Notícias
Desvios de todos os tipos em São Francisco do Conde
Na sexta edição do Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos, o município de São Francisco do Conde, na Bahia, apresentou o maior número e as mais graves irregularidades constatadas pelos fiscais da Controladoria-Geral da União. O município, de 26 mil habitantes e localizado na Região Metropolitana de Salvador, recebeu da União mais de R$ 3,8 milhões, e contou, sob a forma de royalties, com R$ 21,9 milhões entre 2001 e 2003.
"Diante da gravidade da situação encontrada em São Francisco do Conde, envolvendo desvios de altas somas de recursos, estamos nos articulando com os Ministérios Públicos Federal e do Estado da Bahia, com o Tribunal de Contas da União e a Polícia Federal para definir medidas que levem à preservação do patrimônio público e à rápida responsabilização dos envolvidos nas irregularidades", anunciou o Ministro do Controle e da Transparência, Waldir Pires.
Os fiscais tiveram dificuldades em analisar a aplicação dos recursos oriundos do recebimento de royalties, pois a prefeitura os movimenta, irregularmente, de forma conjunta com recursos provenientes de outras fontes de receita, sem fornecer elementos que permitam dissociar os valores. São inúmeros e de grande monta os indícios de irregularidade constatados pela fiscalização com o uso desses recursos.
Na gestão anterior à atual, por exemplo, a administração municipal celebrou contrato com a empresa Cobrate, vencedora de licitação feita para a construção e recuperação de estradas, recuperação de ruas na sede municipal, infra-estrutura urbana em distritos, construção de centro de saúde e de hospital pediátrico, entre outras obras. O contrato, que previa gastos da ordem de R$ 45 milhões, foi interrompido em setembro de 2000, após ter sido executada quase a totalidade do montante contratado.
Em janeiro de 2001, já sob a administração atual, o município sub-rogou o contrato às empresas Mazda e TCI, prevendo a execução de um remanescente de obras no valor de R$ 8 milhões. Esse procedimento não encontra amparo legal, visto que a prefeitura deveria ter convocado a empresa classificada em segundo lugar na licitação, para a realização das obras remanescentes que não tinham sido executadas. Com sucessivos termos aditivos ao contrato inicial, encomendas de novas obras e serviços, feitos sempre sem licitação, a Mazda e a TCI já receberam recursos municipais da ordem de R$ 50 milhões, aí incluídos recursos provenientes dos royalties, segundo registram os fiscais da CGU em seu relatório.
Estrada do Ferrolho
As mesmas empresas (Mazda e TCI) foram contratadas por R$ 9 milhões e R$ 3 milhões, respectivamente, para realizar obras de pavimentação de ruas em paralelepípedos. As planilhas apresentadas não permitem caracterizar a efetiva realização das obras, que não foram executadas pelas duas empresas. Em parte, as obras foram sub-contratadas a pequenas empreiteiras, sem nenhum controle por parte da administração municipal.
Novamente sem licitação, a Mazda foi contratada para construir um trecho da Estrada do Ferrolho, de aproximadamente nove quilômetros de extensão. Dados levantados junto ao Departamento de Estradas e Rodagens da Bahia (Derba) autorizam afirmar que a estrada deveria ter sido orçada em valor aproximado a R$ 1 milhão. No entanto, as notas fiscais apresentadas pela Mazda comprovam desembolso da ordem de R$ 5 milhões, mesmo a prefeitura não tendo apresentado documentos que justifiquem dispêndio de tal monta.
Os fiscais da Controladoria apuraram que, não tendo tradição na construção de rodovias, a Mazda sub-contratou a CTE – Construtora Terrana e Estudos Ltda. para executar as obras, pagando-lhe, aproximadamente, R$ 1,8 milhão. A Mazda obteve, portanto, um lucro líquido superior a R$ 3 milhões com a Estrada do Ferrolho.
Com base em denúncias, os fiscais da CGU constataram que a Mazda cedeu um apartamento de alto padrão em bairro nobre de Salvador, avaliado em R$ 600 mil, para uso do prefeito e de sua família. O imóvel foi adquirido pela empresa em abril do ano passado e sua utilização pelo prefeito e família foi comprovada através de entrevistas com moradores do prédio.
R$ 2 milhões em fraudes
Na área da educação, os fiscais constataram fraudes em licitações no montante de R$ 2 milhões, com recursos do Fundef, do Programa de Atendimento à Criança em Creche, do Programa Recomeço e do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Trinta dos 37 processos de licitação analisados apresentaram fraudes. As graves irregularidades incluem a participação de empresas pertencentes a sócios comuns; empresas fora do ramo do objeto licitado; empresas concorrentes com o mesmo endereço ou empresas que não existem no endereço indicado e superfaturamento de produtos em até 2.000% em relação ao preço de mercado.
Os fiscais encontraram na sala da Comissão de Licitação convites de certames em branco, mas já assinados e tidos como recebidos, como é o caso da Padaria Irmãos. Segundo a responsável pela padaria, a empresa assinava os convites preparados pela prefeitura mesmo que não fosse participar dos certames.
Notas fiscais frias também aparecem no rol das fraudes. Os fiscais constataram R$ 109 mil em notas fiscais emitidas, em 2003, pela empresa Carisma, que vendeu material didático para as escolas municipais, apesar de atuar no ramo de confecções de mochilas. No site da Secretaria Estadual da Fazenda não consta a autorização para a emissão das notas fiscais usadas pela empresa para comprovar a venda. O número indicado nas notas é fraudulento. Também é fraudulenta a indicação da gráfica que teria confeccionado tais notas. A gráfica afirmou aos fiscais que jamais confeccionou notas fiscais para a empresa Carisma.
Elásticos para dinheiro
Para a estranha aquisição de 4,3 milhões de unidades de elásticos (cinco toneladas) para dinheiro, a Prefeitura realizou uma Tomada de Preços no valor de R$ 629 mil, vencida pela empresa Di Paula. A compra dos elásticos foi um dos 105 itens da Tomada de Preços. Os fiscais constataram que a compra foi superdimensionada e que os elásticos nunca foram entregues. O superdimensionamento de materiais também foi constatado em outros produtos. Em dez meses, a Prefeitura comprou 36 mil pincéis atômicos, no valor total de R$ 17,3 mil. Segundo dados dos fiscais, o consumo de pincéis por todos os alunos da rede municipal de ensino, pelo período de um ano, é de no máximo 1.200 unidades. No depósito da Prefeitura só foram encontrados 2.200 pincéis.
Os fiscais constataram também que a empresa Di Paula é de familiares dos proprietários da empresa E.B. Magazine, que apresentou proposta idêntica à da Di Paula na mesma Tomada de Preços, alterando apenas a fonte da letra. A E.B. Magazine foi vencedora em outra licitação (nº 003/03), no valor de R$ 1,7 milhão, para fornecimento de materiais didáticos. Pelas regras da licitação, as empresas participantes deveriam ter um capital social integralizado de no mínimo R$ 130 mil. Dez dias antes da abertura das propostas, a empresa apresentou uma alteração contratual aumentando seu capital de R$ 15 mil para R$ 150 mil.