Entrevista: Wagner Rosário / ‘A JBS está isenta apenas da responsabilidade penal e cível dela com o MP’
BRASÍLIA - Servidor de carreira do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) que assumiu a pasta como interino, Wagner Rosário disse ao GLOBO que a JBS não está isenta de outras sanções por ter assinado acordo de leniência com o Ministério Público. Segundo ele, o governo não tem obrigação de seguir os termos definidos com os promotores, e poderá aumentar o valor que a companhia dos irmãos Batista terá de pagar, mudar prazos, restringir subvenções e até declarar a inidoneidade: “Tudo está em aberto”. Rosário destaca que, ao contrário de outras empresas, a JBS não procurou a CGU, que poderá abrir investigação para responsabilizar o frigorífico.
Como é assumir o Ministério da Transparência, encarregado do combate à corrupção dentro do governo, tendo um presidente da República investigado?
Nosso trabalho independe de governo. Temos competências bem definidas, quatro áreas que atuam no combate à corrupção, estamos tocando nosso trabalho da mesma maneira. Não houve alteração. Os casos em relação ao presidente estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal, não estamos participando desses casos.
E se vocês forem chamados a auxiliar nas investigações?
Participaremos normalmente, como participamos de cerca de 270 casos de combate à corrupção em andamento atualmente.
Mas nesse caso seria investigar o chefe.
Sim, mas se nós tivéssemos informações relevantes para dar, com certeza atuaríamos. Não podemos nos furtar a isso. Mas, nesse caso, não estamos participando, não temos nenhuma informação. Até porque a investigação é baseada numa colaboração e em gravações.
Nem em relação a negócios da JBS com governo, por meio dos empréstimo do BNDES, a pasta atuaria?
Sim, temos auditorias em andamento que verificam empréstimos do BNDES, mas não só, também do BNB e outros bancos. Caso seja pedida uma auditoria pelo Ministério Público, faremos sem problemas para verificar se houve alguma interferência, alguma vantagem indevida no fornecimento do empréstimo. Têm a máxima prioridade os pedidos feitos pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e outros órgãos parceiros.
Não há risco de interferência política sendo um caso que envolve diretamente o presidente?
Riscos nós temos sempre em todas as instituições. Vou te falar pela minha experiência na casa, em que trabalhei na área investigativa por muito tempo: nunca sofri diretamente qualquer tipo de tentativa de impedimento de atuação no órgão.
O senhor conversou com o presidente Temer e ele pediu algo específico sobre investigar a JBS?
Não, não pediu nada especificamente. Só fui lá (no Planalto) no dia da posse do ministro Torquato (Jardim, que saiu da CGU para a pasta da Justiça), ele (presidente Temer) me cumprimentou, pois sabia que eu estava assumindo interinamente, mas não tivemos nenhuma conversa. Fomos apenas apresentados, porque eu não o conhecia, só isso.
O acordo de leniência fechado apenas entre a JBS e o Ministério Público, sem participação dos outros órgãos competentes, levanta questionamentos?
O acordo de leniência é um acordo em que a empresa procura a CGU, no caso da Administração Pública Federal, para oferecer a colaboração. Ao longo do tempo, esses acordos foram sendo fechados sem a nossa participação. Mas, em vários casos, o juiz Sergio Moro, na sua homologação do acordo, determinava que o Ministério Público conduzisse a empresa para fechar o acordo aqui. O foco do MP é a obtenção de provas. Eles estipulam um valor a título de multa e tocam a investigação. Nós fazemos os cálculos para apurar o dano a ser ressarcido, com base numa metodologia que não é simples. Então, no caso da JBS, é a mesma coisa. A diferença é que a JBS não nos procurou.
Ou seja, o acordo firmado com o Ministério Público não isenta a JBS de vir a ser cobrada em outros termos pelo governo?
Não, não isenta. Ela está isenta apenas da responsabilidade penal e cível dela com o Ministério Público.
A CGU agirá se os termos de lá, ainda não conhecidos, avançarem para área administrativa?
Se avançarem para a área administrativa, a gente vai começar a fazer a verificação. Caso a gente ache que ela colaborou com o Estado, que o valor já ressarcido cobre todos os danos vistos, a gente praticamente repete o acordo de lá, sem problema nenhum. O que tem causado divergências nos últimos acordos são os valores. Na verdade, as empresas tinham uma crença de que assinando lá em qualquer valor estariam isentas de tudo, mas isso não é verdade.
Quantos acordos no âmbito da Lava-Jato tiveram aumento do valor a ser pago na CGU?
Pelo que me recordo, dois acordos. É preciso deixar claro: não foi uma diferença porque o Ministério Público fez o cálculo inadequado. É porque o cálculo do dano é realizado aqui. O que eles cobraram foi uma multa, que será abatida, por óbvio. Já houve casos também que o valor foi praticamente o mesmo. Em um dos casos, o dano deu mais que o dobro da multa aplicada pelo MP.
O mesmo pode acontecer com a JBS?
Pelo que está na imprensa, o valor é muito alto, R$ 10,5 bilhões. Mas temos que ver. A gente vai enfrentar um caso diferente. Nos outros, eram contratos de prestação de serviço com o governo, envolvendo pagamento de propina. Aqui já é empréstimo. É preciso ver se a empresa está pagando o empréstimo, se pagou propina para obtê-lo, qual a taxa de juros. Teremos que formar uma metodologia.
E vocês podem alterar o prazo para pagamento acordado com o MP?
Só se houver uma diferença a mais para ser paga.
A JBS poderia ficar sujeita a sanções como proibição de contratar com órgão público?
Sim. E também de receber subvenções. Isso tudo está em aberto.