"A Controladoria-Geral da União efetivamente é uma experiência que deu certo"
Veículo: CNT
Programa: Jogo do Poder
Apresentador: Carlos Chagas
Data: 30 de maio de 2006
Apresentação de Carlos Chagas, com a participação dos jornalistas Bernardo de La Peña, do jornal O Globo (Brasília), e Leonardo Souza, do jornal Folha de S. Paulo (Brasília).
Carlos Chagas – O governo lula está com praticamente três anos e meio de administração e criou coisas novas. Umas não deram certo, como o programa contra a fome, por exemplo; outras deram muito certo, como a criação da Controladoria-Geral da União, para fiscalizar, evidentemente, por amostragem, mas para fiscalizar também, não só a Administração Federal, mas também a estadual e a municipal. Durante esse tempo todo o ministro foi Waldir Pires, mas Waldir Pires foi mudado de lugar, foi para o Ministério da Defesa, aliás uma coisa muito importante para um homem como ele. Nós vamos conversar então sobre a Controladoria-Geral da União e outros temas políticos do momento com o novo Ministro-Chefe da Controladoria, Dr. Jorge Hage, que é o nosso convidado dessa noite.
Ministro, vamos primeiro para uma tentativa de relatório. Deu resultado realmente a Controladoria Geral da União? Ou eu exagerei um pouco na abertura?
Jorge Hage – Boa noite ouvintes da CNT. Você não exagerou em nada. A Controladoria-Geral da União efetivamente é uma experiência que deu certo e deu muito e vai dar mas certo ainda, desde que haja continuidade nesse esforço. Que esforço? É o esforço que pela primeira vez, de forma inédita, se faz neste País de um combate sistemático à corrupção e de prestigiar o controle do dinheiro público, o dinheiro público federal em todas as suas formas e vertentes de aplicações, da junção das funções de controle interno e auditoria, com a função correicional, com a função de ouvidoria e agora com a mais nova área nossa que é a de prevenção da corrupção. Nós hoje estamos caminhando para nós tornarmos um órgão de referência da ONU no combate à corrupção para os países do continente.
Carlos Chagas – Mas, Ministro, não há uma superposição de tarefas entre a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União e talvez até o Ministério Público?
Jorge Hage – Não, pelo contrário, o que há no momento é uma importantíssima articulação entre todos esses órgãos que você mencionou e mais outros, como a COAF, como a PF, como DRCI do Ministério da Justiça, como em algumas das atividades o próprio BC, ou seja, todos os organismos que têm alguma parcela de responsabilidade no controle em sentido amplo. Essa articulação, essa integração era o que faltava. O TCU é um órgão de controle externo, ele trabalha em auxílio ao Congresso Nacional e, como tal, ele abrante todos os Poderes. A CGU é o órgão previsto na Constituição Federal também como órgão de controle interno somente do Poder Executivo. Os nosso trabalhos deságuam no TCU, para fins de julgamento de contas, e no MP, quando é o caso de ilícitos civis ou criminais, para o ajuizamento de ações perante o Judiciário. A PF é nossa parceira essencial nas investigações, por sua vez, porque o instrumental de auditoria não é o suficiente para se chegar a determinadas constatações, como se deu agora na Operação Sanguessuga. Nós descobrimos um padrão de comportamento semelhante, identificamos sinais de que havia um esquema, uma máfia, de âmbito nacional, e pedimos à PF que instalasse um inquérito. Com a PF na jogada, ela pôde pedir ao Judiciário a instalação de escutas telefônicas, de outras formas de quebra de sigilo e aí o trabalho funciona de forma integrada.
Carlos Chagas – Ministro, infelizmente na semana passada o Judiciário soltou todo mundo.... da Operação Sanguessuga. Qual é a sua impressão?
Jorge Hage – É claro que eu na função que ocupo hoje não posso me manifestar sobre decisões do Judiciário, sobretudo em meu caso seria imperdoável, porque eu sou ex-juiz, aposentado, eu sou juiz aposentado há 3 anos. Mas também dentro do Judiciário nós podemos discordar e divergir, o fundamento desse habeas corpus eu não sei exatamente, porque eu não conheço a decisão, só vi a leitura dos jornais. Se o fundamento, foi a falta de competência da Justiça de primeira instância para processar essas pessoas, eu discordo, porque o delegado, o juiz tiveram o cuidado de cortar o processo, desmembrar, e a situação dos parlamentares foi encaminhada ao Supremo; eles estão investigando os não-parlamentares. Eu não sei se a decisão foi baseada nisso, no entendimento de que por conexão todos devessem ser processados no Supremo. Se foi nesse sentido, a minha opinião é divergente.
Bernardo de La Peña – Dr. Jorge eu queria fazer uma provocação. É claro que o senhor acabou de assumir a CGU, mas a gente reconhece e sabe que o senhor já está desde o primeiro momento como principal assessor do Ministro, do antecessor do senhor, o Ministro Waldir Pires. Esse governo passou de meados do ano passado, do final do ano passado, até este ano por talvez um dos maiores escândalos nessa área de corrupção e desvio de recursos públicos pelos quais tenham passado os últimos governos. Eu queria saber do senhor se na sua avaliação de quem está de olho no combate à corrupção, o senhor acha que foram criados neste momento instrumentos e a corrupção está aparecendo ou, na verdade, houve problemas além dos que normalmente a gente sabe que acontece nós governos?
Jorge Hage – Eu lhe digo, como eu tenho dito, o que esse governo está fazendo é destampando o esgoto, o que está aparecendo agora está aí há muitos anos. Aliás, há décadas! Ninguém é ingênuo para imaginar que a corrupção no Brasil começou agora, tudo o que nós temos descoberto, identificado, investigado, não só nós, mas o Ministério Público, que nunca teve a liberdade que tem hoje, a facilidade de informações que tem hoje, nós celebramos convênio de parceira com eles para facilitar a investigação. A Polícia Federal nunca teve a autonomia e reforço de verbas e de homens que tem nesse governo. A Controladoria-Geral da União praticamente inexistia até criação deste governo. Então o que nunca houve é o grau, o nível de abertura das coisas e de investigação que há, houve, tudo isso aparece, é trazido à tona e cria-se a percepção para um julgamento mais simplista de que a corrupção está começando aqui, mas ninguém é ingênuo – aliás alguns não são ingênuos, mas são de uma outra linha, eu diria... pelo cinismo, nós vemos aí arautos, os novos arautos da moralidade e que são aqueles que toda a vida se beneficiaram da corrupção e agora posam de vestais.
Carlos Chagas – O senhor falou de pouso e quem pousa no galho é o tucano... não é não?
Jorge Hage – não só os tucanos, mas outros também posam de vestais da moralidade, mas somente por cinismo e ingenuidade vai se imaginar que a corrupção começou agora. Tudo o que nós temos descoberto desde a Operação Sanguessuga das ambulâncias, o esquema de corrupção com as emendas parlamentares vem de longe. Até nos Correios, por exemplo, a auditoria dos Correios que foi o início do escândalo, da grande crise, tudo o que nós descobrimos lá vem de longe: os problemas com a rede aérea postal noturna, com aquelas empresas, o superfaturamento, as concessões de reequilíbrio financeiro dos contratos, os pagamentos superfaturados, está tudo documentado. Vêm da década de 90, 97, 99 todas aquelas situações sem exceção, de modo o que está acontecendo de novo no Brasil é a efetiva investigação, o efetivo combate da corrupção. A população já começa a entender isso. Em um primeiro momento teve-se a impressão de que estaria crescendo a corrupção, agora eu tomei conhecimento de uma pesquisa, não sei de qual instituição, de que já há sinais de uma percepção de que o que está havendo é mais combate e que não se está inventando a corrupção agora.
Carlos Chagas – Ministro Jorge Hage, vamos fazer um pequeno intervalo, aqui no Jogo do Poder e voltaremos dentro de um minuto.
Carlos Chagas – Voltamos aqui do programa Jogo do Poder da CNT, diretamente Brasília, a conversar com o Ministro Jorge Hage, da CGU, e a pergunta agora é de Leonardo Sousa.
Leonardo Souza – Ministro, o senhor acha que é possível fazer uma comparação entre o grau de corrupção que há hoje no atual governo com o governo anterior?
Qual que tem um volume maior de corrupção?
Jorge Hage – A comparação objetiva, direta, é impossível, porque no governo anterior nunca se investigou corrupção nenhuma. O que se sabe, filtrado com as denúncias da imprensa e jamais apurados, é que havia corrupção maciça nas privatizações, em todos os casos de privatizações, havia corrupção no orçamento, os escândalos que a impressa divulgava. Entretanto, jamais eram objetos da medida apuracional. Essa é a grande diferença essencial entre esse governo e o governo passado.
Carlos Chagas – Não dar para apurar agora o que aconteceu no governo passado?
Jorge Hage – Aí nós temos um ponto delicado. Na minha opinião e na minha avaliação pessoal, o nosso governo cometeu um erro: no início do governo a orientação foi nós não voltarmos para o passado, não olharmos para o retrovisor, olharmos para frente. Então não houve orientação no sentido de que nos permitisse escarafuncharmos o passado. Nessa altura evidentemente tudo o que nós estamos descobrindo a partir das investigações atuais vai em linha, voltando e chegando lá, é o que aconteceu no caso dos Correios, como eu disse há pouco, como é o caso das ambulâncias, no caso da merenda escolar nos Estados do nordeste, no caso da Operação Gafanhoto...
Leonardo Souza – Mas casos surgidos nessa gestão... por exemplo o caso do Marcos Valério com a Visa Net – Banco do Brasil...
Jorge Hage – O Marcos Valério está absolutamente comprovado e datado que vem no mínimo de 1998, na campanha do PSDB, então ele também não é novidade....
Leonardo Souza – Mas não na esfera federal....
Jorge Hage – Não estou dizendo nesta ou naquela entidade, estou dizendo que a atuação dele não foi inventada, o modelo foi herdado, o modelo não foi inventado agora neste governo. Então todas essas descobertas que fazemos agora, nós rastreamos e vemos que ela vem de longe, neste ou naquele órgão... pode trocar de lugar, de uma estatal para outra....
Leonardo Souza – A comparação que eu faço é a seguinte: em nível federal, no caso da Visa Net – Banco do Brasil, porque apesar de ter havido nela problema do Marcos Valério com o PSDB, em Minas Gerais, é um problema estadual. Eu vejo que na esfera federal esse problema do Marcos Valério tem uma certa promiscuidade com o governo, ele surge na gestão do atual presidente .
Jorge Hage – Ele é descoberto nesta gestão, ninguém pode nos garantir se ele surge, porque nada se apurava. Não havia órgão de controle interno com o status, o prestígio e a força da CGU. O MP encontrava uma barragem absolutamente fechada, os ministros nem sequer respondiam a pedido de informação do MP. Eles diziam “não, só quem pode solicitar informação é o Procurador-Geral”, e o Procurador-Geral ficou conhecido nacionalmente como quê?
Todos – O engavetador geral...
Jorge Hage – Então, se não havia investigação, como vai se saber o tanto de corrupção que havia? Agora nós sabemos, nós estamos identificando pelo rastreamento passado; vocês jornalistas sabem... mas sabem também que a imprensa não tinha o estímulo que tem hoje para criticar o governo nos períodos anteriores. A minha expectativa é de que o que nós conseguimos fazer nesse governo, em matéria de transparência completa, tenha continuidade... e que as cobranças dos órgãos de imprensa continue na mesma intensidade, quaisquer que sejam os governos futuros, inclusive se forem os partidos de antes, os partidos conservadores, em relação aos quais as cobranças nunca foram no mesmo nível.
Bernardo de La Peña – Dr. Jorge, o senhor caminha também nessas áreas dos escândalos dos Correios, que virou escândalo do IRB, do Mensalão... o senhor caminha de certa maneira pisando em ovos, porque a CGU e os outros órgão que também atuam investigando esses casos, mas esses não fazem parte do governo, estão investigando parlamentares da base governista, estão investigando altos funcionários da Administração Pública e em alguns casos até ministros. Qual é o procedimento da CGU nesses casos? Não há aí nenhum tipo de solidariedade com o colega de governo.... como se comportam os auditores?
Leonardo Souza – Para complementar a pergunta do Bernardo, a CGU sofre pressão do governo quando tem que investigar o próprio governo e até parlamentares da base aliada? O senhor já sofreu algum tipo de pressão?
Jorge Hage – Muito boa pergunta. Eu lhes respondo da seguinte maneira: o governo afastou, exonerou, demitiu mais de 50 altos dirigentes em função dessa crise, fato também inédito. Governo nenhum, na história do país fez isso. Nós não temos nenhuma dificuldade. Nós estamos processando hoje três ex-diretores da Empresa de Correios e Telégrafos, porque eram os que tinham vínculo com o serviço público, portanto precisam de processo para se decidir se perdem ou não o cargo efetivo. Os de cargos comissionados, todos perderam imediatamente por ato do Presidente da República. O mesmo aconteceu no IRB, em Furnas, o mesmo aconteceu na Casa da Moeda, em todas as estatais citadas aqui o governo afastou todos, e mais, afastou outros servidores em funções estratégicas, afastou as comissões de licitação, afastou os pregoeiros, ou seja, o que mas se há de pedir para a administração? A administração chegou a seu limite, afastar, demitir, exonerar... agora os processos judiciais, civis e criminas esses não cabem a nós, cabem ao MP e ao Poder Judiciário.
Leonardo Souza – Mas e no primeiro escalão? Por exemplo...
Jorge Hage – Eu lhe pergunto se existe algum ministro que continue no governo e que esteja acusado de algum ilícito?
Leonardo Souza – Ministro não, mas o Jorge Mattoso, ex-presidente da CEF, ele chegou a ser investigado pela CGU?
Jorge Hage – Ele exonerou-se, não foi investigado, mas isso está no processo. Não foi investigado por não ter vinculo permanente com o serviço público, não havia mais nada a fazer...
Carlos Chagas – Também pediu demissão...
Jorge Hage – Não, pois é... quem ocupa um cargo de comissão....
Leonardo Souza – Exonerou antes da demissão, porque uma das coisas que a CPI investigou era o suposto beneficiamento que a CEF teria dado ao BMG na carteira de crédito consignado... nisso houve, se não me falha a memória, até questões do TCU condenando esse negócio da CEF como BMG, então naquele período a CGU chegou a pelo menos cogitar investigar o Mattoso?
Jorge Hage – Eu não tenho conhecimento de nenhuma denúncia envolvendo o Dr. Jorge Mattoso com essa questão. O que tenho é do caso da quebra de sigilo.... que nós solicitamos todas as informações à CEF, temos um processo formalizado, e encaminhamos à única instância restante que cabia encaminhar, que é o MP, para fins de ação de improbidade, se for o caso, porque no plano administrativo não havia mais nada a fazer. É o parecer da Consultoria Jurídica: ele pediu exoneração do cargo em comissão, ele não é servidor efetivo, ele não ocupava sequer um cargo DAS para que nós pudéssemos promover, no limite, o que nós temos feito no caso do cargo DAS, que é a conversão da exoneração em destituição, que é uma coisa bastante remota, mas que é o resíduo sancionatório que ainda cabe. No caso dele, como é dirigente de uma estatal, não é ocupante de cargo DAS, não está sujeito à Lei 8112/98, nem isso cabia, ou seja, nós levamos ao limite a verificação de nossas competências e nunca tivemos a menor dificuldade de ordem política, de aporte do Governo.
Carlos Chagas – Ministro Jorge Hage, vamos fazer um pequeno intervalo, aqui no Jogo do Poder e voltaremos dentro de um minuto.
Carlos Chagas – Voltamos aqui do programa Jogo do Poder da CNT, diretamente Brasília, a conversar com o Ministro Jorge Hage, da CGU. E a pergunta agora é de Bernardo de La Peña
Bernardo de La Peña – Ministro, a gente ouve dentro do próprio governo algumas críticas ao trabalho da CGU, que talvez não sejam críticas, mas a gente ouve um lamento, quanto aos quadros de servidores e os números de servidores que a CGU detém, que não serias suficientem para que fosse cumprida com o devido zelo essa gigantesca tarefa de combater a corrupção no Brasil. O senhor acha que o número de servidores é adequado? Precisa crescer um pouco, é muito...
Jorge Hage – Bernardo, o número previsto na lei da carreia de finanças e controle, que é de 1995, era de 5 mil auditores, entre analistas e técnicos, 5 mil... Quando nós assumimos, no início do governo Lula, em 2003, nós encontramos na casa apenas 1.400. Aqui eu não preciso dizer mais nada, aí fica clara a prioridade que os governos anteriores davam ao controle do dinheiro público; nunca tiveram interesse nenhum em fortalecer o órgão do controle, evidente.
Bernardo de La Peña – E o que fez o governo em relação a isso?
Jorge Hage – O que fez? Aumentou em mas de 50% o nosso quadro de pessoal, fizemos 2 concursos, no primeiro admitimos 300. Com autorização legal de mais 50%, admitimos 450 auditores. E agora estamos concluindo a segunda parte do segundo concurso, que é o curso de formação, termina dia 16 de junho. Então serão 750 em cima de um universo de 1.400, que é um crescimento superior a 50% em 3 anos.
Carlos Chagas – Existe influência governamental partidária na nomeação desse pessoal?
Jorge Hage – Nenhuma, é tudo concurso público.... e todos os cargos da SFC (Secretaria Federal de Controle Interno) só podem ser ocupados por membros da carreira. As nossa unidades, inclusive regionais, que temos em todos os Estados, estamos equipando-as cada vez mais com veículos, com computadores, com máquina de filmar, com isso mesmo conseguimos filmar 25 mil quilômetros de rodovias do programa emergencial para verificar a efetiva ação dos órgãos. Tudo isso nas unidades regionais, onde os chefes são da carreira, não estão sujeitos a injunção política nenhuma. Então esse incremento numérico dos auditores, superior a 50%, e o crescimento da remuneração, que é fundamental, para você ter uma categoria profissional em uma área delicada como essa, o crescimento da remuneração desses três anos foi da ordem de 90% a 100%, o que dá a medida concreta em dados objetivos do prestígio, do interesse desse governo em fortalecer esse órgão.
Carlos Chagas – A CGU jamais entrou em choque com o Ministério da Fazenda por conta disso?
Jorge Hage – Mas o tempo todo, evidente que isso é sempre uma queda de braço com a área econômica. Agora, seguramente estamos em mais uma de reajuste salarial, que é sempre uma época difícil, mas a sensibilidade de todos para com o controle tem permitido que a CGU cresça. Hoje nós temos orçamento próprio, no governo passado não tinha não, vivíamos de favores com o Ministério da Fazenda e da Casa Civil. Hoje nós temos uma instituição realmente consagrada, com reconhecimento da população, graças, inclusive, à divulgação que a mídia tem dados ao nosso trabalho. Ela é parceira fundamental do controle, até porque nós entendemos que todas as nossa ações, por mais completas que sejam, precisam ser complementadas com a vigilância da população, da sociedade, é o que nós chamamos de controle social. Nós fazemos questão de que o nosso trabalho seja divulgado, tudo o que nós encontramos quando fiscalizamos um município, um convênio deve ser divulgado, porque nós sabemos da lentidão, da sanção da forma judicial, quanto tempo vai demorar, e de outro lado essa sanção difusa que a opinião pública constrói a partir do conhecimento das coisas, quando nós divulgamos pela imprensa, ela já funciona como um fator inibidor da corrupção.
Carlos Chagas – Algum prefeito já perdeu o mandato, já foi parar na cadeia por conta da CGU?
Jorge Hage – Vários, inúmeros já foram afastados do cargo, alguns sucessivas vezes, mas conseguiram liminares para voltar, e o MP com base em nossas informações conseguiu afastar....
Carlos Chagas – Mas tem como fiscalizar 5.500 municípios?
Jorge Hage – Sim, por amostragem. Nós fazemos uma amostragem aleatória de 60 municípios a cada mês e fiscalizamos.
Carlos Chagas – Cai algum do PT?
Jorge Hage – Cai, é evidente, sem dúvida, de todos os partidos. O sorteio é público na Caixa Econômica, naqueles globos que sorteiam a Loto e a Sena. Ali não tem perdão, e é através desse sorteio que nós identificamos os esquemas nacionais, os grades esquemas. No caso da Sanguessuga, começamos em Rondônia verificando que uma determinada prefeitura comprava uma ambulância por R$ 80 mil reais e a outra ao lado comprava por R$ 40 mil; depois verificamos a mesma coisa em outro Estado e a mesmas empresas se repetiam, e pedimos à PF que instaurasse o inquérito; no caso da merenda escolar no Nordeste, a mesma coisa. Então esse sistema de sortear os municípios parece pouco, mas ele é que permite identificar os grandes esquemas criminosos, além do que a própria possibilidade de ser sorteado na próxima vez sempre deixa todos em estado de alerta. Mas eu falava sobre o estímulo à população e eu queria mencionar uma outra área de atuação nossa que eu considero fundamental: é que a gente fala em controle social passando pela população, mas precisa dar instrumentos concretos e nós construímos...
Leonardo Souza – Ministro, e as emendas parlamentares, o senhor começou a falar das prefeituras, investigação das prefeituras, gasto de dinheiro público, e esse ponto das emendas parlamentares, que sustentam muitas vezes esquemas corruptos de desvio de dinheiro público?
Jorge Hage – Já vou lhe responder sobre emendas, por favor, me cobre, só para concluir o raciocínio de controle social. Nós construímos, Chagas, um portal de acesso a todos os cidadãos. Não precisa senha, não precisa cadastramento, não precisa nada: ele vai no seu computador em qualquer lugar e digita www.portaldatransparencia.gov.br. Qualquer pessoa acesa todos os gastos do Governo Federal, diretos e indiretos, por órgãos públicos federais, aplicado diretamente ou transferindo para Estados ou para municípios. Todo dinheiro federal está publicado no portal com um nível mais miúdo do detalhe, chegando ao fornecedor que recebeu, chega a identificar o servidor que recebeu a diária e a passagem, a um cidadão de um município que recebeu a Bolsa Família. Então qualquer pessoa pode fiscalizar, por exemplo, se tem algum vereador recebendo o Bolsa Família. Isso há algum tempo era um mistério, precisava uma forca tarefa... Hoje nós derrubamos isso no Portal da Transparência. É uma medida de transparência que instrumentaliza a população para acompanhar o gasto público. Mas nós não nos demos por satisfeitos só com isso. Nós temos no portal também todo o gasto com cartão coorporativo, o cartão de pagamento do Governo Federal.
Carlos Chagas – Tem muito cartão coorporativo no Governo Federal?
Jorge Hage – Não, tem muito pouco. Precisava ter mais porque o cartão vem em lugar do antigo suprimento de fundos para o servidor, para ele depositar em uma conta tipo B no banco e emitir cheques para despesas que não podiam ser sujeitas ao regime do empenho prévio – essas despesas miúdas de pronto pagamento em viagens etc. Nós estamos é substituindo o velho esquema das contas com cheque, com papelada, sujeito a muito maiores riscos, pelo cartão, no qual as áreas de controle podem acompanhar pelo extrato do Banco do Brasil. O grau de controle é muito maior, mas além disso nós estamos criando as Páginas de Transparência Pública de cada ministério, onde vão ser divulgados a partir deste mês todos os contratos, os processos licitatórios, com o nome das empresas que concorreram, porque venceu, qual foi o critério de julgamento, um grau de detalhe jamais visto.
Carlos Chagas – Ministro, tem que construir mais umas penitenciarias por aí hein.
Jorge Hage – Também o MJ está cuidando disso.
Leonardo Souza – Ministro, o senhor começou a falar das prefeituras e eu queria lhe perguntar sobre as emendas parlamentares destinadas às prefeituras. Nesse caso da Operação Sanguessuga a gente viu muitas emendas parlamentares alimentando o esquema de corrupção dessas empresas que vendiam as ambulâncias superfaturadas.
O que a CGU pode fazer para fiscalizar melhor esse dinheiro público que vem do orçamento da união, via emenda parlamentar, para as prefeituras?
Jorge Hage – A CGU não interfere nos assuntos internos do Congresso, claro, nosso limite de atribuição é o Poder Executivo; nós temos é colaborado com o Comitê de Fiscalização criado dentro da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, coordenado pelo deputado Paulo Rubem Santiago. Eles estiveram conosco na CGU nos pedindo todos os elementos da nossa fiscalização nos municípios e nós fornecemos tudo, todos os dados de que nós dispúnhamos, inclusive os casos dos municípios em que nossos auditores, desde o ano 2004, vêm identificando irregularidades na compra de ambulâncias, seja com recursos postos no orçamento pelo próprio Ministério da Saúde seja com emendas parlamentares, ou seja, independentemente da origem do recurso, nós fiscalizamos igual, da mesma forma. Como em alguns casos nós identificamos que a origem era emenda parlamentar, isso ficou registrado no nosso relatório.
Leonardo Souza – Mas tem como fiscalizar melhor isso, porque uma coisa que eu vi aqui me parece, o senhor me corrija se eu estiver enganado, me parece assim uma brecha na legislação: são as chamadas OSCIPs, uma espécie de uma ONG que tem um pouquinho mais de transparência, quer dizer, o parlamentar ao invés dele destinar o dinheiro diretamente para a prefeitura ele joga para essa OSCIP, que acaba conseguindo burlar... isso é uma conclusão da PF, acaba burlando a lei de licitação e superfatura, não tendo um controle mais direto do governo.
Jorge Hage – É verdade que há dificuldades com as OSCIPs por conta da Lei 9790/99, que foi aprovada no Governo FHC, foi projeto de lei do Poder Executivo no governo do senhor Fernando Henrique, que deu a essas organizações da sociedade civil chamadas OSCIPs, que são digamos uma categoria especial de ONG’S, chamadas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, deu a elas uma certa margem de flexibilidade maior. Nós somos contrários a essa lei e os nossos auditores sempre reclamam dessa lei porque essas OCIP’S não ficam sujeitas ao mesmo nível de controle que ficam as demais ONGs, porque as demais recebem os recursos através do instrumento que é o convênio, sujeito à IN 01/97 da Secretaria Nacional de Tesouro, que exige prestação de contas. Enquanto as OCIPs têm um regime mais frouxo previsto na lei, que é do governo passado, o governo Fernando Henrique.
Leonardo Souza – O Senhor acha que tinha que acabar então com as OSCIPs?
Jorge Hage – Não, não é preciso acabar com as OSCIPs, é alterar a legislação para submetê-las ao mesmo grau de controle das outras ONG’S. Essa é a minha opinião pessoal, é a opinião que a CGU defende, porque hoje de fato as OSCIPs estão sujeitas, digamos assim, que de forma muita vaga, ao princípios licitatórios, mas não à Lei 8.666. Concretamente essa é a verdade.
Bernardo de La Peña – No caso das emendas, filosoficamente sem querer que o senhor interfira no Congresso, o senhor acha que existe algum tipo de medida, porque nesse escândalo mesmo da Operação Sanguessuga uma das servidoras do Ministério da Saúde presa apontou uma lista primeiro de 170 parlamentares, depois de 280 parlamentares, por mais que se imagine aí que exista muito parlamentar corrupto no Congresso, e as pessoas imaginam, eu acho um pouco difícil de se imaginar 300 parlamentares, quase como disse o Presidente: “300 picaretas” envolvidos no mesmo esquema de corrupção, quer dizer, o parlamentar tem uma obrigação imagino de destinar 30% das suas emendas para a área de saúde. Como é que o senhor acha que poderia modificar essa sistemática da destinação de emendas pra que houvesse aí algum tipo de controle sobre essa destinação de recursos.
Jorge Hage – Olha, eu repito, para nós independe da origem do recurso: se é emenda ou se não é emenda, o que cai na nossa malha de fiscalização nós fiscalizamos igualmente. Então nós sorteamos 60 municípios a cada mês, porque não dá tempo de sortear mais. Nesse ritmo nós já fiscalizamos 1.041 municípios, que é mais de 20% dos municípios brasileiros, uma excelente amostra. Já demonstramos que em mais da metade, quase dois terços dos casos, há irregularidades. No caso específico da compra de ambulância, identificamos que é um esquema nacional e a PF foi lá e explodiu o esquema, ou seja, independe de ser origem de emenda ou não. Agora, do ponto de vista da sistemática de emendas, eu vejo com simpatia a iniciativa dos próprios parlamentares agora que estão falando em acabar por exemplo com aquela emenda genérica, vaga, que não dá destinação específica, que deixa uma margem de manobra. Outras propostas de acabar com emendas individuais e passar a adotar emendas só de bancadas não sei se passam no Congresso, acho muito difícil, porque são um instrumento. Eu prefiro não entrar na discussão, porque na minha condição de ministro, não é adequado eu me imiscuir numa discussão do Congresso. Eu como cidadão tenho minhas opiniões e, se não estivesse no cargo, as externaria como cidadão, mas como ministro prefiro não falar no assunto.
Carlos Chagas – Ministro Jorge Hage, vamos virar completamente o jogo e vamos falar de um querido amigo comum nosso, que foi deslocado da CGU que ele mesmo criou e agora é Ministro da Defesa. Mas o ministro Waldir Pires foi cassado, foi perseguido, foi exilado e agora é Ministro da Defesa. Quer dizer, os generais, almirantes e brigadeiros fazem continência para ele... Que notícia o senhor nós dá? Ele está confortável?
Jorge Hage – Olha, Chagas, o nosso Waldir Pires... são essas coisas do destino, né? No dia 31 de marco de 2006 ele assume o Ministério da Defesa. Eu acho que o maior dos otimistas algum tempo atrás não poderia prever que se chegasse a tanto, mas isso demonstra como o Brasil tem avançado, como a democracia está de fato consolidada. Eu lhe digo que Waldir está extremamente confortável, feliz no Ministério, que me parece que é um coroamento magnífico da sua carreira extraordinária e singular no País.
Carlos Chagas – Tomara que não precise usar farda né?!
Jorge Hage – Com certeza.
Carlos Chagas – Ministro Jorge Hage, infelizmente o nosso tempo está esgotado, não a nossa pauta, quero a sua promessa de voltar aqui o mas breve possível.
Jorge Hage – Voltarei, com a maior satisfação. Inclusive eu pretendia lhe falar sobre alguns projetos nossos, como o do conflito de interesses, do enriquecimento ilícito. Fica então o compromisso de uma próxima ocasião.
Carlos Chagas – O mas rápido possível! Muito obrigado também ao Bernardo de La Pena e ao Leonardo de Sousa.