IV Centenário do Ministério Público Brasileiro
Local: Fórum Ruy Barbosa, Salvador (BA) | Data: 25 de setembro de 2009
Discurso do ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage
[Saudações iniciais]
Foi com muita honra e alegria que recebi do Sr. Presidente da República – Luis Inácio Lula da Silva – a missão de representá-lo nesta solenidade.
De um lado, pela extraordinária importância do evento, que celebra o IV Centenário de uma instituição que é hoje um motivo de orgulho do povo brasileiro e um elemento essencial da democracia brasileira.
De outro lado, pelos laços especiais – institucionais e mesmo pessoais – que sempre mantive coma instituição do Ministério Público, ao longo do tempo, em diferentes etapas da vida pública e, particularmente agora, nos últimos 7 anos, à frente da Controladoria-Geral da União.
A celebração desta data é a homenagem merecida, de iniciativa do Ministério Público da minha terra, a Bahia, à instituição que ajudou a mudar a face do Brasil e ganhou relevo e respeito nacionais, especialmente a partir da Constituição de 1988 que, para minha felicidade e orgulho, ajudei a formular, acentuando, de forma inédita, seu caráter de ente maior, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais, difusos, coletivos, individuais homogêneos e, também dos individuais indisponíveis.
Hoje, o Ministério Público do Brasil tem poucos paralelos no mundo quanto ao seu grau de relevância estratégica na vida pública do país, de sua autonomia e do dinamismo de atuação de seus membros.
De modo especial no tocante ao controle dos recursos públicos, ao combate à corrupção e à improbidade administrativa, firmamos, desde o início do atual governo federal, em 2003, uma série de Termos de Parceria e Cooperação, com o Ministério Público Federal, com o Conselho Nacional dos Procuradores de Justiça e com todos os Ministérios Públicos dos Estados Brasileiros.
Essa parceria entre a CGU e o Ministério Público, visando a maior efetividade da proteção do patrimônio público, tem rendido importantes resultados para o país. Por meio dela, realizamos investigações conjuntas, ou fazemos auditorias investigativas a pedido do Ministério Público, encaminhamos a ele os relatórios de auditoria de iniciativa nossa, sempre que presente algum indício de ilícito civil ou criminal.
Vale mencionar, também, a participação do Ministério Público na ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, iniciativa deste governo que congrega em um mesmo fórum mais de 50 órgãos públicos de defesa do Estado, de todos os Poderes da República, para discutir, formular e rever as políticas de enfrentamento da criminalidade de colarinho branco.
Por outro lado, destaque-se a participação dos dois órgãos em Operações Especiais, envolvendo também a Polícia Federal, as quais já se tornaram conhecidas do povo brasileiro, e tem rendido ao país o desmantelamento de inúmeras quadrilhas que assaltavam os cofres públicos na nação.
Desse modo, a atuação do Ministério Público tem-se revelado eficaz e decisiva.
Esses avanços e essas vitórias, porém, não devem obscurecer ou relegar a segundo plano a necessidade do permanente aprimoramento institucional e de revisão do marco legal brasileiro, bem assim de sua interpretação em certas decisões dos nossos Tribunais Superiores.
Refiro-me aqui a certos dogmas que se consolidaram no Brasil, a partir de uma leitura a meu ver distorcida e enviesada de certas garantias constitucionais, que hoje impedem, de modo muito grave, a plena persecução criminal e também o combate ao ilícito civil contra o Estado e a Administração, vale dizer, contra o interesse público maior.
É que certos princípios processuais de assento constitucional, formulados quando país saía traumatizado de uma ditadura militar, quando o perigoso inimigo era o Estado autoritário, estão servindo hoje para a defesa do crime organizado, do bandido de colarinho branco.
Quase impossível é hoje ver um processo condenatório chegar ao fim e transitar em julgado neste país, não por culpa dos juízes, mas por serem tantas as possibilidades recursais e de criação de incidentes protelatórios que nossas leis processuais põem à disposição dos réus. Costumo dizer que um bom advogado pode impedir, por dez ou vinte anos, que uma sentença condenatória transite em julgado no Brasil. E são justamente os criminosos engravatados (não é o criminoso comum) que podem pagar os melhores escritórios de advocacia do país.
Por isso nos sentimos ainda humilhados (e invejosos) ao ver, em outros países como os Estados Unidos, um mega-investidor ser posto na cadeia em menos de um ano, após uma condenação. Refiro-me ao caso Madoff, de todos conhecido. Fosse no Brasil, e certamente lhe seria concedido de pronto um Habeas Corpus, em nome da “presunção de inocência”, que é essencial a um Estado de Direito, mas que não pode ser usada para os fins a que vem servindo. Como se a simples “presunção” de inocência devesse prevalecer diante da opinio delicitis do Ministério Público, e de uma, duas ou três afirmações de convencimento de culpabilidade pelas instâncias ordinárias do Judiciário, após a instrução probatória.
Então, saibamos que ainda temos muito que avançar.
Mas também temos muito o que comemorar e hoje é um dia de celebração.
Para encerrar, quero lembrar, para que a história do Ministério Público Brasileiro registre – porque é justo fazê-lo e por ser também motivo de celebração – que, no atual governo, de forma inédita, todas as indicações para o cargo de Procurador-Geral da República respeitaram estritamente a lista tríplice elaborada pela própria categoria, nomeando-se, em todos os casos, o candidato mais votado.
Essa medida, por sua vez, resultou na nomeação de eminentes procuradores e grandes brasileiros, como Cláudio Fonteles, Antônio Fernando de Souza e agora Roberto Gurgel, para a chefia maior da instituição, representando uma clara ruptura em relação às praticas anteriores, em que os nomeados se caracterizavam pela vinculação ao governo e pelo engavetamento de todas as investigações mais sensíveis.
Essas conquistas já contabilizadas, combinadas com os desafios ainda por vencer, merecem este registro hoje, quando comemoramos os quatrocentos anos de história do nosso Ministério Público Brasileiro, para nossa reflexão conjunta, de modo que possamos todos contribuir, cada qual a seu modo, para a continuidade do processo histórico de fortalecimento e aprimoramento de uma instituição essencial, por todos os títulos, ao regime democrático.
Meus parabéns em meu nome pessoal e em nome do Sr. Presidente da República, ao Ministério Público da Bahia pela iniciativa desta belíssima comemoração e ao Ministério Público do Brasil, pelas páginas da história que já escreveu, e pela contribuição que ainda deverá dar à construção de um país maior e mais justo para todos os brasileiros.