Abertura da Conferência Latino-Americana da OCDE
Local: Centro Fecomércio de Eventos, São Paulo (SP) | Data: 21 de julho de 2010
[Saudações iniciais]
Excelentíssimo Senhor Richard Boucher, Vice Secretário-Geral da OCDE, instituição promotora e parceira na organização desta Conferência e em tantas outras iniciativas importantes para o Brasil;
Excelentíssimo Senhor Francisco Santos Calderón, Digníssimo Vice-Presidente da Colômbia;
Excelentíssimo Senhor Salvador Vega-Casillas, Ministro de Administração Pública do México;
Excelentíssimo Senhor Juan Sebastián Roldán, Secretário Nacional de Transparência da Gestão do Equador;
Ilustríssimo Senhor Dimitri Vlassis, meu caro amigo e competente Chefe da Seção sobre Corrupção e Crimes Econômicos do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime;
Ilustríssimo Senhor Enrique Martinez, Diretor do Departamento de Cooperação Jurídica da Organização dos Estados Americanos;
Ilustríssimo Senhor Xavier Comas, representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento;
Demais autoridades,
Distintos palestrantes presentes,
Srs. Especialistas Internacionais convidados,
Senhores representantes da Sociedade Civil,
Meus companheiros de trabalho na CGU,
Senhores servidores de outros Órgãos que aqui ilustram este evento com suas presenças,
Minhas senhoras e meus senhores,
É com grande honra que o Governo Brasileiro, por intermédio da Controladoria-Geral da União, organiza, em conjunto com a OCDE, esta Conferência Latino-Americana sobre Responsabilidade Corporativa na Promoção da Integridade e Combate à Corrupção.
E é com muita alegria que dou aos visitantes de outros países, as nossas boas vindas ao Brasil, onde espero possam desfrutar de momentos agradáveis e produtivos.
Nosso país ratificou, desde 15 de junho de 2000, a Convenção da OCDE contra o Suborno de funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais.
Em junho de 2002, ratificamos a Convenção contra a Corrupção da OEA, específica para a região Latino-Americana, e em maio de 2005 a Convenção da ONU contra a Corrupção.
Desde então, o Brasil tem participado ativamente dos mecanismos de revisão e acompanhamento das três Convenções, sendo o mais recente o mecanismo criado em Novembro de 2009 em Doha, com vistas à implementação da Convenção da ONU.
No âmbito da OCDE, nosso país acaba de concluir a 2ª fase de sua avaliação pelo Grupo de Trabalho sobre Suborno e, no caso da OEA, iniciaremos proximamente a 3ª fase de avaliação pelo MESICIC, que, presentemente, encontra-se sob a Presidência brasileira.
Eu quis registrar aqui essa participação ativa nesses fóruns porque ela tem sido de extrema importância para nos ajudar a avançar na prevenção e no combate à corrupção no Brasil – do mesmo modo que em outros fóruns internacionais.
Sim, porque, além desses três, merecem menção o Global Compact da ONU, o Comitê Anti-Corrupção e o PACI, no âmbito do Fórum Econômico Mundial, assim como os debates promovidos pelo Banco Mundial ou pelo BID, ou as Conferências da Transparência Internacional (como a IACC) ou, ainda os encontros do Fórum Global, da IAACA ou do GAFI.
Tenho dito em várias oportunidades que a cobrança social, pela opinião pública nacional, de um lado, e os compromissos assumidos perante a comunidade internacional, de outro, têm-se constituído em dois fatores fundamentais para os avanços que temos logrado conquistar no Brasil, nessa área.
É evidente que nada teria sido feito se não houvesse uma forte vontade política interna de avançar nessa direção. Até porque o combate á corrupção não é tarefa fácil de ser enfrentada por nenhum governo. Ela tem seu preço. E esse preço pode ser bastante alto, por todas as razões conhecidas dos Senhores, inclusive pelo custo político de expor aos olhos de todos aquilo que se revela nas investigações (e que, de outro modo, poderia talvez permanecer encoberto e não revelado).
Mas não há nenhuma dúvida que, uma vez dada a partida (dados os primeiros passos) nessa caminhada, a cobrança social interna e os compromissos internacionais (formalizadas ou não em Convenções), passam a ser os maiores aliados daqueles que, dentro dos Governos, querem avançar cada vez mais.
Em nosso caso, por exemplo, varias iniciativas foram inspiradas, estimuladas, ou pelo menos reforçadas, por recomendações das Convenções que mencionei.
Em maio do ano passado, o Presidente Lula enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei regulamentando o amplo Direito de Acesso à Informação constante de quaisquer documentos produzidos ou detidos por órgãos públicos.
Em fevereiro deste ano, enviou ao Congresso um outro Projeto de Lei, agora instituindo a Responsabilização das Pessoas Jurídicas por atos de corrupção contra a Administração Pública Nacional e Estrangeira, justamente para atender a clausulas das três Convenções que mencionei, e muito especialmente à Convenção da OCDE que trata da corrupção de funcionários estrangeiros em transações internacionais.
Há poucos anos adotamos, também por recomendação internacional, o monitoramento mais próximo e cuidadoso das Pessoas Politicamente Expostas – as PEPs.
Esses são apenas alguns exemplos de como os Compromissos Internacionais assumidos pelos países representam, ao mesmo tempo, uma plataforma mínima comum, um referencial e um estímulo, para os esforços governamentais contra a Corrupção.
Mas é possível ir mais além, extraindo o máximo de proveito das parcerias com os Organismos Internacionais, pois as possibilidades não se esgotam no só cumprimento das Cláusulas Convencionais.
Foi o que fizemos, por exemplo, ao aderir ao modelo do Integrity Framework da OCDE. Optamos, espontaneamente, por nos submetermos à avaliação no estilo Peer Review e já recebemos a primeira visita in loco, dos especialistas, estando a segunda prevista para o mês e agosto e a conclusão para o final deste ano.
De igual modo, nos voluntariamos perante o UNODC para que já seja aplicado ao Brasil o Check List completo do mecanismo de follow-up da Convenção de Mérida, antes mesmo da realização do primeiro ciclo de avaliação.
E hoje, aqui estamos para abrir esta Conferência Regional da América Latina, promovida pela OCDE, o que é motivo de grande honra e orgulho para o meu país.
E seu tema central não poderia ser mais oportuno para nós.
É que estamos engajados, exatamente neste momento, em avançar numa área até certo ponto nova, porque ainda pouco explorada: a área da Responsabilidade Empresarial na Promoção da Integridade e na Prevenção da Corrupção.
Sim, porque já é lugar comum dizer-se que a corrupção exige sempre duas partes (dois lados) para que possa ocorrer.
Eu pessoalmente não creio que isso seja uma afirmação muito precisa, tecnicamente, porque existem várias formas de corrupção que não exigem duas pessoas, podendo consumar-se individualmente. O que exige dois participantes é apenas o Suborno e algumas formas a ele assemelhadas (mas que não esgotam as múltiplas espécies de Corrupção).
Seja como for, é fundamental o engajamento do Setor Empresarial nesse esforço, porque os Governos sozinhos não podem dar conta dele, embora seja seu o papel fundamental, a eles cabendo a iniciativa e a coordenação dessa luta.
Eu costumo dividir o papel dos Governos em dois planos distintos.
O primeiro, e que deve ser, necessariamente, uma primeira etapa a ser desempenhada pelos Governos (pois é um pré-requisito para a segunda), tem a ver com o seu dever básico como Governo: mostrar que está disposto a coibir as praticas ilícitas naquilo que dele dependa e a garantir, assim, as condições de livre competição empresarial (afinal, vivemos num mundo capitalista, onde a livre concorrência é um
pressuposto lógico).
Esse nivelamento do mercado, então (o chamado “level playing field”) e a proteção da livre concorrência, devem traduzir-se em medidas concretas como:
- adoção de legislação e regulamentação claras para as licitações, contratos, obras públicas e compras governamentais;
- adoção de medidas repressivas duras e eficazes, seja contra os maus funcionários públicos, seja contra as empresas que insistam em práticas corruptas;
- estrito cumprimento da legislação anticorrupção e aplicação de sanções e penalidades proporcionais e dissuasivas.
Essas medidas são elementos básicos essenciais para se aumentar os riscos da corrupção, e, assim, desencorajá-la.
Eu as vejo como pré-requisitos para qualquer Governo que pretenda convencer o setor privado a participar na luta contra a corrupção.
Sim, porque é preciso criar um ambiente de segurança e confiança no primado da lei, se se quer que o empresário acredite que vale a pena “jogar limpo”.
Do contrário, reinará, sempre, a dúvida, expressa no chamado “dilema do prisioneiro”, e as vantagens imediatas das práticas espúrias prevalecerão. Ou seja: é preciso, antes de mais nada, que se mostre ao empresário que jogar limpo é um bom negócio e não uma ingenuidade.
Mas não basta editar boas leis. É preciso mostrar que elas são aplicadas na prática.
E alguns países podem aí se deparar com uma séria limitação: o Sistema Judiciário. A lentidão dos processos na Justiça, causada por uma legislação que prevê recursos intermináveis e por uma interpretação distorcida do que devam ser as garantias constitucionais dos acusados, pode levar a uma sensação de impunidade capaz de anular qualquer esforço da Administração.
Então, o que fazer?
A reposta mais óbvia é “reformar as leis processuais e alterar a interpretação dos Tribunais” ... Igualmente óbvias são as enormes dificuldades para lograr-se tais objetivos a curto ou médio prazo.
Aqui no Brasil tendo esse quadro presente, optamos por outra alternativa: maximizar o uso das medidas punitivas a cargo da própria Administração (que não dependem, portanto de processo judicial).
Assim, intensificamos a aplicação de penas como a demissão de funcionários apanhados em atos de improbidade (perda do cargo público) e, do outro lado do balcão, a suspensão ou a perda do direito de contratar com a Administração Pública, para as empresas apanhadas em ilícitos graves na sua relação com os órgãos públicos.
A intensificação dessas punições, associada à exposição publica dos envolvidos – pois damos a tudo isso o máximo de transparência possível – tem dado bons resultados, visto que a sanção social difusa, as perdas de reputação, também têm-se mostrado bastante importantes.
As medidas de Transparência, por sua vez, parecem a nós constituir um outro pré-requisito para a construção de um clima de confiança no seio da Sociedade em geral e do Setor Empresarial em particular.
Por isso, temos investido tanto no incremento da Transparência Pública, abrindo, na Internet, todas as Receitas e Despesas Públicas, em todos os detalhes, mostrando quem recebe cada real do Governo, por qual motivo, para que finalidade, desde o cidadão pobre que recebe a Bolsa Família, até a empresa que recebe o pagamento de uma obra ou de um fornecimento de material.
E isso em base diária: todos os gastos do Governo, feitos hoje, estão na Internet (em nosso Portal da Transparência) amanhã pela manhã.
E na Internet também estão publicados os nomes das empresas impedidas de contratar com os órgãos públicos (é o Cadastro de Empresas Inidôneas, que a imprensa chama de “Lista Suja”).
Contudo, isso ainda não é o suficiente.
É preciso ainda que os Governos atuem em um segundo front, como eu já mencionei.
É que são necessárias também medidas que estimulem as empresas a adotarem internamente medidas concretas de integridade corporativa, voltadas, da parte delas, para a prevenção e o combate à corrupção.
E o motivo é bem simples: Governos não podem vencer essa luta sozinhos, até porque muitas das formas de corrupção (embora não todas) envolvem “os dois lados do balcão” para se concretizarem.
Em 2004, as Nações Unidas anunciaram o resultado de uma ampla consulta feita durante a Cúpula de Lideres Empresariais daquele ano, na qual todos, sem exceção, concordaram que o Setor Privado tem, tanto quanto o Setor Público, responsabilidade compartilhada perante o desafio de eliminar a corrupção.
Infelizmente, pouco se avançou de lá para cá, em termos práticos, e relativamente poucas corporações se engajaram nessa tarefa.
Ainda falta muito para convencer a grande maioria dos empresários, de que é um bom negócio dizer “não” à corrupção.
Falta muito para conseguir mostrar que os riscos legais estão aumentando, que os riscos e os danos de imagem podem ser desastrosos, que os olhos do mundo inteiro estão cada vez mais atentos a isso; que os custos da corrupção são muito altos e não devem ser pagos; que quando se entra por esse caminho ele pode ser uma rua sem saída, com exigências crescentes, onde a chantagem pode ser o passo seguinte; e que há formas de vencer e de vender sem pagar suborno.
Na busca do melhor caminho para abrir esse diálogo com o Setor Empresarial, nós na Controladoria-Geral da União procuramos levantar outras experiências e não encontramos muitos antecedentes pelo mundo afora.
Nossa opção foi, antes de mais nada, buscar uma instituição sem fins lucrativos, do próprio Setor Empresarial, como parceira.
Entendemos que esse era o melhor caminho, em lugar de pretender dialogar diretamente, enquanto Governo, com cada Empresa individualmente.
E os resultados dessa abordagem têm sido bastante promissores, embora seja ainda cedo para comemorações.
A instituição não governamental escolhida como parceira foi o Instituto Ethos, que pertence ao Setor Empresarial brasileiro, tem grande tradição e respeitabilidade como instância atuante nas áreas de responsabilidade empresarial relacionadas às questõeséticas e ambientais, entre outras.
É também o Instituto Ethos integrante da rede local do Global Compact da ONU.
Nossas iniciativas, nessa frente, incluem, até o momento, as seguintes medidas:
- Publicação de Manuais , como o de “Responsabilidade Social das Empresas no Combate a Corrupção”
- Workshops regionais com empresas
- Cursos de longa distância com pequenas e medidas empresas
- Realização de Seminários para ampliar a conscientização do empresariado sobre o problema
- Lançamento de um Website intitulado “Integridade no Setor Privado”
- Divulgação do Cadastro de Empresas Punidas, para estimular outras empresas a se absterem de tê-las como fornecedoras em sua cadeia de negócios
- Divulgação das Convenções Internacionais no meio empresarial
- E, finalmente, a mais recente de todas as iniciativas, o Cadastro de Empresas Pró-Ética (que já vem sendo chamado de Lista das Empresas Limpas, embora não seja nossa intenção atestar essa condição, mas apenas divulgar quais empresas se propõem a adotar internamente um programa de responsabilidade corporativa e promoção da ética empresarial).
As empresas se inscreverão nesse projeto voluntariamente e serão avaliadas por um comitê composto por representantes do setor privado, da sociedade civil, da academia e também, minoritariamente, do setor público.
Os critérios para essa avaliação foram recentemente submetidos a consulta pública durante 60 dias. E o lançamento do Cadastro dar-se-á em breves dias.
Minhas senhoras e meus senhores, eu acredito sinceramente, que esta Conferência Regional da OCDE será uma grande oportunidade para o debate de todas essas questões que aqui referi com simples exemplos da nossa experiência, e de tantas outras questões mais, que os senhores haverão de trazer e de provocar, com a sua experiência e conhecimento.
Estou seguro que serão bastante produtivas, para isso, as apresentações a serem feitas por especialistas do mais alto nível que aqui vejo presentes, de representantes do setor empresarial do Brasil e de outros países, do setor governamental de cada país aqui representado, dos organismos internacionais que nos honram com sua participação, da academia e da sociedade civil.
Certamente muito iremos aprender nesses dois dias de trabalho, sobre experiências e propostas de ação voltadas para a ética, a integridade e boa governança corporativa.
Tenho certeza que os debates a serem travados nesta Conferência, em boa hora promovida pela OCDE, muito nos auxiliarão para seguirmos em frente, todos nós, cada qual em seu país e em sua esfera de atuação, na agenda da integridade, da boa governança e da luta contra a corrupção.
Desejo a todos uma ótima estada no Brasil e um excelente trabalho nos próximos dias.
Muito obrigado.
Jorge Hage