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CGU confirma graves irregularidades denunciadas em Mucuri
A extrema gravidade das irregularidades constatadas em fiscalização feita no município baiano de Mucuri levou auditores da Controladoria-Geral da União (CGU) a enviar o relatório da fiscalização ao Ministério Público Federal, Polícia Federal, Ministério Público do Estado da Bahia, Secretaria da Receita Federal e Advocacia-Geral da União. Segundo os auditores as constatações transbordam da esfera da auditoria para o âmbito policial.
No relatório, os fiscais da CGU sugerem que o Ministério Público Estadual faça uma investigação aprofundada na Prefeitura de Mucuri, levando em conta que os indícios de mau uso dos recursos públicos ficaram evidentes não apenas com recursos federais (cuja fiscalização compete à CGU), mas também com recursos estaduais e municipais. Mucuri tem arrecadação mensal da ordem de R$ 4 milhões.
Na comarca local, os fiscais identificaram a existência de 88 processos, movidos contra o município, contra o prefeito e secretários municipais, principalmente mandados de segurança, anulação de atos administrativos, cobrança de salários e indenizações, ações ordinárias de cobrança e ações populares.
Enriquecimento ilícito
Durante os trabalhos de fiscalização contatou-se também a falta de remédios, de médicos e de merenda escolar; total descaso com o patrimônio público; atraso no pagamento de despesas contratadas pela prefeitura, além da não-apresentação e não-distribuição de itens adquiridos ou licitados com recursos federais.
A equipe da CGU teve que voltar três vezes ao município para concluir a fiscalização, tal o grau de dificuldade imposto pela administração municipal ao trabalho dos fiscais, que tiveram de trabalhar com proteção de agentes da Polícia Federal. Em outubro, dois policiais que davam segurança aos auditores da CGU foram feridos a bala por policiais do Espírito Santo, durante uma diligência feita para checar o endereço de uma empresa que tinha negócios com a prefeitura de Mucuri.
No município baiano os fiscais da Controladoria constataram, entre outras irregularidades, que recursos públicos foram depositados em contas pessoais; contas bancárias referentes a convênios públicos foram movimentadas de forma irregular e pagamentos foram feitos por bens não-recebidos. A fiscalização se deu em razão de denúncias encaminhadas por cidadãos do município, dando conta de desvios de recursos públicos e do enriquecimento ilícito e vertiginoso do prefeito Roberto Carlos Figueiredo Costa e do secretário de Finanças, Luiz Carlos Costa Melgaço.
Contas pessoais
Entre as irregularidades elencadas, os fiscais constataram que é hábito, na administração municipal, não cruzar os cheques emitidos, para, em seguida, endossá-los, facilitando o saque direto nos caixas. "Tal procedimento tem permitido a distribuição de valores entre diversas pessoas físicas/jurídicas sem correspondente relação contratual", registraram os fiscais da CGU no relatório.
Como exemplo desse procedimento irregular os fiscais relatam o caso da emissão do cheque nº 678, no valor de R$ 78,8 mil, nominal à empresa Polara Organização Comercial Ltda. (empresa não localizada pelos fiscais). O cheque foi descontado no caixa da agência do Banco do Brasil num município vizinho e depositados nas contas de duas outras empresas (R$ 18.700,00 à Cosmos Comércio e Representações Ltda. e R$ 10 mil à CTA Terraplenagem Ltda.) e das pessoas físicas Temóteo Alves Brito, ex-prefeito do vizinho município de Teixeira de Freitas (R$ 20 mil) e Girlene Amador Brito, que reside na Vila Planalto, Brasília-DF (R$ 30 mil). Os R$ 100,00 restantes correspondem à taxa de R$ 15,00 para emissão do DOC para Girlene e R$ 85,00 sacado em espécie.
O relatório cita ainda o caso do cheque 0009, da conta do Programa Nacional de Alimentação Escolar, no valor de R$ 52.273,34. Nominal à empresa Comercial Boa Alimentação Ltda., o cheque tem em seu verso a assinatura do secretário de finanças e a identificação de duas contas onde deveria ser depositado o dinheiro. Uma delas é uma conta pessoal do próprio secretário, que, somente deste cheque, recebeu R$ 20.273,34. O relatório dos fiscais cita outros casos de cheques que tiveram parte de seu valor depositado em contas pessoais do secretário.
CPF inválido
Outro procedimento irregular está relacionado com o cheque nº 996, nominal à empresa JP Informática Ltda. e destinado ao pagamento pela aquisição e instalação de microcomputadores em uma escola do município. Como os fiscais não encontraram os equipamentos instalados na escola, procuraram o dono da empresa, que informou ter negociado com a prefeitura a venda e instalação dos equipamentos, emitindo a nota fiscal referente à transação. Após a instalação, informou, a empresa teve de retirar os computadores, porque a prefeitura não realizou o pagamento.
A nota fiscal, contudo, ficou em poder da prefeitura, que a utilizou na contabilidade e emitiu o cheque no valor de R$ 13.619,00, afinal compensado numa agência do Bradesco. Solicitada ao Banco do Brasil cópia microfilmada do cheque, identificou-se o pagamento ao titular do CPF 242.745.632-72. Pesquisa feita nos bancos de dados da Receita Federal confirmou que tal CPF é inválido.
Os fiscais constataram ainda que a prefeitura de Mucuri mantém um contrato com o Posto Bueno Ltda., em valor superior a R$ 3 milhões, para fornecimento de combustível, pelo período de três anos. A frota de veículos próprios da prefeitura é muito reduzida, sendo absolutamente incompatível com o consumo de combustível previsto nesse contrato. O Posto Bueno, segundo o relatório dos fiscais, está localizado a mais de 100 quilômetros da sede do município.
Funcionária em Portugal
Entre os anos de 2001 e 2003, o município de Mucuri recebeu do Fundef R$ 7,8 milhões, e foram inúmeras as irregularidades praticadas com esses recursos. Entre elas, os fiscais constataram o não-pagamento a muitos professores beneficiários do programa; pagamento indevido a funcionários não-contemplados pelo programa, como assessores, procuradores, advogados, chefe de gabinete do prefeito; pagamento a pessoas que não moram nem trabalham em Mucuri; a funcionários "fantasmas" e até a uma funcionária que mudou-se para Portugal e continuou na folha do Fundef até janeiro do ano passado. Somente em 2002, os pagamentos indevidos a funcionários não contemplados pelo Fundef chegaram a um valor superior a R$ 201 mil.
Os gastos de recursos públicos com as festas carnavalescas também chamaram a atenção dos fiscais. Em 2001, saiu dos cofres da prefeitura um total de R$ 2,5 milhões. Denúncias da população dão conta de que em 2002 e 2003 os gastos com o Carnaval chegaram a R$ 4 milhões e R$ 6 milhões, respectivamente. Mas essas contas foram ocultadas pela prefeitura à fiscalização, sob a alegação de essas despesas foram feitas com recursos próprios do município, que não estão sujeitos à fiscalização federal.
Licitação não-publicada
A prefeitura realizou tomada de preços para aquisição de materiais gráficos para a Secretaria de Saúde, Secretaria de Administração e Secretaria de Educação, tendo sido vencedora a empresa New Impres Serv. Gráficos Ltda, com uma proposta global de R$ 616.260,00. Não há comprovante de publicação do edital nos autos da licitação, havendo apenas comprovantes da entrega de edital a duas empresas. Tal fato sugere desobediência ao princípio da publicidade previsto na Lei 8.666.
Os fiscais da CGU constataram ainda que as entregas de gêneros alimentícios para a merenda escolar em Mucuri, conforme recebimentos atestados pela responsável pelo setor, importavam em valores que giravam em torno de R$ 30 mil por mês. Entretanto, a concorrência em que a empresa Comercial Bia Alimentação sagrou-se vencedora tem como valor adjudicado o total de R$ 1.486.100,00, para o abastecimento de dez meses de aula, o que significaria uma despesa mensal de R$ 148.610,00, absurdamente diferente do que foi recebido e distribuído às escolas.