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Barra do Corda: CGU recomenda devolução de R$ 1,6 milhão ao Fundef
A Prefeitura de Barra do Corda, no Maranhão, poderá devolver R$ 1,6 milhão aos cofres do Fundef. A recomendação foi feita por fiscais da Controladoria-Geral da União, que, em recente fiscalização realizada a partir de denúncias, constataram diversos indícios de irregularidades na aplicação de recursos federais. Os fiscais pedem ainda que sejam glosados R$ 92 mil de recursos do Fundef. O município, que tem 78 mil habitantes, recebeu nos últimos dois anos quase R$ 17 milhões do Fundo. A fiscalização ocorreu entre julho e agosto.
No relatório, os fiscais consideraram a situação do município de extrema gravidade. Foram encontrados indícios de procedimentos ilegais e irregulares não-sanáveis, como falta de planejamento, de controle, gerenciamento, de cuidado com a coisa pública e de respeito à população.
Embora as denúncias tenham sido feitas com base na aplicação dos recursos do Fundef e da Saúde, os fiscais descobriram indícios de irregularidades também na aplicação de recursos destinados a outros programas federais, como o FNDE e a Merenda Escolar, bem como em convênios com os Ministérios das Cidades e do Meio Ambiente. Os auditores só puderam avaliar documentos de 2001 e 2003 e, ainda assim, em apenas dez processos. A documentação de 2000 e 2002 não foi apresentada pelo gestor municipal.
Acúmulo de poder
No município, que fica a 350 quilômetros de São Luiz, uma única pessoa controla a aplicação dos recursos do Fundef e julga as licitações municipais. Ademildo Alves de Medeiros é o presidente do Conselho do Fundef e da Comissão Permanente de Licitação há três exercícios consecutivos, contrariando a Lei de Licitações. Ele também é presidente do Conselho de Alimentação Escolar e do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundo. Ademildo não é funcionário da Prefeitura, mas recebe R$ 3 mil mensais como consultor, prestando serviços de implantação do sistema burocrático de matrículas, reciclagem de secretarias e implantação da sistemática de contas do Fundef. Seu salário é pago, indevidamente, com recursos do Fundo.
A prefeitura não cumpre as regras do Fundef, que determina a aplicação de, no mínimo, 60% dos recursos no pagamento de professores do ensino Fundamental, em efetivo exercício do magistério. Os auditores constataram pagamentos com recursos do Fundef a pessoas que nunca exerceram atividades em sala de aula. Dos 861 servidores pagos à conta dos 60% do Fundef, os fiscais constataram que 311 não são professores, mas ocupantes de cargos comissionados, zeladores, vigias e secretários.
Voto e jaca
Para contratação de mão-de-obra destinada às escolas municipais do Ensino Fundamental, a Prefeitura realizou uma licitação, da qual participou apenas a empresa Contrucom – Indústria, Construções, Comércio e Imobiliária, considerada vencedora e afinal contratada pelo valor de R$ 648 mil. Os fiscais constataram irregularidades no processo licitatório e descobriram que a Secretaria Municipal de Educação, principal interessada no objeto do contrato, não participou do processo de contratação da empresa nem foi consultada sobre a necessidade de prestação de serviços ou contratação de mão-de-obra.
Os fiscais localizaram uma relação de abril de 2002, com dez nomes de prestadores de serviços em escolas, em cargos de zelador e vigia, terceirizados por meio da Contrucom. Da relação, consta ao lado dos nomes dos prestadores de serviço uma indicação sinalizando que a escolha de seus nomes decorreu da indicação de alguém, principalmente do prefeito, Raimundo Avelar Sampaio.
Na lista, chamou atenção, por exemplo, a nomeação de uma zeladora indicada por Avelar, que tem ao lado do seu nome a inscrição: "mulher do olho verde, que traz jaca"; outra zeladora contratada pela empresa tem ao lado do nome a indicação: "votou em Avelar só no 2º". Há ainda indicações do "vereador Carlito" e de uma "conselheira do Fundef".
Pendência fiscal
A J. Carnib é uma das quatro empresas que forneceram alimentos para a merenda escolar em 2002. Entre março e julho, a Prefeitura pagou R$ 340 mil à Carlib, que se encontra com pendência fiscal desde 2000. Já o fornecedor Gonçalo Nunes da Silva também está com pendência fiscal, apesar de ter recebido R$ 25,6 mil pela entrega de 25,6 mil litros de leite. Portanto, nenhuma das três empresas poderia ter participado dos certames licitatórios, segundo os fiscais.
Nos últimos dois anos, o município recebeu R$ 764 mil do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Os fiscais constataram que, em 2002 e 2003, a Prefeitura não disponibilizou um nutricionista para elaborar o cardápio da merenda; faltou merenda por até 15 dias e não houve formalização dos procedimentos licitatórios. Nos últimos três anos o Conselho de Alimentação Escolar (CAE), que deveria fiscalizar o programa, não desempenhou suas atribuições.
Segundo o presidente do CAE, Ademildo de Medeiros, os membros do Conselho não são convocados para reuniões, não existe livro de atas e o Conselho não examina nenhum comprovante de despesas, nem tem conhecimento dos processos licitatórios realizados para aquisição de alimentos. Mas ele, por ser presidente da Comissão de Licitação, tem acesso às informações.
Sem comprovantes
Na área da Saúde, os fiscais pediram a instauração de Tomada de Contas Especial, visando à devolução, pelo município, de R$ 308 mil, referentes a despesas inelegíveis, inadequadas e pagas por meio de cheques sem os respectivos comprovantes. Os serviços médicos são realizados por clínicos não-especializados e contratados com a finalidade de repassar parcela dos seus salários.
Também nessa área, os fiscais tiveram dificuldade de acesso aos documentos que comprovam despesas com recursos federais. Só analisaram os comprovantes de despesas e folhas de pagamento dos exercícios de 2002 e 2003. Segundo a Prefeitura, a documentação de 2001 foi encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado. O Ministério da Saúde repassou, nos últimos três anos, quase R$ 1,5 milhão, do Piso de Atenção Básica (parte fixa).
Entre as irregularidades apresentadas estão os dados epidemiológicos registrados pela Secretaria Municipal de Saúde, referentes a 2001 e 2002, que não correspondem aos números registrados na Secretaria Estadual de Saúde. Com relação ao Programa Saúde da Família, foi constatado que das 11 equipes formadas, cinco estão atuando sem médicos e sem enfermeiros. Na maioria dos Postos de Saúde os médicos e enfermeiros dão atendimento somente duas vezes por semana. Os agentes de saúde é que fazem o atendimento diário.
Saúde indígena
Por meio de convênios, a Fundação Nacional de Saúde repassou R$ 3,2 milhões às Associações de Saúde das Sociedades Indígenas Kaneguatim, de Apoio à Saúde dos Kanela e de Saúde e Desenvolvimento aos Povos Indígenas Katu Ipe'e. Mais uma vez a falta de documentação acerca dos convênios firmados e de comprovação das despesas aparece como problema. Os fiscais não puderam comprovar a devida aplicação dos recursos federais. A Associação Kaneguatim, por exemplo, não apresentou os comprovantes das despesas referentes ao convênio no valor de R$ 956 mil, para promover as condições de saúde da população indígena do Pólo Base de Barra do Corda.
Em outro convênio, firmado entre a Funasa e a Associação Kaneguatim, no valor de R$ 603,7 mil, para implantação de sistemas de abastecimento de água, só foram apresentadas notas fiscais no valor de R$ 337 mil. Os fiscais constataram também que foram emitidas notas fiscais, no valor de R$ 237 mil, com datas posteriores à vigência de um contrato firmado, como parte do convênio, com a empresa Ágil Motores e Bombas Ltda. Existe divergência entre os povoados beneficiados relacionados no plano de trabalho e os existentes no contrato firmado com a Ágil Motores; os povoados de Sumaúma e Nova Jerusalém não receberam obras.
Segundo informações da população e agentes de saúde de duas aldeias beneficiadas, os poços foram perfurados, mas a comunidade não está sendo beneficiada, pois não há reservatório, rede de distribuição ou uma torneira sequer para abastecimento comum. Outra irregularidade constatada foi o comprovante da aquisição de um veículo Mitsubishi, apresentado pela mesma associação indígena. A nota fiscal do veículo está com data anterior à liberação dos recursos de um terceiro convênio, no valor de R$ 619 mil, firmado entre a associação e a Funasa, que teve como objetivo garantir ações básicas de saúde aos 3.030 indígenas da etnia Guajajara. Os fiscais constataram ainda que o objetivo do convênio não está sendo atendido, pois as instalações e o funcionamento dos postos de saúde são precários.
Contas reprovadas
A prefeitura firmou convênio com o Ministério do Meio Ambiente, no valor de R$ 150 mil, para perfuração de poços artesianos em três localidades, mas em apenas duas delas os poços foram construídos, ficando a obra inacabada. Existe um parecer técnico da Secretaria de Recursos Hídricos recomendando a devolução de R$ 74 mil (mais correção monetária) ou a conclusão da obra. Já foram enviados ofícios ao atual prefeito, Raimundo Avelar Sampaio, e ao ex-prefeito, Manoel Mariano de Souza, responsável pela obra.