"A Controladoria tem o dever de investigar tudo onde haja suspeita de qualquer natureza"
Veículo: TV Band/Brasília
Programa: Direto de Brasília
Apresentadores: José Woitechumas e Tairo Arrial
Data: 18 de julho de 2006
Woitechumas – Boa tarde! Hoje é terça-feira, 18 de julho. Está começando mais um Direto de Brasília que é o jornalismo levado a sério, de Brasília para todo o Brasil e América Latina, e também você encontra o nosso Direto no portal do Ig. Você vai lá no Ig, acessa “Último Segundo”, está em tempo real, e também fica armazenado. Você não perde nenhuma das informações aqui do nosso Direto. E hoje dando seqüência à nossa série de reportagens e entrevistas especiais, nós estamos recebendo, com muita alegria, o ministro da Controladoria-Geral da União, ministro Jorge Hage. Boa tarde, ministro!
Hage – Boa tarde.
Woitechumas – É uma alegria, uma satisfação recebê-lo aqui.
Hage – O prazer é meu de vir ao seu programa e conversar com a população a respeito de temas tão importantes que vocês normalmente tratam aqui.
Woitechumas – Ministro, a Controladoria tem se tornado um grande instrumento de expectativa de justiça da população brasileira. O senhor poderia nos dizer hoje qual a abrangência, que tipo de trabalho a Controladoria está realizando?
Hage – A Controladoria atua hoje em quatro áreas: na área do controle interno propriamente dito que é a área mais tradicional, onde já havia a Secretaria Federal de Controle atuando há algum tempo, embora de forma diferente; a área de correição, a Corregedoria que atua, digamos, no momento seguinte para a instauração dos processos administrativos disciplinares e sindicâncias para apurar localizadamente a responsabilidade quando existem servidores federais envolvidos; a área nova de prevenção da corrupção, secretaria nova que foi criada neste governo para atuar na etapa preventiva, com medidas de incremento da transparência pública – o Portal da Transparência, as Páginas da Transparência Pública que hoje nós temos no ar, na internet de todos os Ministérios, divulgando todos os contratos, todas as licitações, todos os convênios, a execução orçamentária, as diárias e passagens, está tudo isso publicado; atua também na área de elaboração de propostas normativas com caráter preventivo, como por exemplo o projeto de lei sobre conflito de interesses, substituindo a velha “quarentena” que não funciona; o projeto de lei criminalizando o enriquecimento ilícito de agentes públicos, porque, a nosso ver, é da maior importância e está há um ano no Congresso –; e a quarta área é a área de ouvidoria que trabalha com reclamações dos cidadãos a respeito já aí não de problemas de irregularidades, de ilegalidades, mas de mau funcionamento do serviço público.
Então, são essas quatro grandes áreas, sendo que na primeira delas, a do controle interno, nós podemos enxergar aí também uma subdivisão: a parte de auditorias que são feitas sobre os órgãos federais, que são feitas todos os anos, em todos os órgãos federais, as auditorias especiais feitas a partir de denúncias, e as auditorias e fiscalizações sobre os recursos transferidos para aplicação local por estados, municípios, ong’s etc. E nessa área nós trabalhamos a partir de sorteios públicos, criados pelo meu antecessor, o ministro Waldir Pires, que esteve aqui outras vezes no seu programa e, certamente, já falou sobre esse programa de sorteios, onde nós – pelo fato de que nós temos no Brasil 5.600 municípios, e não é possível fiscalizar toda a aplicação de recursos públicos permanentemente, em todos eles, recursos federais –, nós sorteamos 60 municípios de cada vez. E foi através desse mecanismo de sorteio que nós identificamos, por exemplo, o esquemas das sanguessugas.
Tairo – Agora, ministro, não surpreende a Controladoria esse volume de fatos, de notícias, envolvendo corrupção, inclusive de parlamentares?
Hage – Pelo contrário.
Tairo – Lá passa tudo, né: sanguessuga, vampiro. Tem de tudo, né?
Hage – Todos os bichos.
Tairo – Quer dizer sendo investigados.
Hage – Exatamente. Não surpreende. Porque isso é, exatamente, o que se poderia esperar, uma vez que como nunca houve uma atuação do controle interno neste nível de intensidade, como há neste governo, e com essa metodologia que foi implantada agora neste governo. O natural, a expectativa era que fôssemos descobrir tudo que estava aí. E é o que está acontecendo.
É como eu costumo dizer: é como se nós estivéssemos destampando um esgoto que estava aí há décadas, quem sabe há séculos. Costuma-se dizer, lá na Controladoria, que no país nós temos 500 anos de desvio; começou com o desvio de Pedro Álvares Cabral quando vinha pra cá.
Tairo – E, pelo jeito, esse esgoto é pelo país inteiro que ele rola.
Hage – Sem dúvida, e agora nós estamos destampando. E o que está vindo de baixo é o que se poderia esperar.
Woitechumas – Agora, não lhe se surpreende?
Hage – Em absoluto. Eu estou na vida pública há 40 anos, já passei pelos três Poderes: pelo Executivo, pelo Legislativo, na época da Constituinte, e pelo Judiciário. A mim, não me surpreende nem um pouco porque o que toda vida se soube, o que todo mundo sabia – mas não se dizia, porque não se tinha prova, não se tinha evidência – é que havia corrupção nesse país, improbidade, peculato, prevaricação. Todo mundo sabia disso.
Ou seja, a surpresa, a meu ver, que determinado setores hoje aparentam, ela só pode se dever a duas coisas: ou ingenuidade, ou cinismo.
Tairo – E a população está respondendo, ministro, à consulta ao Portal da Transparência? Lá já estão registradas, se não estou enganado, mais de 360 milhões de informações.
Hage – 360 milhões de informações, correspondendo, em termos de recursos, a dois e meio trilhões de reais. Estão lá expostos todos os gastos do Governo Federal em todos os órgãos, todos os Ministérios, tanto as despesas aplicadas diretamente quanto as transferidas para estados e municípios.
O cidadão pode ir lá e escolher o estado que ele quer saber onde foi repassado recurso federal para o município dele. Ele vai no mapa, clica em cima do estado, escolhe um município e ele fica sabendo tudo que foi repassado pela União para lá, inclusive, no caso de transferências diretas de renda, como o Programa Bolsa Família, ele vê lá o nome de um por um das pessoas que receberam o Bolsa Família, com os valores respectivos.
Isso é um avanço tão grande em termos de transparência, que nunca houve no Brasil, que hoje ninguém precisa investigar se a mulher do prefeito, o vereador está recebendo o Bolsa Família. E é o cidadão local quem sabe melhor, porque que conhece pelo nome essas pessoas. É só clicar e ele vê, e aí ele denuncia pra nós.
Woitechumas – Está certo. Nós vamos continuar nossa entrevista com o ministro Jorge Hage, da Controladoria-Geral da União. E depois, nós vamos querer saber exatamente sobre uma das funções da Controladoria: prevenção de corrupção. Nesse momento, é algo surpreendente. Nós já voltamos. Tome um cafezinho.
2º BLOCO
Woitechumas – Estamos retornando com o nosso Direto de Brasília, o jornalismo levado a sério, nesta terça-feira, 18 de julho, entrevistando o ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage. Ministro, uma coisa que o senhor falou aqui que pode surpreender a muita gente: é possível prevenir a corrupção?
Hage – Pois é, essa é uma questão que se discute nos foros internacionais, quando se discute as convenções internacionais contra a corrupção, como a interamericana da OEA ou a convenção da ONU, discutimos isso no Fórum Global contra a Corrupção, realizado aqui em Brasília, em junho do ano passado. Há algumas linhas no que se tem chamado modernamente de “políticas de integridade institucional”, que instituições como o Banco Mundial, o BID e outras vêm experimentando nas suas próprias estruturas e propondo para os diversos países.
Essa política de prevenção se compõe de várias linhas. A primeira delas: inteligência, ações de inteligência, trabalhos de caráter preventivo, antes de acontecer e de se consumar a lesão ao patrimônio público, a fraude, o ato de corrupção ou de improbidade. Nós estamos trabalhando muito nessa linha, trabalhando com as chamadas matrizes de risco. Identificamos, por exemplo, quais são os órgãos públicos onde há maior probabilidade de acontecerem atos de corrupção. O que pode nos levar a identificar isso: volume de recursos; fragilidade dos sistemas de controle; interesses privados em relação àquele órgão; composição do quadro de pessoal – se se trata de servidores de determinada carreira ou se é um órgão que tem muito pessoal terceirizado –; se os sistemas informatizados estão sendo auditados permanentemente ou não, se é fácil fraudar o sistema informatizado, obter a senha de um servidor para entrar no sistema e alterar um dado ou não. Enfim, com essa composição nós identificamos quais são os setores de maior risco e voltamos o trabalho pra isso. Segundo, em programas de grande vulto trabalhar com o controle preventivo, ou seja, a fiscalização paralela. Nós fizemos uma experiência disso, concreta, agora, aqui no governo, com o programa emergencial de recuperação de estradas feito pelo DNIT.
Woitechumas – O popular “tapa-buracos”?
Hage – É, que não é só tapa-buracos, mas ganhou esse apelido. A Controladoria, preventivamente, fez a filmagem de 20 mil quilômetros de estradas, dos 25 mil que iam ser, digamos assim, trabalhados pelo DNIT. Fizemos essa filmagem; identificamos as áreas onde realmente havia necessidade do trabalho; calculamos o custo daquelas intervenções; partimos para o diálogo com o DNIT, em caráter preventivo, para ver se os contratos que estavam sendo celebrados estavam adequados àquela previsão; para que não houvesse nenhuma possibilidade de que dentro do programa de emergência, com a rapidez em que tem que ser feito, houvesse riscos de desvios.
Uma outra linha na área de prevenção é a transparência. Nós entendemos – e por isso mesmo que o cargo de ministro do Controle, hoje, é ministro do Controle e da Transparência, é o título do cargo. Porque o ministro Waldir Pires fez questão de colocar isso no próprio nome do cargo – que a transparência é o principal antídoto contra a corrupção.
Então, o que nós fizemos de concreto em matéria de transparência? Nós abrimos o Portal da Transparência, que já falamos dele aqui há pouco, mas nos demos por satisfeitos com isso. Propusemos, e o presidente Lula assinou decreto no ano passado, e já estão no ar hoje as Páginas de Transparência Pública de cada Ministério, ou seja, cada Ministério é obrigado a publicar na internet o extrato de todos os seus processos licitatórios, todas as licitações – convite, pregão, concorrência, tudo –, dizendo quem concorre, quem vence, por que vence, se já está homologada ou não, está tudo nas Páginas; os convênios que celebra; a execução orçamentária da sua despesa; as diárias dos servidores; tudo isso divulgado na internet.
Tairo – Agora, ministro, o salário, nas investigações feitas, o salário do servidor tem algo a ver com a facilidade com que, às vezes, ele se corrompe?
Hage – Deixa só eu concluir o raciocínio para concluir o quadro. Além disso, como medida de transparência, há uma outra, que vai ser neste ano iniciada, que é a publicação dos relatórios de auditoria da Controladoria sobre cada órgão federal, com as conclusões sobre a regularidade, irregularidade ou ressalva; vai tudo para a internet.
E a terceira linha na área preventiva são projetos normativos, como o do conflito de interesses, capazes de prevenir a ocorrência de corrupção pela prevenção de situações de conflito, e projetos com potencial inibitório, como, por exemplo, o do enriquecimento ilícito, sobre o qual a gente pode falar depois. Então, é um conjunto de medidas, associadas ao treinamento e capacitação dos servidores e à conscientização do pessoal, tanto da administração federal quanto das administrações locais que executam programas federais com dinheiro transferido.
É esse conjunto de medidas que, nós entendemos, pode contribuir para a prevenção.
Woitechumas – Eu vou pedir para o ministro responder essa questão do Tairo, sobre a possibilidade de o salário ser um elemento para chegar-se à corrupção, ao corrompedor e ao corruptível, logo após o intervalo. Você toma um cafezinho aí e nós já voltamos.
3º BLOCO
Woitechumas – Estamos retornando com o nosso Direto de Brasília, hoje, entrevistando o ministro Jorge Hage, da Controladoria-Geral da União e Transparência. Ministro, respondendo a essa questão do Tairo sobre o salário ser um motivo, um elemento para o sujeito ser corrompido.
Hage – Sem dúvida que é um elemento importante. É claro que está longe de ser o único e, eu diria, está longe de ser o principal. Se fosse o principal, não haveria corrupção nos escalões mais altos dos agentes públicos, dos agentes políticos. E nós sabemos, estamos vendo aí todos os dias, que isso não corresponde à verdade. Existe a corrupção em todos os níveis.
A grande corrupção envolve pessoas e agentes públicos e agentes políticos que nada têm de mal remunerados. E a pequena corrupção, é claro, envolve o problema salarial. Por isso que, em relação á pequena corrupção, nós consideramos importantíssimo que o servidor receba salários dignos, à altura, salários capazes de deixá-lo em condição de ter uma vida tranqüila, do ponto de vista da sua sustentação e de sua família.
Então, por exemplo, a corrupção que envolve o guarda de trânsito, que envolve o policial rodoviário, a corrupção que pode envolver o fiscal – o fiscal de todas as áreas, o fiscal do controle, da receita, do trabalho –, essas carreiras são consideradas estratégicas, sensíveis, exigem uma boa remuneração e nós defendemos isso sempre. Agora, é nessa faixa, na faixa, digamos, no alto da pirâmide, agentes públicos e políticos de outros níveis, é claro que não têm nenhuma relação com o problema remuneratório.
Tairo – Agora, ministro, na CPI das Sanguessugas surgiu também a informação de fraudes semelhantes no Ministério da Educação, no Ministério da Ciência e Tecnologia e no Ministério de Comunicações. A Controladoria está, também, investigando?
Hage – Está. A Controladoria tem o dever de investigar tudo onde haja suspeita de qualquer natureza. A Sanguessuga, em si, foi descoberta a partir, como eu disse, do nosso programa de sorteio de municípios. Localizamos, num primeiro momento, no estado de Rondônia. Em alguns municípios de Rondônia, descobrimos o mesmo padrão de operação, o mesmo esquema.
Woitechumas – O que chamou a atenção, ministro?
Hage – Foi o modus operandi que começava a se repetir em vários municípios e o mesmo grupo de empresas participando. Eram as mesmas: a Planam, a Santa Maria, a Comercial Rodrigues, a Klass etc. E aquilo nos chamou a atenção. Primeiro, se repetiu em diferentes municípios de Rondônia; depois, nós ampliamos o foco para outros estados, Mato grosso e outros mais, e vimos que se repetia.
Suspeitamos que era um esquema nacional e encaminhamos imediatamente para a Polícia Federal, Dr. Paulo Lacerda, pedindo a instauração de um inquérito. Isso foi em outubro, novembro de 2004. Foi instaurado inquérito ao longo de 2005. Isso progrediu sob o comando do delegado Tardelli, que fez um trabalho excelente. Claro que demorou porque dependia de autorização judicial para instalar escutas e, a partir das escutas, é que se foi desvendando todo o esquema.
Enquanto isso, nós continuamos fazendo as fiscalizações nos municípios e, sempre que encontrávamos o mesmo grupo de empresas participando, as mesmas fraudes, nós encaminhávamos e alimentávamos a Polícia Federal. O Ministério Público, em paralelo, no Mato Grosso também já investigava a questão e aí chegou-se ao que se chegou hoje. E nós continuamos trabalhando e descobrindo mais. Nos outros ministérios, identificou-se um padrão semelhante e, em alguns casos, envolvendo as mesmas empresas.
No caso do Ministério da Educação, se trata de recurso do FNDE, onde o Ministério verificou e informou que só houve emendas de parlamentares no ano de 2001. E é verdade. Foram emendas de bancadas, concentradas no estado de Mato Grosso e no Rio Grande do Sul, em 2001. Ou seja, a fraude com recursos oriundos de emendas.
Agora, como a Controladoria trabalha, não focando na origem do recurso, mas qualquer fraude com dinheiro federal – seja oriundo de emenda, seja oriundo do orçamento normal – nós estamos verificando também os outros anos, de 2000 até 2005. E descobrimos o quê? Que o programa de financiamento para a compra de ônibus para transporte escolar só funcionou até 2003. Em 2004, ele foi suspenso e o Governo Federal deixou de repassar dinheiro para a compra do ônibus. Passa dinheiro hoje para a manutenção e o custeio de gasolina, de oficina ou de aluguel de transporte escolar atípico, como nas regiões de difícil acesso na Amazônia, onde se aluga barco para ir para a escola. Então, no MEC estamos nesse pé, estamos realmente agora com esses casos de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul, concentrados em 2001 e 2002. Porque alguma despesa se realizou ainda em 2002.
No caso do Ministério da Ciência e Tecnologia, já há alguma coisa – nós estamos iniciando essa investigação –, alguma coisa aparecendo com recursos oriundos de emendas, com recursos do MCT, repassados via FINEP, em alguns municípios no estado do Rio de Janeiro. Já identificamos alguns problemas, mas isso está ainda em avaliação.
E no Ministério das Comunicações, ainda não temos. O ministro Hélio Costa informou que tinha feito a suspensão dos convênios no momento em que ele assumiu o Ministério.
Tairo – E a investigação, ministro, sobre os tais cartões corporativos do governo?
Woitechumas – Bom, vamos fazer mais um intervalo para lhe dar fôlego, porque você está sabendo como os “sanguessugas” foram descobertos. Agora, vamos neste caso específico dos cartões. E vamos saber qual foi a reação do ministro quando ele olhou a tal lista de 60, 80, duzentos e tanto parlamentares. Nós já voltamos.
4º BLOCO
Woitechumas – Nós estamos entrevistando hoje o ministro da Controladoria-Geral da União e Transparência, Jorge Hage, nesta terça-feira e vamos, então, para o último bloco da nossa entrevista e um assunto que deve ser espinhoso para qualquer governo que tenha cartão corporativo. Nós sabemos que alguns ministros, à época em que esse cartão foi criado e a eles foi oferecido, o recusaram. Mas hoje ele existe e está detectado aí exagero de compras. Isso é uma realidade, ministro?
Hage – Não. De fato, nós entendemos que o uso do cartão corporativo deve ser ampliado, intensificado cada vez mais. Ele é um instrumento excelente que viabiliza melhor controle e transparência nos gastos que podem se realizar por essa forma, ou seja, independente de empenho prévio, direto ao fornecedor. Eu estou dizendo o seguinte: sempre existiu. Está na lei, desde 1964 – a lei 4.320 e os decretos que a regulamentam –, que determinadas despesas, chamadas de pronto pagamento, despesas de desembolso imediato – um táxi; despesa de viagem; um restaurante; a compra de um material de baixo custo em um supermercado em frente –, porque é preciso o uso imediato, dentro de um determinado limite de valor, sempre se fez isso pelo mecanismo chamado “suprimento de fundos”, em que você adiantava uma quantia para um servidor e ele abria uma conta no Banco do Brasil, recebia um talão de cheque e fazia a emissão de cada cheque. Ora, isso resultava numa papelada de prestação de contas terrível. E são milhares e milhares de funcionários, em cada órgão público tinha um ou dois.
Woitechumas – O ordenador de despesas?
Hage – Não é bem isso. Ele é o portador do suprimento de fundos. O que é o cartão? O cartão é apenas a substituição da conta bancária com cheque pelo cartão. Então, qual é a vantagem? A vantagem é muito maior. Com o cartão, nós temos hoje, pelo convênio com o Banco do Brasil, acesso ao extrato do cartão, pela internet, a qualquer momento, e uma facilidade muito maior de controle. Basta dizer que o estado de São Paulo, que é o pioneiro no uso do cartão, tem dez vezes mais cartões que a administração federal toda. A campanha que nós fizemos na administração federal, junto com o Ministério do Planejamento – no tempo do então ministro Nélson Machado que hoje está na Previdência e que foi quem mais estimulou e implantou isso, porque ele vem do estado de São Paulo, com a experiência de lá –, a nossa cruzada é pela ampliação do uso do cartão em substituição ao esquema tradicional da conta chamada tipo B com aquela papelada toda de prestação de conta.
Tairo – Agora, ministro, lhe surpreende e lhe entristece, já que o senhor passou por lá, ver hoje um número tão grande de congressistas envolvidos em sanguessugas e vampiros, nessas operações todas que a Polícia Federal está investigando?
Hage – Sobre isso, claro, eu falo como cidadão; não como ministro de Estado, uma vez que não compete à Controladoria nenhuma espécie de controle sobre o Congresso. Nosso âmbito de competência legal é sobre o Poder Executivo. A parte do Congresso, tudo que nós fazemos, nós encaminhamos para a CPMI. O deputado Biscaia e o senador Amir Lando nos solicitam e nós encaminhamos tudo que eles nos pedem. Ou, então, o Ministério Público nos pediu, a Polícia Federal nos pede informações que serviram para ação judicial e isso hoje está na CPMI porque foi solicitado. Nós não temos nenhuma interferência nisso. Agora, é claro, que a mim como cidadão me entristece, mas eu não diria que me surpreende. Porque eu fui parlamentar, eu sei no que se transformaram as campanhas eleitorais neste país, eu sei qual o peso da influência do dinheiro para assegurar uma eleição. Por isso mesmo, eu deixei a atividade político-partidária-eleitoral desde 1990, porque vi que eram inviáveis os padrões em que me interessaria fazer. Eu sei o que é o peso do fator econômico e, por isso mesmo, eu sou um defensor ferrenho do financiamento público de campanhas. Para mim, é a única forma de se cortar esse problema pela raiz.
Woitechumas – Ministro, ainda no aspecto pessoal da sua análise como cidadão, como o senhor está vendo este estado de caos, por exemplo, no estado de São Paulo, com esta violência chegando às ruas?
Hage – Como cidadão, eu posso dizer da minha preocupação, da minha apreensão. Até porque tenho familiares que vivem, que moram no estado de São Paulo. É uma preocupação para todos nós. Eu entendo que a forma de enfrentar isso no nível em que chegou, de guerra declarada, agora, é com força e inteligência. É claro que, no longo prazo, é com educação, com criação de emprego, atingindo as raízes do problema da criminalidade. Mas hoje, a meu ver, tem que ser uma resposta afirmativa, que depende de uma atitude forte e enérgica das autoridades. Não é possível simplesmente, agora, estar discutindo as origens do problema. Tem que ser atacado de frente. Esses comandantes dessas quadrilhas têm que ser absolutamente isolados nos presídios de segurança máxima de que o país já dispõe.
Woitechumas – Ministro Jorge Hage, da Controladoria-Geral da União e Transparência, nós agradecemos muito a sua presença aqui. Passou tão rápido que a gente teria ainda muitos assuntos, portanto, o convite já está feito para uma próxima oportunidade o senhor voltar aqui. Porque consideramos que desta vez parece que as coisa s estão sendo feitas realmente como devem ser feitas. Ministro, parabéns pelo seu trabalho, pela sua coragem que já conhecia como parlamentar e vamos aguardar a sua próxima vinda aqui.
Hage – O convite já está aceito de imediato. Até porque eu entendo que a imprensa livre, séria e isenta, como esta, é parceira fundamental do esforço que nós estamos fazendo, que depende, em grande parte, da participação da sociedade como fiscais permanentes do Estado.
Woitechumas – Obrigado, ministro. E a você que nos acompanhou uma boa tarde.