Oito anos de luta contra a corrupção
Veículo: A Tarde
Data: 20 de dezembro de 2010
Neste final do governo Lula, é hora de fazer um balanço do que fizemos e refletir sobre o que ainda precisa ser feito para o enfrentamento da corrupção. Quando ainda era ministro o nosso Waldir Pires, fortalecemos a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal e passamos a atuar de forma articulada, desbaratando quadrilhas há muito existentes, algumas centradas na Bahia, como a “Navalha” e a “Vassoura de Bruxa”. Prosseguimos com a parceria entre a CGU e o Ministério Público, para que este melhor cumprisse sua missão constitucional. Não esqueçamos que o procurador-geral, em outras épocas até apelidado “engavetador-geral”, é hoje o eleito pela categoria, o que lhe dá total autonomia.
Veio então a Fiscalização por Sorteios, que já levou muitos prefeitos corruptos às barras da Justiça, apesar do esforço de alguns deles para impedir essas auditorias, inclusive no STF, onde os derrotamos mais uma vez. Foi desse programa que resultou a descoberta de máfias históricas, como a das Sanguessugas (ambulâncias), dos Gabirus (merenda escolar) e dos Gafanhotos (folhas de pagamento). Na transparência, este governo partiu do zero, em 2004, tal era a “caixa preta” das despesas. Hoje, nosso Portal da Transparência é reconhecido como um dos mais completos do mundo, permitindo a qualquer cidadão saber todos os gastos feitos até ontem à noite pelo governo federal.
"Como assim? A tabela está invertida? Não. O que acontece é que quando a pergunta envolve percepção (e não fatos), a resposta depende do nível de informação, de exigência e do grau de consciência crítica da sociedade"
Em 2005, veio o Sistema de Corregedorias, que já gerou a demissão de mais de 2.800 funcionários e dirigentes ímprobos, ajudando a combater a sensação de impunidade, que imperava nessa área. Passaram a ser punidas também as empresas fraudadoras: mais de 3,7 mil já estão proibidas de contratar com a Administração. Mais tarde, criamos o Observatório da Despesa Pública, para analisar grandes volumes de dados, descobrindo padrões repetitivos de fraudes, para antecipar riscos, focando melhor a ação de nossa auditoria.
Investimos também no cidadão de amanhã, com o site infantil e ações nas escolas para levantar, desde cedo, o tema da ética e da cidadania. Todos esses esforços já ganharam reconhecimento internacional, inclusive da ONU, e levaram o Brasil a uma posição de liderança global. Recentemente, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) convidou nosso País a integrar seu Comitê de Governança Pública, com sede em Paris. Também fomos escolhidos pela Transparência Internacional (TI) para sediar, em 2012, a próxima Conferência Anticorrupção, com mais de cem países. Como se vê, conquistamos respeito e credibilidade.
Pesquisa mundial, divulgada pela TI no último dia 9, mostra o Brasil no grupo de países menos castigados pela praga da propina: apenas 4% dos entrevistados já foram submetidos a isso no Brasil, índice igual ao do Canadá e melhor que o dos Estados Unidos e da União Europeia (5%). A média mundial foi de 25%. O item que a imprensa mais divulgou, em tom de crítica, foi o de 54% das respostas achando que as medidas tomadas pelo governo não são efetivas. Pois bem: a mesma tabela mostra que nos EUA esse percentual é de 71%; no Canadá, 74%; na Alemanha, 76%; e na Finlândia, 65%, todos bem piores que o Brasil. Já no Azerbaijão, só 26% pensam assim sobre as medidas do seu governo; no Quênia, 30%; e em Uganda, 24%. Como assim? A tabela está invertida? Não. O que acontece é que quando a pergunta envolve percepção (e não fatos), a resposta depende do nível de informação, de exigência e do grau de consciência crítica da sociedade. Ou seja, o Brasil está muito bem posicionado no contexto mundial.
Mas não resta dúvida que ainda há muito por fazer. Faltam a reforma política e a das leis processuais, que permitem uma infinidade de recursos e se tornam um grave limitador do combate à corrupção. Esse é um dos desafios que permanecem nessa caminhada. E certas coisas só evoluem com a pressão da sociedade. O exemplo da Lei da Ficha Limpa está aí. Ela só passou e foi tida como aplicável desde já devido à pressão social. Há que se repetir esse exemplo. Porque é muito importante que o Brasil continue avançando nessa área.
Jorge Hage - Mestre em Direito Público e em Administração Pública, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União imprensacgu@cgu.gov.br