O Controle dos Recursos Federais no Sistema Federativo
Jorge Hage
Ministro Interino da CGU
O federalismo brasileiro, com suas peculiaridades, coloca algumas questões importantes para a correta compreensão e atuação do controle dos recursos federais aplicados pelos governos locais. Com a Constituição Federal (CF) de 1988, o município brasileiro assumiu a condição de verdadeiro ente federativo, diferenciando a nossa Federação de todas as demais, no direito comparado, e legitimando a relação direta entre a União e o Município, sem passar pelo Estado-membro.
Com efeito, um país com as dimensões do Brasil, sua diversidade regional e seus problemas sociais, jamais poderia dar certo se insistisse num modelo centralizado de Administração Pública; por isso mesmo, fez-se aqui a opção pelo fortalecimento da esfera local de poder, consolidando o Princípio Fundamental da Descentralização (arts. 6º e 10 e os § 1º,b, 4º, 5º e 6º).
Claro está que isso só seria possível se viesse acompanhado, como veio, por um sistema de forte transferência de verbas. Ele é de tal ordem que hoje alcança cerca de R$ 200 bilhões/ano, para Estados e Municípios; sendo cerca de R$ 100 bilhões só para os Municípios. Destaque-se também as áreas da Saúde, Educação e Assistência, com normas específicas, que hoje têm toda sua atividade de execução amplamente descentralizada.
Todavia, se a execução é descentralizada, os recursos têm que ir junto... e o controle da sua aplicação também. Por isso, a própria Constituição previu os controles próprios dos municípios (interno e externo) em seu art. 30. O DL 200 já previra em seu art. 10, § 6º, o controle e fiscalização dos recursos objeto das Transferências Voluntárias (depois regulamentado nas Instruções Normativas da STN e outras).
A CGU vem dedicando seus melhores esforços no sentido de que os órgãos ministeriais responsáveis pelas Transferências Voluntárias cumpram bem o seu papel. Procuramos ajudar verificando a aplicação desses recursos, identificando onde há problemas e informando imediatamente aos ministérios gestores dos programas (além das demais instâncias competentes). Nesse sentido, o Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos tem representado um grande avanço no controle, pois vamos ao local verificar a aplicação do recursos.
Outro requisito essencial para que a descentralização funcione bem consiste na boa qualificação da gestão local. É por acreditar nisso que a CGU instituiu também, em paralelo à sua atividade fiscalizadora, uma linha de ação orientadora e pedagógica. Com ela, temos realizado treinamentos, capacitação de agentes municipais e conselheiros locais; elaboramos e distribuímos os Manuais de Controle de Recursos Federais; e pretendemos lançar ainda outras ações, como a orientação para implantação de controle interno do município; o Acervo Legislativo Mínimo; e as Salas dos Prefeitos , em nossas unidades regionais.
Entendemos também como essencial a participação da sociedade, da população local, sem o que serão sempre insuficientes os controles oficiais (não temos ilusões quanto a isso). Por essa razão, divulgamos amplamente os resultados das nossas fiscalizações, pois a publicidade de tudo o que é público é Princípio Constitucional que respeitamos e cumprimos.
Na mesma ordem de idéias, lançamos, há pouco mais de um ano, o Portal da Transparência, site na Internet, aberto a todos, sem senha nem cadastramento, onde se publicam todos os recursos de todos os programas de transferência a Estados e Municípios, ação por ação e até pessoa por pessoa, no caso das transferências diretas ao cidadão.
Mas não existe tarefa fácil nessa caminhada pela boa aplicação do dinheiro público. Temos encontrado dificuldades, que muitas vezes decorrem do Sistema Federativo, que se caracteriza pela existência de diferentes esferas de poder no mesmo país. A primeira delas, fruto da incompreensão, é a reação de alguns poucos a uma suposta “interferência federal” nos assuntos do município, quando a CGU vai, in loco, fiscalizar o uso das verbas federais. Ora, estamos apenas cumprindo o que manda a lei; e a lei diz o óbvio, o que manda a lógica: se o recurso é federal e foi transferido para aplicação local, os órgãos federais têm o dever de fiscalizá-los.
Outra reação deu-se contra a divulgação dos achados das auditorias. Aí, novamente, estamos dando cumprimento às normas constitucionais, sobre a publicidade dos atos da Administração. Felizmente, ambas as dúvidas já foram afastadas por decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça.
Dúvidas também surgem, por vezes, no âmbito dos órgãos federais responsáveis, como a própria CGU, quando pretendem apresentar determinados de projetos de lei anticorrupção ou de preservação da integridade institucional, quanto à abrangência que deve ser dada a essas medidas: se devem alcançar as Administrações Estaduais e Municipais, ou apenas a Federal. São exemplos disso o PL sobre conflito de interesses, sobre quarentena e sobre fiscalização de “Pessoas Politicamente Expostas”. E, muitas vezes somos cobrados, tanto pela opinião pública nacional, quanto pelos organismos internacionais, por não termos levado até as esferas estadual e municipal de poder tudo aquilo que estamos instituindo na esfera federal.
De fato, a prevenção contra a corrupção e a improbidade só serão completos, em um regime federativo, quando os Estados-Membros e os Municípios tiverem as mesmas condições e o mesmo empenho na melhoria dos seus próprios controles, adotarem semelhantes medidas de transparência pública das suas contas, revelarem o mesmo espírito de parceria com o Ministério Público. Enfim, quando reproduzirem, em suas esferas, todo esse conjunto de esforços que estão sendo desenvolvidos na esfera federal, e outros avanços que forem capazes de conceber e realizar nessa área, pois não temos qualquer pretensão de havermos pensado em tudo.