"O combate é importante, mas a fórmula mais eficaz ainda é prevenir"
Veículo: Jornal A Tarde (Bahia)
Data: 10 de abril de 2006
“CGU é novidade e não vai mudar”
"Os prefeitos que tanto se queixavam da falta de sossego que a Controladoria Geral da União (CGU) impunha a eles, nada têm a comemorar com a saída de Waldir Pires, que assumiu o Ministério da Defesa. No lugar dele está outro baiano, Jorge Hage Sobrinho, que já era secretário da CGU, e ascende à condição de ministro, embora interino, prometendo não só manter a continuidade das fiscalizações nas contas públicas como ainda endurecer o jogo. Aos 67, ex-prefeito de Salvador e deputado federal duas vezes, Jorge Hage revela ao repórter Umberto de Campos, da Sucursal de A TARDE em Brasília, as novidades no setor. Uma delas é o projeto que transforma em crime o enriquecimento ilícito. Mas ele reclama que ainda tem muitas dificuldades para combater a corrupção. Os bancos, por exemplo, relutam muito em fornecer informações à Controladoria, alegando sigilo.
A Tarde – O que o senhor pretende fazer neste período, digamos, de interinidade?
Jorge Hage – O que já vínhamos fazendo. Dar continuidade ao trabalho, que fizemos junto com o ministro Waldir Pires. Trabalhamos sempre em perfeita sintonia, de modo que não há absolutamente nenhuma diferença, a partir do dia 31 de março para cá. O mesmo programa, a mesma orientação, as mesmas prioridades. É claro que à medida em que o tempo passa nós vamos conseguindo aprimorar, melhorar ainda mais determinadas áreas.
AT – O quê, por exemplo?
JH – Estamos iniciando a decolagem de dois grandes setores pólos na casa. Um deles é a Secretaria de Prevenção da Corrupção, de informações estratégicas, criada há pouco tempo e que nós estamos acabando de implantar. Ela vai unificar uma série de ações que eram desenvolvidas de forma um tanto quanto esparsas. Iniciativas que têm a ver com a transparência, com a elaboração de projetos de lei, de decretos, com impacto, digamos assim, na prevenção da corrupção. Iniciativas que têm a ver com a melhoria dos nossos quadros de auditores, com foco na auditoria de caráter investigativo. Além, é claro, das providências que já foram determinadas por decreto do Presidente Lula em junho do ano passado e que têm sua implementação começada agora. Como exemplo, as páginas de transparência pública que cada ministério é obrigado, agora, a colocar no seu site, com a divulgação dos extratos dos seus contratos, dos seus processos de licitação com todos os detalhes. Vão ser divulgados todos os convênios feitos por cada órgão e toda a sua execução orçamentária. Cada Ministério vai ter uma Corregedoria, o que foi criado por decreto do presidente Lula.
AT – Isso é suficiente?
JH – É um grande passo que faltava ser dado. Ela se junta aos projetos de normas, como por exemplo, projeto de lei sobre conflito de interesses, que engloba a velha quarentena, que pouco funcionava, porque alcançava a muito poucas autoridades públicas e tinha uma duração de apenas quatro meses. Nós estamos estendendo a quarentena do governo federal para um ano e abrangendo um número infinitamente maior de autoriddades, ao deixar o cargo. Além disso estamos vedando de forma expressa a prática do que nós chamamos de funcionário anfíbio: é aquele que toma uma licença para interesse particular sem vencimentos e que no período de licença vai prestar consultoria para empresas na área de trabalho dele, para vender informação privilegiada. Tem também o projeto de lei que torna crime o enriquecimento ilícito – que até hoje não é crime – é apenas um ilícito administrativo e um ilícito civil da lei de improbidade – mas não é crime no Código Penal. Nós propusemos o Presidente Lula concordou e encaminhou ao Congresso já. Está no Congresso.
AT – Qual o seu sonho de Controladoria?
JH – É ter um número bastante grande de auditores, muito superior o que temos hoje - e olhe que já crescemos. Nós encontramos a Controladoria com 1.500 servidores para atender ao Brasíl inteiro, os 26 estados e todos os órgãos federais. Isso é um nada. Para se ter uma idéia, a lei que criou a carreira de controle há 10 anos previa 5.000 auditores. Num concurso, admitimos 300, conseguimos depois autorização para nomear mais 150 e agora estamos no segundo concurso, com mais 300. Vamos totalizar 750 auditores a mais. O meu sonho é crescer esse número. Outro sonho nosso e da categoria é obtermos a equiparação plena dos vencimentos dos nossos auditores com os auditores fiscais da Receita. Nós já conseguimos aproximar a nossa carreira a 95%, mas precisamos chegar a 100 %. Nada justifica a diferença.
AT – Existe uma fórmula para diminuir a corrupção?
JH – O combate é importante, mas a fórmula mais eficaz ainda é prevenir. Eu não tenho dúvida de que o melhor antídoto contra a corrupção é a transparência. Por isso nós temos todo o interesse de divulgar os relatórios das nossas auditorias. Por isso trabalhamos para instrumentalizar o cidadão a cada dia com essa transparência. É o caso do nosso portal, onde aparecem os gastos, as depesas e os contratos do governo. E queremos cada vez mais tornar a transparência uma coisa popular.
AT – A corrupção é muito grande e a impunidade também. Será que é por isso que sempre valeu a pena ser corrupto?
JH – Sem dúvida. São mais de 500 anos de impunidade no Brasil. Isso vem desde o descobrimento. Sempre valeu a pena. Nunca se divulgou, nunca se perseguiu, nunca se montou uma instituição especificamente com essa preocupação. Tudo isso está começando a ocorrer no atual governo, no governo do Presidente Lula. A Polícia Federal jamais, em tempo algum, perseguiu a corrupção como vem fazendo agora, inclusive contra autoridades do próprio governo. A CGU é uma novidade completa neste país. Não havia nada parecido. O Ministério Público já existia, com os poderes acrescidos, desde a constituição de 88, da qual eu participei. Só que de 1988 a 2002 o Ministério Público ficou amordaçado. Não se permitia que os procuradores tivessem acesso a nada. Alegava-se que eles só poderiam pedir através do Procurador Geral da República, que era quem podia se dirigir aos ministros.
AT – O Procurador não funcionou...
JH – É, todos sabem que ele, o cargo, ficou conhecido como “engavetador geral da República”. Ou seja, não se prestava nenhuma informação ao Ministério Público. Era uma parede de pedra. Nós derrubamos o muro e estabelecenos convênios de parceria, ou seja, mudamos radicalmente essa relação. Tudo isso é novidade. Agora, é óbvio, essas coisas não podem representar uma correção completa de uma tradição de 500 anos de impunidade.
AT – O Sr. acha que a corrupção aumentou?
JH – Aumentou a percepção da corrupção. Porque ela decorre do combate que dá visibilidade à corrupção. Isto é dito hoje não só por nós – nós dizemos isso desde o início – mas por todos os institutos de pesquisa, brasileiros e internacionais. Há pouco tempo uma pesquisa do Ibope, qualitativa, e que é muito interessante, dizia que o brasileiro aceita corrupção quando é para ele Se pergunta assim: você já subornou um guarda de trânsito para não levar multa? Sim, tudo bem. Você já pediu ao dentista para pagar a conta sem recibo, para pagar menos? Tudo bem. Divulgou-se isto. Mas a pesquisa tinha outras partes muito interessantes. Numa delas perguntou-se se tinha aumentado a corrupção, ou o combate. E as pessoas responderam que o combate. Ou seja, até o cidadão comum está entendendo. Ele está vendo nos jornais o assunto corrupção exatamente porque está sendo trazido à tona e combatido. A imprensa está prestando um enorme papel nisto, sem a menor dúvida. Porque está tornando visível a corrupção e o combate a ela.
AT – O Sr. diria que a percepção vai se transformar em ações efetivas de combate?
JH – Eu não tenho a menor dúvida, porque qualquer que seja o governo, que venha a suceder o atual - eu espero que seja o governo do Presidente Lula, obviamente - mas qualquer um que venha ou que vier em 2010, ou 2014, não vai mais poder recuar, porque a visibilidade da questão chegou a tal ponto, é de tal ordem, que a sociedade não vai deixar ninguém recuar mais disto. Ou seja, se vier um governo adiante que quiser por panos quentes, acorbertar as coisas e fingir que está tudo bem, como acontecia até o governo passado, não vai ser possível. Agora, para que isso que estou dizedo aconteça, depende muito de vocês da imprensa.
AT – Como o Sr. vê o papel da imprensa nesse processo?
JH – É muito importante, mas é fundamental que os grandes órgãos de imprensa, os formadores de opinião, que sejam capazes - e espero que sejam - de continuar cobrando, de eventuais governos representantivos de outras forças, da mesma forma que cobra do governo do PT. Aí não vai ter recuo. Agora, se a imprensa amanhã ou depois, deixar de cobrar porque o governo não é mais do PT e sim de partidos conservadores, e então não se cobra, como não se cobrava antes, então é possível que volte tudo como era antes. Mas eu não acredito nessa possibilidade. Acho que é irreversível.
AT – O sistema de sorteios tem mostrado como os municípios tratam os recursos federais. O senhor acredita que os prefeitos estão tendo maior cuidado em função disso?
JH – Não tenho dúvida nenhuma e temos indicativos concretos disto aqui. O que o ministro Waldir Pires pretendeu quando lançou o programa de sorteios foi exatamente isso. A dissuasão da corrupção. Ou seja, não são os 60 municípios que eu vou pegar a cada mês, não é o fato de já termos 1041 municípios atingidos. É muito bom, isso é 20 por cento do total de 5.500 municípios que o país tem. Isso é maravilhoso, mas não é isso que importa. O que importa é o efeito exemplar disso nos outros. Nós já encontramos prefeituras que estão, digamos assim, preparadas para receber a auditoria, que já procuraram se cercar de assessoramento contábil, se reorganizar, organizar melhor seus controles, porque sabem que a qualquer momento a Controladoria pode chegar lá. É claro que isso tem os dois lados. Tem o lado malandro que, ao dizer preparar para receber a Controladoria, está querendo dizer maquiar as contas. Mas tem o lado do Prefeito sério, e que são muitos, que tomaram consciência de que é preciso se organizar e se capacitar melhor."