Imprensa
Lei Anticorrupção
Leniência passo a passo (parte 2)
Os órgãos de controle, sem abrir mão de suas competências legais, estão delineando e implementando os contornos necessários para a criação de ambiente propício a uma efetiva colaboração de agentes privados com o Estado.
Os desdobramentos da Operação Lava Jato e a consequente responsabilização dos envolvidos nos crimes praticados têm se mantido como tema de permanente e destacado interesse social. Neste contexto, a colaboração de agentes corruptores para o esclarecimento dos fatos, bem como a eventual aplicação de punições às empresas que participaram das irregularidades, igualmente vêm merecendo atenção por parte da mídia e do público em geral.
Na última semana, diversos veículos de comunicação divulgaram que o Tribunal de Contas da União (TCU) decidira pela aplicação da sanção de inidoneidade a empresas envolvidas em ilícitos relacionados à Operação Lava Jato. Noticiou-se, ainda, que o TCU teria decidido que algumas dessas empresas poderiam ter suas penas suspensas, na hipótese de virem a colaborar para o ressarcimento do prejuízo causado aos cofres públicos.
Tendo em vista que algumas dessas empresas podem, também, estar em processos de negociação de leniência ou respondendo a processos de responsabilização perante o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU), relevante anotar o seguinte sobre a competência, forma e limites da atuação da CGU.
A Divisão Constitucional de Tarefas
De início, é oportuno destacar que são bem delineadas em nossa Constituição as competências dos diversos órgãos que atuam no enfrentamento à corrupção. Desta forma, no plano federal, indispensáveis e importantes funções são legalmente atribuídas ao Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público Federal (MPF), Advocacia-Geral da União (AGU), Polícia Federal (PF) e Ministério da Transparência-CGU.
Essa divisão de tarefas, impõe uma permanente cooperação entre esses atores para que os melhores e mais efetivos resultados sejam sempre alcançados, no esclarecimento, repressão e persecução de ilícitos cometidos contra a Administração Pública. A permanente harmonização entre as diversas ações de investigação, empreendidas por cada um desses órgãos, é que possibilita uma resposta célere e eficiente do Estado, com a devida responsabilização dos envolvidos, o ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos e a definitiva superação da sensação de impunidade que tão danosamente tem se apresentado à sociedade brasileira.
Neste sentido, a CGU tem se pautado pela constante coordenação e diálogo com seus parceiros constitucionais nas ações relacionadas à Operação Lava Jato. A participação da AGU nos acordos de leniência – parceria fortalecida por meio de uma Portaria Interministerial publicada no fim do ano passado - e o acesso irrestrito de equipes do TCU a toda a documentação utilizada nas negociações, evidenciam o alinhamento entre esses órgãos.
Ademais, a CGU vem mantendo constante diálogo com a Força-Tarefa da Lava Jato, com o objetivo de colaborar com as investigações em curso e de acentuar as providências para o efetivo compartilhamento de provas. Tal interlocução resultou, inclusive, na suspensão de negociações de leniência em curso nesta Pasta, justamente para que evitasse qualquer prejuízo às ações em andamento no MPF.
Essa coordenação de ações, é certo e evidente, não exclui nem restringe as competências originárias dos órgãos no combate à corrupção, pelo contrário, as fortalece.
As Diferentes Restrições ao Direito de Licitar e Contratar com a Administração (Inidoneidade)
Em relação à declaração de inidoneidade aplicada pela CGU, o fundamento legal para a imposição de tal sanção encontra-se na Lei nº 8.666/93, chamada de Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São variadas as razões que levam a essa declaração de inidoneidade, tais como a inexecução contratual ou a prática de atos ilícitos na licitação, e sua aplicação ocorre diretamente pela CGU, em sede de decisão administrativa. O alcance dessa punição é amplo e de consequências graves, com o impedimento para que a empresa punida venha a celebrar novos contratos com a Administra Pública.
Há um segundo tipo de declaração de inidoneidade, que é a aplicada pelo TCU como punição às empresas que participam de fraudes em licitações, e também decorre de decisão administrativa, desta vez no âmbito daquele Tribunal. Ressalte-se, contudo, que o fundamento de tal punição encontra-se em lei diversa (Lei nº 8.443/92).
Há, ainda, uma terceira situação, de efeitos semelhantes, prevista na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), e que resulta na proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de três a dez anos. Nesse último caso, todavia, diferentemente do que ocorre com as inidoneidades aplicadas pela CGU e TCU, há necessidade de decisão judicial em uma ação de improbidade, a qual deverá ser proposta pela AGU ou pelo MPF.
Percebe-se, portanto, que são diversas as sanções previstas para as empresas que praticam ilícitos, e que não há impedimento para que cada órgão, em sua respectiva esfera de atuação, avalie a necessidade de aplicação dessas penas. Ou seja, é permitida a imposição simultânea de diferentes sanções que levam a restrições de contratar com o Poder Público, ou mesmo que sua aplicação se dê somente por um dos órgãos (CGU, TCU) que detém competência para tanto, sem que o outro fique vinculado a essa decisão.
Os Acordos de Leniência na CGU e em Outros Órgãos
Quanto aos acordos de leniência – cujas virtudes e sucesso restaram comprovados com o indiscutível êxito das apurações da Operação Lava-Jato – é relevante destacar que equivalem à delação premiada da pessoa física e apresentam-se como indispensáveis ferramentas para o devido esclarecimento de ilícitos, com a identificação dos envolvidos e a recuperação de valores provenientes de atos de corrupção.
Nos termos da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13), a CGU detém competência exclusiva para a celebração de acordos de leniência na esfera federal em relação a sanções administrativas – o que inclui a pena de inidoneidade. Ou seja, é possível à CGU deixar de aplicar ou atenuar uma penalidade administrativa a determinada pessoa jurídica, em troca da efetiva colaboração para o esclarecimento de ilícitos. A AGU vem participando dos processos de negociação, com vistas a dar mais garantia jurídica aos acordos e a estender seus efeitos para outras penalidades a que a empresa estaria sujeita.
O Ministério Público Federal também vem celebrando acordos de leniência, de forma a afastar a responsabilidade civil de empresas e a garantir a obtenção de preciosas informações para o esclarecimento de irregularidades. Por fim, o TCU, em decisão recente, entendeu que os acordos de leniência celebrados por outros órgãos, e atendidas determinadas condições, podem ter aptidão para influir na dosimetria (redução) e efeito das penalidades aplicadas por aquele Tribunal.
Evidencia-se que a lei prevê diferentes efeitos para os acordos de leniência, a depender justamente dos órgãos públicos que participem das negociações. A isenção ou atenuação, por meio de acordos de leniência, da sanção de inidoneidade prevista na Lei de Licitações e Contratos Administrativos ou de penalidades administrativas trazidas pela Lei Anticorrupção (multa, por exemplo) é atribuição da CGU.
A Indispensável Colaboração entre os Órgãos
Na prática, o que se tem observado é que, apesar dessa divisão de tarefas previstas em lei, os órgãos de controle, sem abrir mão de suas competências legais, estão delineando e implementando os contornos necessários para a criação de ambiente propício a uma efetiva colaboração de agentes privados com o Estado. Busca-se fortalecer e dar segurança jurídica a uma cultura permanente de enfrentamento à corrupção, em que a participação do cidadão comum e de empresas constitui-se como indispensável ferramenta nessa engrenagem.
Em relação à atuação da CGU, convém ressaltar que os acordos em leniência negociados neste Ministério, conforme já informado em Nota, pautam-se pela rigorosa e estrita observância de critérios técnicos, além da constante interlocução com outros órgãos de controle. E neste contexto de permanente colaboração e diálogo, é certo que não há impedimento para que, sem prejuízo das competências atribuídas pela Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13), a CGU também considere a colaboração ofertada pelas empresas com esses outros órgãos (MPF e TCU), não só nos acordos de leniência aqui celebrados, mas também nos próprios processos de responsabilização em curso ou que vierem a ser iniciados por esta Pasta.
Trata-se de medida de inegável estímulo para que as próprias empresas envolvidas em irregularidades auxiliem o Estado no devido esclarecimento desses fatos, bem como busquem ressarcir o eventual prejuízo causado ao erário. Essa atuação harmônica dos órgãos de controle e combate à corrupção é condição inarredável para que a Operação Lava-Jato e outras relevantes ações de persecução do Estado possam, de fato, constituir-se em um marco de mudança nas relações público-privadas.
Assim, se por um lado a CGU busca fortalecer seus instrumentos de atuação - o que já resultou, inclusive, na declaração de inidoneidade de seis empresas envolvidas na Operação Lava Jato e em adiantadas negociações de leniência com outras pessoas jurídicas -, igualmente procura-se acentuar a colaboração com os órgãos parceiros que, dentro de suas respectivas esferas de competência, têm atuado com eficiência crescente na apuração de ilícitos e responsabilização de empresas envolvidas em irregularidades.
O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União acredita que, com a criação de um novo cenário institucional, permeado por boas práticas relacionadas à ética, à integridade e à probidade, e a efetiva responsabilização de agentes corruptores e corrompidos, será possível promover mudanças estruturais no cenário nacional, com a definitiva e esperada alteração da lógica perversa dos custos e benefícios da corrupção no Brasil.