Conflito de Interesses – Lei nº 12.813/2013
A integridade pública busca priorizar o interesse público sobre os interesses privados. Para o interesse público prevalecer, situações em que haja conflito de interesses devem ser combatidas.
Agentes públicos também podem exercer atividades remuneradas no setor privado, a exemplo de professores. A duplicidade de funções, a princípio, não constitui ilícito. No entanto, para conciliar as atividades é necessário conhecer bem os limites impostos à atuação nas áreas pública e privada. É justamente sobre isso que trata a Lei de Conflito de Interesses (Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013).
A Lei de Conflito de Interesses é que define as situações que configuram esse tipo de conflito durante e após o exercício de cargo ou emprego no Poder Executivo Federal. A situação é caracterizada quando o confronto entre público e privado implica prejuízo para o interesse coletivo ou para o desempenho da função pública. E pode haver conflito mesmo que não haja dano ao patrimônio público ou ganho financeiro decorrente da atividade privada.
1. Situações que configuram conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego público
2. Possíveis consequências da configuração de conflito de interesses
3. Prevenindo situações que possam gerar conflito de interesses
4. Exemplo prático: Magistério
1. Situações que configuram conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego público
Segundo a Lei, um conflito de interesses surge quando um interesse privado do agente público pode influenciar de forma indevida o desempenho de sua função pública ou comprometer o interesse coletivo (inciso I, art. 3º, Lei nº 12.813/13). Considerando esse conceito geral, a Lei enumera situações que podem configurar conflito de interesses enquanto no exercício de cargo ou emprego público (art. 5º, Lei nº 12.813/13):
1.1 Divulgação de informação privilegiada (inciso I, art. 5º e inciso I, art. 6º). Todo agente público deve resguardar informação privilegiada. E o que é informação privilegiada? Não é qualquer informação. São informações sigilosas ou informações que tenham repercussão econômica ou financeira e que não sejam de amplo conhecimento. Essas informações devem ser resguardadas a qualquer tempo (inciso I, art. 6º) e em qualquer circunstância!
Então, se o agente público é professor, por exemplo, ele deve se abster de repassar em sala de aula ou em materiais didáticos informações privilegiadas.
1.2 Prestação de serviço ou relação de negócio com quem tem interesse em decisão do agente público (inciso II, art. 5º). O agente público não deve, por exemplo, prestar serviço ou estabelecer relação de negócio com instituição contratada pela sua unidade organizacional, sendo ele próprio o responsável pela contratação.
1.3 Exercício de atividade incompatível com as atribuições do cargo ou emprego (inciso III, art. 5º). A incompatibilidade decorre da impossibilidade de exercício concomitante e pleno do cargo ou emprego público e de determinada atividade privada, pois uma das atividades não pode ser exercida em sua plenitude sem que o exercício da outra seja prejudicado. Como exemplo, podemos citar o agente público que trabalha com informações relevantes para o mercado financeiro e tem a intenção de trabalhar com gerenciamento de carteiras no mesmo mercado. Ainda que este agente público se comprometa a não repassar informações privilegiadas para seus colegas, ele não tem como se abster de usar essas informações ao executar suas atividades no gerenciamento de carteiras de seus clientes.
1.4 Representação de interesses privados na Administração Pública federal (inciso IV, art. 5º). O agente público não deve representar interesses privados em órgãos e entidades nos quais ele possa ter tratamento diferenciado em razão de prestígio, respeito ou especial relacionamento com colegas de trabalho. O objetivo é resguardar a impessoalidade e a moralidade em toda a Administração Pública.
1.5 Benefício indevido a pessoa jurídica de que participe o agente público ou familiar próximo (inciso V, art. 5º). O agente público não pode interferir deliberadamente em ato de gestão de forma a beneficiar determinada pessoa jurídica de que ele mesmo ou algum parente próximo seu participe. E se membros da sua família atuam em atividades privadas que possam gerar conflito com as atividades do agente público, como, por exemplo, atuem em atividades que sejam fiscalizadas pelo agente público? O agente público deve comunicar à chefia e abster-se de participar de decisões relacionadas especificamente aos negócios da família.
1.6 Prestação de serviços a empresa cuja atividade seja controlada, fiscalizada ou regulada pelo ente ao qual o agente público está vinculado (inciso VII, art. 5º). O agente público não pode prestar serviço a empresa cuja atividade finalística submeta-se à fiscalização, controle ou regulação do ente público ao qual o agente público é vinculado.
2. Possíveis consequências da configuração de conflito de interesses
As consequências legais da configuração de conflito de interesses são gravosas. De acordo com a Lei de Conflito de Interesses, o agente público que se encontrar em situação de conflito de interesses fica sujeito à demissão (parágrafo único, art. 12, Lei nº 12.813/13) e a outras penalidades como pagamento de multa, ressarcimento do dano, se houver, e perda de direitos políticos (parágrafo único, art. 12, Lei nº 12.813/13 e inciso III, art. 12, Lei nº 8.429/92).
3. Prevenindo situações que possam gerar conflito de interesses
Caso o agente público tenha interesse em exercer atividade privada ou tenha dúvidas em razão de possível conflito entre atividades desenvolvidas por seus familiares e suas funções públicas, o agente público deve, primeiramente, informar-se sobre as normas vigentes.
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As situações que configuram conflito de interesses estipuladas pela Lei, contudo, não são de simples interpretação frente aos casos concretos. É necessário avaliar a relevância do conflito de interesses identificado (inciso V, art. 8º). Na maioria dos casos, para se chegar a uma conclusão satisfatória sobre os riscos de conflito de interesses que determinada situação acarreta, é preciso uma análise detalhada da situação, levando-se em conta uma série de quesitos, o que exige conhecimento sobre tema.
Então, se mesmo após a leitura dos normativos e orientações as dúvidas persistirem, prefira consultar as instâncias responsáveis a correr riscos.
Se o agente público ocupa cargo DAS de nível 5 ou superior, ou equivalentes, deve procurar a Comissão de Ética Pública da Presidência da República (parágrafo único, art. 8º, Lei nº 12813/13).
Se não ocupar esses cargos, pode acessar o Sistema Eletrônico de Prevenção ao Conflito de Interesses (SeCI), disponível na internet, cadastrar-se e enviar sua dúvida. A consulta será respondida pelo órgão ou entidade de exercício do agente público e, conforme o caso, contará com manifestação final da Controladoria-Geral da União (parágrafo único, art. 8º, Lei nº 12.813/13).
A consulta sobre os riscos de conflito de interesses que uma situação em concreto pode gerar é uma boa prática de gestão de riscos pessoais. Mas é também uma importante ferramenta para exercer a obrigação legal de prevenir situações de conflito de interesses (art. 4º, Lei nº 12813/13).
Observe, no entanto, que o exercício de determinadas atividades privadas pode ser vedado por normativos relacionados à incompatibilidade de horários, à acumulação de cargos e empregos, ou ao regime jurídico ou à carreira do agente público. Caso o agente público identifique que a atividade privada que pretende exercer se enquadra em algum impedimento legal, não relacionado às normas de conflito de interesses, é desnecessário submeter consulta sobre conflito de interesses no SeCI, visto que ao agente público estará vedado o exercício da atividade privada independentemente dos riscos de conflito de interesses relacionados à atividade pretendida.
O que é o SeCI?
O SeCI é uma ferramenta eletrônica que permite ao servidor ou ao empregado público federal não ocupante de cargo DAS 5 ou superior, ou equivalente, consultar seu órgão ou entidade quando tiver dúvida sobre como prevenir riscos de conflito de interesses. O sistema permite ao interessado submeter consulta, acompanhar seu andamento e interpor recurso, quando for o caso. Tudo de forma simples e rápida, por meio da internet.
Procedimento
Após criada no SeCI, a solicitação é direcionada ao órgão ou entidade de exercício do agente público, que se manifestará sobre a relevância ou irrelevância dos riscos de conflito de interesses envolvidos na situação apresentada.
Caso o órgão ou entidade identifique riscos relevantes de conflito de interesses, o sistema encaminhará o processo automaticamente para manifestação da Controladoria-Geral da União (CGU). Caso considere necessário, o agente público poderá interpor recurso da decisão da CGU. Ao final, o agente público terá orientações sobre como prevenir ou evitar riscos, seja por meio da eliminação da situação com relevante risco de conflito ou pela adoção de medidas que mitiguem os riscos, tornando-os irrelevantes.
Informações relevantes para a consulta
Ao preencher o formulário do SeCI, é importante que o agente púbico solicitante forneça todos os dados que permitam ao órgão ou entidade responder com segurança a questão apresentada. Se a consulta envolver o exercício de atividade privada, é necessário descrever:
- as atribuições de seu cargo ou emprego e, também, as atividades efetivamente desempenhadas no setor público;
- as características da atividade que pretende desempenhar no setor privado, como, por exemplo, produtos e serviços a serem fornecidos ou prestados, potenciais clientes, empregados ou sócios, forma de remuneração, o tipo de vínculo que manteria com tais e quaisquer pessoas ou organizações que julgar importante no caso em questão;
- possíveis vínculos ou interesses entre a pessoa física ou jurídica com que se pretende estabelecer relação de negócio e o órgão ou entidade de exercício do agente público. O agente público poderá, ao final do preenchimento, solicitar autorização expressa para o exercício da atividade privada pretendida.
Atenção! Quanto mais precisas as informações que o interessado fornecer, mais precisa será a análise conduzida pela Administração e mais segura será a decisão. Se, por outro lado, faltarem elementos essenciais à manifestação, o solicitante será orientado a realizar nova consulta.
É possível apresentar consulta no SeCI sobre riscos de conflito de interesses em situações hipotéticas?
A análise dos riscos de conflito de interesses envolvidos em determinada situação e a manifestação com relação a como prevenir ou evitar os riscos identificados depende, conforme mencionado, da especificação dos detalhes que envolvem o caso. A manifestação da Administração com relação a situações em tese poderia, então, fragilizar as orientações resultantes da consulta. Por isso, o normativo (parágrafo único, art. 3º, Portaria Interministerial n. 333/2013) que estabelece o SeCI como mecanismo de prevenção de conflito de interesses proíbe a submissão de consulta referente a situação hipotética.
É possível apresentar consulta no SeCI sobre riscos de conflito de interesses em situação vivida por outro agente público?
As consultas enviadas pelo SeCI devem ser relacionadas exclusivamente a situação presenciada pelo próprio agente público solicitante, tendo em vista, inclusive, que é o próprio agente público que detém e pode descrever todos os detalhes que envolvem a sua atuação pública e possível atuação privada.
Por isso, o normativo (inciso II, art. 3º, Portaria Interministerial n. 333/2013) que estabelece o SeCI como mecanismo de prevenção de conflito de interesses especifica que a consulta deve ser submetida pelo próprio agente público que se encontra na situação objeto de dúvidas.
Caso, contudo, qualquer agente público tenha fundadas suspeitas sobre a configuração de conflito de interesses em situações de seu conhecimento, pode comunicar as autoridades responsáveis por meio do Fala.Br, pelo link https://falabr.cgu.gov.br/publico/Manifestacao/SelecionarTipoManifestacao.aspx?ReturnUrl=%2f.
A comunicação pode ser feita mediante cadastro ou de forma anônima. Saiba que suas informações pessoais são protegidas pela Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/11) e pelo Código de Defesa dos Direitos do Usuário dos Serviços Públicos (Lei nº 13.460/2017).
4. Exemplo prático: Magistério
Uma das atividades privadas mais comuns desempenhadas por agentes públicos é o magistério. Por isso, vamos examinar com mais detalhe alguns aspectos dessa questão.
Quais tipos de atividades são considerados exercício de magistério?
De acordo com a Orientação Normativa CGU n° 2, de 9 de setembro de 2014, por atividade de magistério entende-se:
- docência em instituição de ensino, de pesquisa ou de ciência e tecnologia, pública ou privada;
- ministração de capacitação ou treinamento, mediante curso, palestra ou conferência; e
- atividades de suporte às anteriores, como de coordenador, monitor, preceptor, avaliador, integrante de banca examinadora de discente, presidente de mesa, moderador e debatedor.
Regra geral: magistério é permitido!
Como regra geral, o exercício de atividades de magistério é permitido ao agente público federal, desde que respeitadas:
- normas sobre compatibilidade de horários, sobre acumulação de cargos e empregos, e sobre o regime jurídico e a carreira do agente público;
- a obrigação de declarar-se impedido de atuar em processo de interesse da entidade em que exerça atividade de magistério como, por exemplo, ações de controle, correição, avaliação, orientação, fiscalização e regulação das atividades da instituição de ensino ou que afetem os interesses desta;
- a obrigação de resguardar informação privilegiada.
Atenção! Magistério em curso preparatório para concurso público ou processo seletivo
Se o agente público pretende exercer o magistério em curso preparatório para concurso público ou processo seletivo, no exercício de suas funções públicas, ele não poderá atuar em atividades relacionadas à definição do cronograma ou do conteúdo programático do certame em questão, ou relacionada à elaboração, aplicação e correção de provas de qualquer fase, incluindo-se o curso de formação, o teste psicotécnico ou psicológico e a prova de aptidão.
Atenção! Necessário diferenciar magistério de consultoria
As atividades de magistério, por vezes, podem ser confundidas com atividades de consultoria, as quais podem envolver riscos específicos de conflito de interesses. Por isso, é necessário diferenciar as atividades com clareza.
Enquanto nas atividades de magistério o conteúdo repassado pelo professor tem caráter principalmente teórico, ainda que sejam utilizados exemplos práticos, a prestação de consultoria envolve análise de problemas enfrentados por um cliente específico e/ou a proposição de soluções individualizadas para esses problemas, levando-se em consideração as necessidades do cliente e a expertise profissional do prestador.
Observe que a diferença está nas características do serviço prestado – de conteúdo geral ou específico – e não na forma de entrega do serviço. Ou seja, a prestação de consultoria pode ocorrer também por meio de capacitação, palestras e treinamentos, dinâmicas geralmente aplicadas em atividades de magistério.
Situações de conflito de interesses?
Se o agente público tiver dúvidas sobre a aplicação da regra geral ao seu caso específico, em razão de:
1. a aplicação da regra geral pode prejudicar o exercício da função pública;
2. insegurança quanto ao enquadramento das atividades que pretende desempenhar como magistério;
3. características específicas de sua atuação funcional ou da instituição de ensino contratante.
Consulte as instâncias responsáveis. Não corra riscos!