantos grupos, nos espaços de tomada de decisão, tanto da política quanto da administração pública.
8. O termo antirracismo e a categoria analítica racismo estrutural se tornaram muito evidentes em 2020 e, desde lá, acontecem recorrentes debates sobre como a população negra tem sido, historicamente, atendida de forma mais precária nos serviços públicos ou sequer tem acesso às políticas públicas em função do racismo reproduzido pelo Estado. Governos abertos e políticas de transparência bem consolidadas podem apontar para a modificação desse cenário?
Quando o governo democratiza o acesso a informações, dados e conhecimento, permite que qualquer pessoa acesse conteúdos antes exclusivos a poucos grupos. Isso amplia as oportunidades de que mais pessoas possam se informar e, com isso, exercer o controle social e atuar social e politicamente com base nas informações obtidas. Contudo, a transparência por si não é capaz de proporcionar inclusão. O acesso a dados e informações públicas exige interesse, predisposição e muitas vezes conhecimentos prévios. Deslocada de espaços que promovam o diálogo, a troca, a escuta e o controle, a transparência continua acessível a poucos grupos. Dessa forma, é preciso investir em iniciativas que incluam grupos historicamente marginalizados e precarizados para que, inclusive, se apropriem das oportunidades de incidência nas políticas públicas que o governo aberto e as ferramentas de transparência proporcionam.
9. O projeto tem uma perspectiva de informar a sociedade sobre variados temas e, como já falamos, são apenas oito episódios. O Entreaberta está relacionada com outras iniciativas do governo ou da sociedade civil? Existe perspectiva de ampliação do projeto? Como outras organizações podem contribuir com o objetivo do podcast?
O Entreaberta é um projeto do IGA, FES Brasil e Nexo Jornal que busca ampliar a comunicação e discussão sobre a importância de tornar as políticas públicas mais participativas e transparentes e indicando caminhos para que as pessoas possam se engajar nessa temática, incluindo cobrando maior atuação do poder público. Existe perspectiva de ampliação do projeto em uma 2ª temporada, mas essa possibilidade ainda está sendo avaliada.
i Amicus curiae é termo de origem latina que significa "amigo da corte". Diz respeito a uma pessoa, entidade ou órgão com profundo interesse em uma questão jurídica levada à discussão junto ao Poder Judiciário. Pode influenciar, auxiliar ou servir de pesquisa em um julgamento, por exemplo.
As respostas aos questionamentos expressam a opinião dos entrevistados.