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Fiscalizações da CGU revelam desvios de recursos e saques sem comprovação
Novos municípios com falhas ou irregularidades na compra de ambulâncias são identificados
Obras inacabadas, saques sem comprovação dos gastos, compras sem licitação, muitas irregularidades em licitações e usos de notas fiscais clonadas são algumas das principais irregularidades constatadas pela Controladoria- Ge ral da União (CGU) por ocasião da fiscalização da 18º edição do Programa de Fiscalização de Municípios a partir de Sorteios Públicos, realizada em outubro do ano passado.
Nesta edição do Programa, de um total de 60 municípios fiscalizados, 49 apresentaram irregularidades e 11, apenas problemas administrativos menores. A fiscalização envolveu recursos federais da ordem de R$ 216,8 milhões, repassados às áreas municipais sorteadas.
Ambulâncias
Dentre os fiscalizados, a CGU identificou 14 municípios onde foram constatadas irregularidades e falhas formais relacionadas à compra de ambulâncias: Amaturá/AM; Santo Antônio do Retiro, Delfinópolis, Igaratinga e São Thomé das Letras, em Minas Gerais ; Ibiara, na Paraíba; Betânia do Piauí e São José da Fronteira, no Piauí; Caracaraí, em Roraima; Salvador do Sul e Xangri-lá, no Rio Grande do Sul; Pacaembu, Regente Feijó e Salmorão, em São Paulo. Os problemas detectados foram, entre outros, d irecionamento de licitação, simulação e fraudes nos processos licitatórios, superfaturamento e falsificação de documentos.
A CGU já havia divulgado, em 16/05/2006, um levantamento feito a partir das constatações do 4º ao 17º sorteio de municípios, que identificou 60 áreas municipais nas quais haviam sido verificados problemas relacionados à aquisição de unidades móveis de saúde. Com a inclusão do 18º sorteio, chega a 74 o número de prefeituras onde a compra de ambulâncias teve alguma falha ou irregularidade. É preciso ressaltar que esse fato não indica necessariamente envolvimento com o mesmo esquema fraudulento de compra de ambulâncias revelado pela Operação Sanguessuga.
No município de Caracaraí, Roraima, a prefeitura utilizou uma modalidade licitatória inadequada para compra de duas ambulâncias. A prefeitura recebeu do Ministério da Saúde R$ 120 mil para a compra das unidades móveis de saúde. Foram emitidas duas cartas convites: a de nº 85/2004, para contratação de empresa especializada em equipar os veículos com aparelhos médico-hospitalares, na qual foi vencedora a empresa Frontal Ind. Com. de Móveis Hospitalares Ltda., com o valor de R$ 46,2 mil, e a carta convite nº 86/2004, para a aquisição de dois veículos tipo furgão, sagrando-se vencedora a empresa Planam Ind. Com. e Representações Ltda., com o valor de R$ 76,2 mil. A soma dos dois convites ultrapassou o limite imposto pela Lei 8.666/93 para essa modalidade, que é de R$ 80 mil. No caso, deveria ter sido realizada tomada de preços, em consonância ao que dispõe o art. 23 da Lei. A empresa Planam é apontada pela Polícia Federal como a principal beneficiária das fraudes reveladas pela Operação Sanguessuga.
A fiscalização também constatou que a adaptação das duas ambulâncias foi feita de forma irregular. As laterais internas não foram revestidas com polietileno branco, conforme estabelecido na licitação. Não foi possível identificar o valor do serviço não executado, uma vez que não houve proposta de preços por item, mas pelo preço global do serviço. Nas ambulâncias não consta a publicidade indicando a fonte dos recursos para a compra.
Irregularidade em obras
Também em Caracaraí, a prefeitura não disponibilizou a documentação de um projeto avaliado em R$ 1,1 milhão. Esse projeto foi firmado por meio do contrato de repasse nº 106.195-80, do Ministério das Cida des, destinado a obras de drenagem, pavimentação, rede de esgotos, rede elétrica e quadra de esportes. Como não existem documentos, não foi possível avaliar se o projeto foi realizado conforme o contrato. Foram apresentadas apenas peças avulsas de um processo licitatório, algumas notas fiscais, planilhas de medição e cópia do termo de homologação.
Houve ainda aproveitamento de licitação anterior à celebração do contrato de repasse nº 106.195- 80. A vigência do contrato de repasse foi iniciada em 15/09/2000, contudo a contratação da empresa Andrade Galvão Engenharia Ltda. para execução das obras foi amparada na concorrência pública nº 01/97, cujo termo de homologação, assinado pelo então prefeito municipal, data de 16/06/1997. Segundo a Lei das Licitações, “as obras e os serviços somente poderão ser licitados quando houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo programa”.
Desvios e saques
A fiscalização da CGU constatou um desvio de R$ 76,8 mil no município de São Gabriel, Bahia, repassado pelo Programa de Educação de Jovens e Adultos (Ministério da Educação). A prefeitura utilizou notas fiscais clonadas, notas fiscais de serviços não-realizados, bens ou produtos não-entregues e notas fiscais de fornecedores que não reconhecem as vendas supostamente realizadas para fraudar o programa. O valor do desvio representa quase a metade do total repassado pelo programa ao município. Desse total desviado, R$ 45,4 mil foram retirados da conta corrente do programa no último mês do mandato do ex-prefeito.
Ainda em São Gabriel , houve superfaturamento de até 155% na compra de livro didático em 2004, como é o caso do livro Educação Sem Fronteira-Integral, comprado por R$ 46,00, quando custava no mercado R$ 18,00. A prefeitura também não pagou o 13º salário e de 1/3 de férias dos professores, contrariando a Constituição Federal.
Em diversos municípios os fiscais constataram saques em contas correntes de programas federais sem a devida comprovação dos gastos. A prefeitura de Caracaraí, Roraima, sacou R$ 413 mil, repassados pelos Ministérios da Integração Nacional e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, sem justificar em que foram gastos os recursos. O dinheiro deveria ter sido aplicado na construção de uma galeria de águas pluviais.
Em Formosa do Oeste, Paraná, a prefeitura não comprovou saques da conta do Programa de Atenção Básica (PAB), no valor de R$ 94,3 mil. Os recursos para a execução do programa foram repassados pelo Ministério da Saúde, no total de R$ 215,7 mil. Pelo menos quatro cheques foram sacados em dinheiro, na boca do caixa, sem que houvesse qualquer comprovação dos favorecidos dos recursos.
Em Itacaré, na Bahia, a prefeitura sacou, entre 2002 e 2004, R$ 431,2 mil das contas do Fundef. A análise das operações indica a utilização de recursos para cobertura de débitos de outras contas correntes da própria prefeitura, constituindo desvio de finalidade na aplicação dos recursos do Fundo.
Serviços pagos, obras não-executadas
Ainda em Caracaraí, a CGU constatou serviços pagos sem terem sido executados. A prefeitura pagou R$ 405,9 mil por obras de pavimentação, drenagem, urbanização e iluminação das ruas e de construção de um matadouro que não foram realizadas. Os recursos foram liberados pelos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Integração Nacional. Em Nova Olinda , no Ceará, a prefeitura também não concluiu a construção de um açude, mas apesar disso houve um pagamento de R$ 169,2 mil, recursos disponibilizados pelo Ministério da Integração Nacional.
Em Jataí, Goiás, a população poderia estar usufruindo de mais lazer e atividades culturais se a construção do Centro de Cultura, financiada com recursos do Ministério da Cultura, já tivesse sido concluída. No entanto, a obra, orçada em R$ 375 mil, está abandonada e paralisada desde o final de 2004. A parte que chegou a ser construída foi depredada, e muitos materiais, roubados. Apesar dessa situação, a obra chegou a ser 95% paga.
Na Bahia, as prefeituras de Itacaré e Caldeirão Grande também pagaram por serviços não-executados. Em Itacaré, as empresas Volpini e S.V. Construtora, habilitadas indevidamente em licitações para reformas de escolas, com recursos do Fundef, deixaram de realizar serviços da ordem de R$ 70,8 mil, mas receberam o dinheiro. Já a prefeitura de Caldeirão Grande pagou R$ 76,9 mil à empresa Paralela Projetos e Construção Ltda. por serviços não-concluídos na construção de uma unidade de saúde.
Problemas em licitações
Em São Thomé das Letras, Minas Ge rais, a prefeitura comprou medicamentos, no valor total de R$ 60,1 mil, sem instaurar procedimento licitatório. Os remédios foram adquiridos em duas drogarias existentes no município. Ressalte-se que a prefeitura fez uma licitação na modalidade pregão em 2004 e 2005, mas essas drogarias sequer participaram do certame. A Prefeitura de Jataí, Goiás, também realizou despesas sem licitação. Foram comprados gêneros alimentícios, produtos de limpeza, materiais de escritório e material pedagógico, no valor total R$ 54,5 mil.
Em Amaturá, Amazonas, a prefeitura adquiriu, também sem licitação, alimentos e material de expediente da empresa que pertence à filha e ao genro do prefeito. As compras foram realizadas em 2004 e 2005, no valor total de 22,2 mil, as firmas Nadilson Silveira Ramos e N. Patrícia Pereira. Ambas as empresas constam como inabilitadas nos cadastros da Secretaria de Estado da Fazenda do Amazonas (Sefaz/AM) e como “ativas não-regulares” no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica.
Em Santo Antônio do Retiro, Minas Ge rais, representantes das empresas Paulo Ferreira Sales - Comerciante - ME e Francisco de Oliveira Dias – Comerciante -ME negaram que tenham participado de uma licitação realizada pela prefeitura para a aquisição de merenda escolar, no valor de R$ 74,7 mil. Além de negarem a participação não reconheceram como sendo suas as assinaturas constantes das propostas. A então presidente da Comissão de Licitação afirmou aos fiscais que não houve nenhuma reunião para tratar do convite. A entrega dos produtos não pôde ser confirmada, pois não existem controles formais de entrada e saída de mercadorias na Secretaria Municipal de Educação. Alguns diretores de escolas municipais afirmaram aos fiscais que em 2004 não houve distribuição de alimentos em quantidade satisfatória para os alunos.
Documentos fraudados
Na cidade de Água Fria, Bahia, os fiscais constataram que a prefeitura alterou uma ata do Conselho do Fundef, de uma reunião realizada em 13/09/2005. A ata foi alterada para que o prefeito fizesse manifestação acerca de questionamentos do presidente do Conselho. No dia 17/10/2005, data do início da fiscalização da CGU no município, o registro foi alterado de modo a dar a aparência de que houve continuação do relato em 13/09/2005. Prova da modificação é a cópia da ata de reunião autenticada em 17/10/2005 em que não constam as assinaturas de todos os presentes à sessão. Posteriormente, a ata, por solicitação do prefeito, foi assinada pelos presentes à reunião do dia 13, com exceção do presidente do Conselho do Fundef que se recusou a participar da simulação. A alteração foi confirmada pelos membros do Conselho em reunião realizada com os fiscais da CGU.
Em Muquém de São Francisco, Bahia, o prefeito e seu antecessor simularam o cumprimento da Lei nº 9.452/97, que exige a notificação a partidos políticos e sindicatos sobre o recebimento de recursos federais no prazo máximo de dois dias úteis. Para comprovar a notificação, a prefeitura apresentou aos fiscais ofícios datados de 22/07/02, endereçados à Câmara de Vereadores, ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Muquém de São Francisco e aos partidos PSDB, PFL, PL e PT. Nenhum ofício exibia a confirmação de recebimento por essas entidades. Aos fiscais, o presidente da Câmara Municipal disse que recebeu as notificações, mas não poderia apresentar o ofício da prefeitura devido a “mudanças nos arquivos da Câmara e falta de tempo para localizá-lo”. Já o PSDB e o Sindicato afirmaram não terem sido notificados. A equipe da CGU solicitou ao prefeito as vias das notificações com confirmação de recebimento pelas entidades, mas ele alegou que não foram localizados.
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