Jorge Hage: A força da transparência
Veículo: Revista ETCO - Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial
Edição: Abril de 2013 / Nº 20 - Ano 10
A marca dos primeiros dez anos do Instituto ETCO, curiosa e significativamente, coincide com a dos exatos 10 anos da Controladoria-Geral da União (CGU). Ambas as instituições foram criadas em 2003. E nenhuma reflexão em torno de questões envolvendo ética no Brasil pode, se se pretende completa, passar ao largo do papel e da atuação dessas duas instituições.
Cada qual em seu campo de ação específico – uma no setor privado, outra no setor público – e cada uma com suas especificidades, sua identidade e perfil, o ETCO e a CGU vêm dando ao país importante contribuição. Basta um pequeno exercício de memória para constatar os avanços verificados em nosso país nesse período.
Do lado do setor público, a partir da criação da própria CGU, a ênfase na abertura dos atos e gastos públicos ao amplo escrutínio da sociedade, por meio de medidas concretas e até mesmo radicais (se considerada a tradição secular de segredo e obscuridade da nossa administração pública), como o Portal da Transparência e outras que não caberia aqui detalhar; a construção de um Sistema de Corregedorias em todos os setores do governo federal, que está sepultando a sensação de impunidade que sempre prevaleceu, e hoje já contabiliza mais de quatro mil servidores expulsos da Administração por condutas inaceitáveis; a articulação entre os órgãos de controle interno do Poder Executivo e as autoridades policiais e o Ministério Público, que tem resultado em milhares de ações judiciais por atos de improbidade ou condutas francamente criminosas.
Da parte do setor privado, é crescente a preocupação com a lisura no ambiente de negócios e com o rigor das normas corporativas internas de conduta, o que se vem refletindo na adoção de códigos de ética e na criação de setores, ou ao menos de medidas, de compliance nas empresas.
"A nova lei afastará a necessidade dessa prova, bastando demonstrar que a empresa se beneficiaria com a prática irregular."
Isso vem sendo feito, em boa parte, mediante parcerias entre o setor público e o privado, envolvendo iniciativas conjuntas, elaboração de manuais e seminários de capacitação, inclusive para pequenas e médias empresas que não lograriam fazê-lo isoladamente. E tem seu coroamento na criação de um cadastro positivo, que denominamos Cadastro Pró-Ética, que exibe os nomes das empresas que se propõem a abraçar um programa de compromissos éticos que incluem códigos de conduta, proteção para empregados denunciantes de corrupção, transparência plena das contribuições eleitorais, dentre outros.
Assim, o Brasil vai avançando também no cumprimento dos compromissos assumidos em convenções internacionais, como a Convenção da OCDE contra o Suborno Transnacional, em relação à qual ainda somos devedores de uma legislação específica para coibir adequadamente esse tipo de ilícito. Um Projeto de Lei para tanto já se encontra no Congresso Nacional e precisa ser votado com a maior urgência, para que avancemos definitivamente nessa matéria.
O PL 6.826/2010 institui a responsabilização objetiva da pessoa jurídica (ou seja, independentemente de culpa de A ou B na estrutura da empresa) nas esferas cível e administrativa, facilitando o hoje difícil ressarcimento do dano causado ao patrimônio público. Essa medida é fundamental porque normalmente a corrupção resulta da ação conjunta de vários indivíduos, de hierarquias distintas, e é sempre muito difícil provar quem deu a ordem para que o preposto subornasse o servidor. A nova lei afastará a necessidade dessa prova, bastando demonstrar que a empresa se beneficiaria com a prática irregular.
Enfim, o Brasil, finalmente, está encarando e enfrentando, aberta e decididamente, a corrupção e os desvios éticos, tanto no interior do setor público quanto na intimidade das corporações privadas e, ao mesmo tempo, em ambas as pontas da relação entre o público e o privado, quando disso se trata. É evidente que muito ainda há por ser feito, sobretudo no campo das necessárias reformas política e dos processos judiciais, como tenho sempre destacado. Mas não há como deixar de enxergar o quanto já avançamos – governo federal e setor empresarial –, sob a crescente vigilância de uma sociedade civil cada vez mais organizada e atenta, e de um Ministério Público cada vez mais independente e atuante.