Imprensa
Lei Anticorrupção
Destaques na Mídia: Artigo “Esperança no Brasil”, de Adam Kaufmann
No artigo, Kaufmann fala sobre o protagonismo da CGU nos acordos, conjuntamente com outras entidades.
O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) é um dos órgãos centrais no processo de celebração dos acordos de leniência de que trata a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013). No artigo “Esperança no Brasil”, publicado na Revista Veja, Adam Kaufmann fala sobre o protagonismo do órgão nos acordos, conjuntamente com outras entidades, e a importância desse dispositivo para a economia do país.
Confira, abaixo, o artigo na íntegra:
Esperança no Brasil : Adam Kaufmann
Com minha experiência como promotor em Nova York, acompanho a Lava-Jato com otimismo. Agora, falta viabilizar acordos de leniência que punam empresas corruptas, mas não as liquidem
Por quase vinte anos trabalhei como promotor em Manhattan, participando de grandes casos internacionais sobre corrupção e lavagem de dinheiro. Fui chefe de investigações na promotoria de Nova York e vi empresas, bancos e políticos ser investigados a fundo, em uma ação que só foi possível graças aos acordos de cooperação internacional.
O que se sabe agora é que todos eles apenas abriram caminho para o grande caso que estourou em 2014, a Lava-Jato. Para mim, é incrível constatar quão ampla a Lava-Jato se tomou. Lembro-me de que, bem antes de a operação se converter no marco institucional que é hoje, tive diversas conversas com Moro e com os procuradores, em encontros ocasionais. Havia muito debate sobre se o Brasil deveria adotar a prática de estabelecer acordos de colaboração premiada e acordos de leniência. Ambas as alternativas pareciam bastante controversas para juristas e procuradores brasileiros, mas eram ideias bem estabelecidas no exterior. Nos Estados Unidos, por exemplo, percebemos que a delação premiada era a única maneira de pegar peixes grandes nos crimes de colarinho-branco. Já os acordos de leniência eram a única possibilidade de as empresas envolvidas ganharem sob revida e continuarem produzindo para que não houvesse impacto econômico.
A Lei Anticorrupção, de 2013, permitiu que empresas brasileiras se tornassem passíveis de responsabilidade penal por corrupção. Isso fez com que elas enxergassem como prioridade a adesão a um programa de compliance (conjunto de práticas adotadas por uma empresa para melhorar a transparência de sua gestão). A Lava-Jato tornou a questão ainda mais emergencial. Antes dela, os pagamentos de propina eram "a regra do jogo", segundo relatos dos próprios acusados na operação. A corrupção era descrita pelos envolvidos como o custo de fazer negócios no Brasil — mais ou menos como um imposto informal pago a políticos e partidos. Ou seja, se todo mundo era pago, não havia motivo para andar dentro da lei. A natureza humana é clara nesse aspecto: as pessoas não mudam até que a mudança passe a ser do interesse delas.
Nesse cenário, o acordo de leniência surgiu também como opção para as empresas se tornarem mais transparentes. Por ser um mecanismo novo, pô-lo em prática é difícil. Há procuradores, juízes e a Polícia Federal, todos com as próprias ideias, e há ainda a Controladoria-Geral da União (CGU), que faz parte do Executivo e é responsável por validar esses acordos. Sempre acreditei que a independência do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal é a fortaleza do Brasil. Mas é necessário coordenação entre essas autoridades e a CGU.
Mesmo nos Estados Unidos, o acordo de leniência não é uma questão de fácil solução. Trabalhei em casos em que havia o envolvimento de procuradores, policiais federais e agentes reguladores estaduais e federais. As vezes seis ou oito órgãos estavam implicados. (Nos EUA, os acordos são coordenados pelo Departamento de Justiça, mas as empresas também passam pelo escrutínio de órgãos de controle até que as investigações sejam concluídas e haja a definição de multa e a responsabilização de pessoas físicas.) Coordenar os acordos é um desafio. Por outro lado, se não há um alinhamento entre as partes interessadas, o trabalho desmorona. Já vi situações em que um órgão simplesmente não cooperava. Essa prática dificultou o trabalho e conduziu a resultados aquém do esperado. Os acordos de leniência são mais eficazes quando todo o sistema fica sob a supervisão do mesmo órgão, capaz de manter todos na mesma página.
Outro ponto importante é ter em mente o objetivo desses acordos. É preciso encorajar as empresas para que cooperem com a investigação. Também é necessário responsabilizá-las. Mas, acima de tudo, é preciso reabilitá-las para que possam retomar suas atividades regulares em um segundo momento. Quando se elimina uma empresa, eliminam-se também postos de trabalho. A CGU, os procuradores e os juízes devem trabalhar em conjunto para viabilizar a punição sem que haja prejuízo ao emprego. Quanto mais eficiente for a gestão dos acordos, melhor para a economia.
O Brasil tem um mercado forte. A longo prazo, quando se combate a corrupção, a economia só tem a ganhar. Nos Estados Unidos, quando os bancos foram condenados a pagar multas bilionárias, durante a crise financeira, muitos disseram que o país quebraria. Isso não aconteceu. O objetivo do governo não era quebrar empresas, mas puni-las de maneira a permitir que continuassem operando. Isso significa que a punição precisa ocorrer em um nível apropriado, combinando multas, mudança de cultura e a garantia de que a corporação se manterá livre da corrupção. Há um caminho penoso até chegar a esse equilíbrio. Mas, apesar das dificuldades, o que acontece, hoje, no Brasil é motivo de esperança.
Adam Kaufmann foi promotor em Nova York e é advogado do escritório Lewis Baach Kaufmann Middlemiss