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Irregularidades em Anápolis podem passar de R$ 8 milhões
Uma auditoria especial realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) no município de Anápolis, em Goiás, detectou irregularidades praticadas na gestão do ex-prefeito Ernani de Paula que podem chegar a mais de R$ 8 milhões. A ação da CGU, concluída há poucos dias, foi motivada por denúncias sobre procedimentos irregulares utilizados na aplicação dos recursos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).
A equipe da CGU analisou cerca de R$ 26,4 milhões em recursos federais aplicados no município no período de janeiro de 2001 a junho de 2003. A soma dos recursos que tiveram aplicação considerada irregular (e passível de devolução) com os que deverão ser objeto de Tomadas de Contas Especiais (TCE) chega a aproximadamente R$ 8,4 milhões. Significa dizer que somente após a conclusão das TCEs é que se poderá afirmar com exatidão o volume de recursos utilizados de maneira irregular.
Apesar de ter confirmado as denúncias em relação ao Peti, conforme antecipou a CGU no último dia 14, foi nos programas dos Ministérios das Cidades e do Meio Ambiente que os auditores encontraram os maiores problemas, como obras não-executadas, inacabadas ou superfaturadas.
O Programa Parques do Brasil, do Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, destinou à Prefeitura de Anápolis um total de R$ 1,56 milhão para a implantação do Parque Onofre Quinan e de quatro etapas do Parque JK. A análise dos documentos relativos aos convênios e a visita aos locais das obras revelaram, especialmente no Parque JK, a não-realização de itens previstos no plano de trabalho, pagamento por serviços não-executados e contratações de obras e serviços, como plantio de grama e árvores, por valores acima dos praticados no mercado.
O plantio de grama realizado nas primeira, terceira e quarta etapas do Parque JK custou cerca de R$ 36,1 mil, R$ 19,3 mil e R$ 24,3 mil, respectivamente. Tais valores estavam, em média, 73,1%, 44,4% e 107,1% acima do praticado no mercado à época da contratação, conforme pesquisa de preços realizada pela equipe da CGU. Além disso, a cobertura de grama não conseguiu se fixar em todos os locais onde foi plantada. Para o plantio de árvores e mudas, previsto no plano de trabalho das primeira, terceira e quarta etapas, o valor total pago foi de R$ 58,8 mil. Estavam previstas 6.044 árvores, entretanto apenas 490 foram plantadas, resultando em um gasto irregular de R$ 57,3 mil. O total de irregularidades nesse programa envolvem um montante de aproximadamente R$ 350 mil, os quais deverão ser objeto de uma Tomada de Contas Especial que vai apurar responsabilidades e determinar o ressarcimento à União.
Para as obras de pavimentação de 86 ruas e implantação de sistema de drenagem pluvial com 3,8 mil metros de galerias de águas, objeto de convênio que a Prefeitura celebrou com o Ministério das Cidades, no valor de R$ 3,3 milhões, foram contratadas irregularmente, sem licitação específica para as obras, duas empreiteiras: a SKM Engenharia Ltda. e a GAE – Construção e Comércio Ltda., responsáveis por 71% e 29% dos recursos conveniados, respectivamente. A empresa SKM está com o CNPJ cancelado desde março de 1995.
Os auditores visitaram os bairros atendidos pelo programa para avaliar a qualidade dos serviços executados. Foram verificadas, principalmente nos bairros Parque das Nações, Jardim Bom Sucesso e Setor Pedro Ludovico, precariedade da pavimentação e falta de manutenção nas construções. A equipe observou, ainda, sujeira, deterioração e inúmeras erosões nas ruas pavimentadas há menos de três anos. O objetivo do programa previa exatamente o controle e a prevenção de erosões e a recuperação de áreas degradadas. Em duas ruas do bairro Parque das Nações, o trânsito de veículos está totalmente interrompido por causa de enormes erosões no asfalto.
Os fiscais sugerem a instauração de Tomada de Contas Especial, com a finalidade de se apurar as causas, os valores e os responsáveis pela má aplicação dos recursos.
Em outro programa, também do Ministério das Cidades, estava prevista a aplicação de R$ 6,6 milhões para obras de reestruturação urbana e adequação de vias. Foram assinados dois contratos de repasse entre a Caixa Econômica Federal e a Prefeitura de Anápolis, sendo um para melhoria da infra-estrutura dos transportes coletivos e outro para a urbanização de áreas degradadas ou insalubres.
Para a execução das obras, a Prefeitura Municipal pretendia utilizar um contrato de empreitada originário de uma licitação realizada em 1993. Em função disso, a Caixa foi orientada pelo Tribunal de Contas da União a condicionar a liberação dos recursos à realização de um processo licitatório específico. Diante da exigência, em 04/07/2002, a Prefeitura informou à Caixa que as obras e serviços seriam executados diretamente pela administração municipal, tendo sido autorizada a iniciar as obras um dia depois. A primeira parcela dos recursos, no total de R$ 1,62 milhão, foi liberada em setembro de 2002.
Em 22/04/2003, a Prefeitura informou à Caixa que seriam contratadas três empresas para a conclusão das obras, argumentando situação de emergência. A Caixa, no entanto, não aprovou a situação e recomendou que o assunto fosse submetido ao TCU. Em nova correspondência, em 07/05/2003, a Prefeitura solicitou à Caixa que desconsiderasse o teor do comunicado.
Um fato estranho chamou a atenção dos auditores da CGU. Mesmo com a recomendação da Caixa, eles observaram que a Prefeitura realizou licitações para a execução de algumas obras. A equipe verificou que foram efetuados pagamentos à empresa Lucky Assessoria e Construção Ltda., no valor total de R$ 706 mil.
Os processos licitatórios analisados apresentaram várias falhas, entre elas situação não-regular das empresas participantes, fracionamento de despesas e uso incorreto da modalidade de licitação. As evidências obtidas, principalmente as informações prestadas pela população, indicam que a Lucky foi a empresa que realizou a maior parte das obras, senão a totalidade delas.
A União liberou a totalidade dos recursos (R$ 6 milhões) para essas obras, embora somente tenha sido repassado à Prefeitura pela Caixa o valor aproximado de R$ 1,62 milhão. A diferença, cerca de R$ 4,4 milhões, ainda está bloqueada na Caixa Econômica Federal. A equipe sugere a devolução desse valor ao Tesouro Nacional. O valor de R$ 1,62 milhão já utilizado nas obras deverá ser objeto de uma Tomada de Contas Especial. Dependendo do resultado, a Prefeitura terá de devolvê-lo aos cofres da União.
Além desses problemas, a auditoria verificou irregularidades em outros programas da área social, como o Bolsa-Escola e o Alimentação Escolar, do Ministério da Educação; o Peti e o Sentinela, do Ministério da Assistência Social; e o Programa de Aparelhamento e Adequação de Unidades do SUS, do Ministério da Saúde.
Em relação ao Peti, os fiscais constataram que a Prefeitura contratou a Associação Jamel Cecílio para executar o Programa, o que é vedado pela legislação em vigor. A Associação, por sua vez, terceirizou o pagamento das bolsas-cidadãs a Fabrício Steckelberg, que fazia o pagamento em espécie diretamente aos beneficiários. Pelas normas do Programa, o pagamento da bolsa deve ser feito por meio da rede bancária, devidamente credenciada.
Foi constatado ainda, no âmbito do Peti, que Fabrício Steckelberg não devolvia, com a regularidade devida, o saldo não-utilizado repassado pela Associação Jamel Cecílio, restando ainda, na data da fiscalização, um saldo de R$ 8.495,00 não-devolvidos. Foi verificado também que o mesmo, quando deixou de prestar os serviços relativos ao Peti, subtraiu o disco rígido do computador onde estavam armazenados os dados do Programa, dificultando as ações de controle. O disco rígido continha todos os cadastros de famílias, saldos, relatórios físicos e financeiros relativos ao Peti. Além disso, houve pagamento irregular com recursos do Programa, não-atingimento das metas, falta de controle da freqüência escolar e interrupção da jornada ampliada.
A equipe conclui que a aplicação dos recursos federais pelo município de Anápolis não está sendo realizada em conformidade com a legislação. A recomendação é de que os gestores dos programa analisados procedam de forma a reaver os recursos gastos irregularmente e que causaram prejuízos ao erário e à população, instaurando as devidas Tomadas de Contas Especiais nas situações em que forem necessárias.