Controle Social, Democracia e Administração Pública
Felipe Portela Bezerra 1
Publicado em 24/02/2021
O que é controle social?
Controle social refere-se à possibilidade que a população tem de contribuir para o desenvolvimento democrático de políticas públicas, decisões governamentais e serviços públicos. Quando pensamos em participação na gestão pública, estamos tratando de formas que os cidadãos dispõem para contribuir positivamente para os resultados da ação estatal.
Participar relaciona-se à ideia de compartilhar um sentimento, uma opinião, ou um interesse que fazem as pessoas se unirem a um grupo ou a um movimento. Assim, podemos dizer que o exercício do controle social, seja realizado por um indivíduo ou por um grupo, tem um impacto coletivo, pois seus benefícios são difundidos na sociedade.
O controle social, portanto, é entendido como a participação do cidadão e de suas representações na gestão pública. Trata-se de um mecanismo de prevenção da corrupção, de fortalecimento da cidadania e de consolidação da democracia. Para que os cidadãos possam desempenhá-lo de maneira eficaz, é importante que recebam orientações sobre como podem colaborar com as ações do Estado.
A consolidação da democracia no Brasil tem a Constituição de 1988 como marco institucional. Ela é chamada de "Constituição Cidadã" por ser o texto constitucional mais democrático que o País já possuiu, consagrando um contexto favorável à participação dos cidadãos nos processos de tomada das decisões políticas essenciais ao bem-estar da população.
Entre as iniciativas que a Constituição possibilitou, podemos destacar a instituição dos conselhos de políticas públicas. Nesses conselhos, os cidadãos não só participam do processo de tomada de decisões da Administração Pública, mas também do processo de fiscalização e de controle dos gastos públicos, bem como da avaliação dos resultados alcançados pela ação governamental.
No Brasil, a preocupação em se estabelecer um controle social forte e atuante torna-se ainda maior, em razão da extensão territorial do país e da descentralização geográfica dos órgãos públicos integrantes da nossa federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Por isso, a fiscalização da aplicação dos recursos públicos e de tomadas de decisões precisa ser feita com o apoio da sociedade. O controle social é um complemento indispensável ao controle institucional já realizado pelos órgãos que fiscalizam a aplicação de recursos públicos.
Essa participação é importante porque contribui para a boa aplicação dos recursos públicos, possibilitando que as necessidades da sociedade sejam atendidas de forma mais eficiente. A Constituição de 1988, elaborada sob forte influência da sociedade civil por meio de emendas populares, definiu a descentralização e a participação popular como marcos no processo de elaboração das políticas públicas, especialmente nas áreas de políticas sociais e urbanas.
No texto da Carta Magna brasileira, a participação social está diretamente prevista. É possível averiguar iniciativas que propõem essa interação entre sociedade e Estado na esfera política, como a previsão para realização de audiências públicas com entidades da sociedade civil por parte do Congresso Nacional (art. 58, § 2º, inciso II), mencionando a participação do usuário na administração pública (art. 37, inciso XXII, § 3º) e até mesmo incluindo a participação da sociedade como diretriz de um serviço, no caso dos serviços públicos de saúde, no qual o art. 198, que trata dessa área, apresenta o terceiro inciso – “III – participação da comunidade” – como uma de suas diretrizes. Merece destaque também a participação por meio do voto, que é constitucionalmente assegurado em caráter universal, tal como há previsão de realização de referendos e plebiscitos, instrumentos viabilizadores da manifestação das opiniões da sociedade sobre determinadas matérias de interesse público, como traz o artigo 14 da Carta Magna.
Controle social e direito à informação
As informações sobre a atuação do Estado constituem pilares importantes para o controle social. O art. 5º da nossa Constituição Federal é uma base fundamental sobre o direito ao acesso à informação: “é assegurado a todos o acesso à informação”, que se soma ao princípio da publicidade e permite a consolidação da transparência na atuação da Administração Pública brasileira.
A Constituição garante que a publicidade é um princípio que rege a Administração Pública, junto a outros 4 princípios, como podemos ver no seu Artigo 37:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...).
O princípio da publicidade é essencial para garantir que as informações da Administração Pública sejam acessíveis a qualquer cidadão que tenha interesse, independentemente do motivo que o leve a requerer essas informações, pois elas são de caráter público. A supremacia do interesse público deve pautar todas as ações da Administração, inclusive perante os cidadãos.
A partir dessas instituições na Constituição Federal e de outras leis que incidem sobre a participação da sociedade no Estado, observa-se uma busca por ampliar os meios de interação entre sociedade e Estado. Não se trata de uma participação restrita a eleições para representantes dos Poderes Legislativo e Executivo. É uma participação constante, a partir do compartilhamento de decisões e da inclusão da população em processos decisórios na Administração Pública.
A Lei de Acesso à Informação é um marco legal primordial na consolidação da transparência e publicidade. É a Lei nº 12.527/2011, cujo objetivo é regulamentar o acesso a informações, já previsto na Constituição Federal. Segundo essa lei, informação pública é qualquer tipo de dado ou registro de interesse público, produzida ou guardada pelos órgãos e agentes da administração direta e indireta, como prefeituras, secretarias, governos estaduais, governo federal etc., bem como pelas entidades privadas que recebam recursos do Poder Público.
O cidadão passa a ter garantido seu direito de se informar sobre aquilo que é de seu interesse, inclusive perante o Estado. Os recursos públicos e as decisões governamentais passam a estar ao alcance do cidadão, que pode contribuir para a consolidação desses processos.
A participação ativa do cidadão no controle social pressupõe a transparência das ações governamentais. O governo deve propiciar ao cidadão a possibilidade de entender os instrumentos de gestão, para que ele possa influenciar no processo de tomada de decisões. O acesso do cidadão à informação simples e compreensível é o ponto de partida para uma maior transparência.
Os sites oficiais dos órgãos públicos devem estar sempre atualizados. Um exemplo, é o site http://www.portaltransparencia.gov.br/ – Portal da Transparência do Governo Federal – que, sob os cuidados da Controladoria-Geral da União (CGU), mantém os dados atualizados a partir das informações repassadas pelas demais instituições do governo federal. Por meio desse site, é possível até que você pesquise os recursos repassados da União para qualquer ente da federação, assim como para pessoas físicas ou jurídicas.
Há uma outra forma disponível que merece destaque para exercício do controle social: o Módulo de Acesso à Informação da Plataforma Fala.Br2. Por meio dele, os órgãos e entidades conseguem seguir as regras, prazos e orientações fixados pela Lei nº 12.527. O sistema funciona na internet e centraliza os pedidos e recursos dirigidos ao Poder Executivo Federal, suas entidades vinculadas e empresas estatais.
Em 2020, a CGU passou a disponibilizar para o Poder Executivo de estados e municípios, assim como às entidades do Serviço Social Autônomo, o Módulo de Acesso à Informação integrado à plataforma Fala.BR. Essa nova funcionalidade é gratuita e abre espaço para a redução de custos de implementação das medidas previstas pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e cria a oportunidade para o aperfeiçoamento da gestão dos processos a ela relacionados.
Para que o controle social possa ser efetivamente exercido, é preciso, portanto, que os cidadãos tenham acesso às informações públicas, mas, além disso, que eles possam manifestar suas reclamações, elogios, sugestões diretamente aos órgãos e entidades públicas. Essa é a função das ouvidorias, um canal importante de comunicação entre Estado e cidadão.
Como o próprio nome sugere, trata-se de ouvir o cidadão para dar encaminhamento ao que foi apresentado. É uma forma institucional de controle social presente em todo o país. Na ouvidoria da CGU, por exemplo, é possível tratar de assuntos relacionados a todo o Poder Executivo Federal e não apenas de temas relativos ao órgão. Por meio da Ouvidoria-Geral da União são recebidas denúncias, solicitações, sugestões, reclamações e elogios referentes aos serviços públicos federais em geral, que envolvam ações de agentes, órgãos e entidades. As prefeituras, secretarias e outros órgãos do governo também dispõem de ouvidorias, faça uso desse instrumento.
O link para acesso ao Fala.Br é o https://falabr.cgu.gov.br/publico/Manifestacao/SelecionarTipoManifestacao.aspx?ReturnUrl=%2f. Nessa página, o cidadão encontra a possibilidade de registrar sua demanda que será devidamente encaminhada à instituição responsável por dar prosseguimento à análise.
Controle social e conselhos de políticas públicas
Os conselhos de políticas públicas são instâncias de exercício da cidadania, que abrem espaço para a participação popular na gestão pública. São grupos organizados, com membros do governo e da sociedade civil, que costumam ter mandatos por um certo período, e que deverão atuar na área temática daquele conselho: pode ser sobre educação, criança e adolescente, pessoa idosa, saúde e outros. Os conselhos podem ser classificados conforme as funções que exercem, a depender do caso, funções de fiscalização, de mobilização, de deliberação ou de consultoria.
A função fiscalizadora dos conselhos pressupõe o acompanhamento e o controle dos atos praticados pelos governantes. A função mobilizadora diz respeito ao estímulo à participação popular na gestão pública e às contribuições para a formulação e disseminação de estratégias de informação para a sociedade sobre as políticas públicas. A função deliberativa, por sua vez, refere-se à prerrogativa dos conselhos de decidir sobre as estratégias utilizadas nas políticas públicas de sua competência, enquanto a função consultiva relaciona-se à emissão de opiniões e sugestões sobre assuntos que lhes são correlatos.
É possível constatar, então, que a participação da sociedade é destacada no texto da Constituição, seja de forma direta e objetiva, instituindo Conselhos e outros meios participativos, seja de forma indireta, envolvendo a sociedade em políticas públicas e resultando, por exemplo, nos Conselhos Nacionais. O Conselho Nacional de Saúde, por exemplo, que auxilia no controle do Sistema Único de Saúde (previsto constitucionalmente nos artigos 198, 199 e 200), não está diretamente instituído pela Constituição Federal, mas pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e outros pontos desse sistema.
A instituição de conselhos e o fornecimento das condições necessárias para o seu funcionamento são condições fundamentais para que estados e municípios possam receber recursos do Governo Federal para o desenvolvimento de uma série de ações. Ademais, permite que as políticas públicas alcancem os interesses da população a partir da construção conjunta de decisões e fiscalização.
Exercício do controle social por meio de audiências públicas, conferências e fóruns
Algumas formas de controle social têm ganhado espaço importante na democracia brasileira. Destacamos três delas: audiências públicas, conferências e fóruns. São formas institucionalizadas de participação social, que ensejam a interação entre Estado e sociedade a fim de debater temas previamente estabelecidos.
As audiências públicas são reuniões convocadas por alguma instituição da Administração Pública, realizada durante horas ou até alguns dias, com uma pauta específica a ser debatida por pessoas interessadas e convidadas. Na nossa Constituição Federal, as audiências públicas aparecem no âmbito federal como uma possibilidade de interação com o Poder Legislativo, pelo Congresso Nacional, o que não exclui outras instituições governamentais dessa atividade. As audiências podem ocorrer nos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Elas são realizadas para que a sociedade possa expressar sua opinião e contribuir para o debate de determinada questão previamente definida. Oportunizam a escuta de diferentes atores da população, a fim de subsidiar debates e decisões importantes no âmbito da gestão pública.
As conferências de políticas públicas são eventos cíclicos e contínuos, promovidos pelos governos municipais, estaduais e nacional, a fim de formular propostas específicas para um tema central previamente definido. Por exemplo: As conferências de saúde reúnem trabalhadores da saúde, usuários, empresas, gestores que lidam com políticas de saúde. Os temas debatidos giram em torno da saúde, como financiamento, qualidade, melhorias, mudanças nos serviços de saúde.
Os Fóruns são mais uma forma de participação que precisamos conhecer. Eles têm como objetivo construir debates e ouvir a sociedade em torno de uma ideia previamente determinada pelo governo, deixando que a população interessada seja protagonista no debate a ser realizado durante essas reuniões dos fóruns. Como exemplo, temos os Fóruns de Defesa da Criança e do Adolescente, que ocorrem em muitos estados do Brasil; o Fórum Nacional da Reforma Urbana, que trata de questões habitacionais e urbanísticas; e o Fórum Interconselhos, que permitiu a participação social no planejamento governamental federal. São espaços onde ocorrem amplos debates com múltiplos atores da sociedade civil e que podem fomentar decisões a serem tomadas pela Administração Pública.
Dessa maneira, conseguimos entender que o controle social é mais que uma mera categoria teórica de estudos relacionados à Administração Pública. A materialização das instituições de controle social, assim como a plena atuação da sociedade civil no Estado democrático em prol da realização dos seus direitos e deveres, possibilita que o Estado percorra caminhos adequados para o desenvolvimento social e econômico.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor.
1 Mestre em Política Social (2018) pela Universidade de Brasília e bacharel em Gestão de Políticas Públicas (2015) pela mesma instituição. Servidor público efetivo da carreira de Técnico Administrativo em Educação no Ministério da Educação/Fundação Universidade de Brasília. Docente da graduação em Administração Pública no Instituto de Direito Público de Brasília (IDP). Colabora junto à Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) como docente em pós-graduação lato sensu (especialização) voltada a servidores públicos federais. (http://lattes.cnpq.br/1068501598158735).
2 A plataforma Fala.BR, lançada em 2019, é um portal que reúne os principais sistemas de ouvidoria e de acesso à informação em uso no Brasil, ambos desenvolvidos pela CGU: o e-SIC e o e-Ouv. O acesso por ser feito por meio do link https://falabr.cgu.gov.br/ por parte de qualquer cidadão interessado.