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Prefeito compra carro e paga despesas pessoais com recursos do Fundef
A Prefeitura do município baiano de Cansanção pagou R$ 230 mil à empresa JL Santos Coelho e Comercial Ltda. para realização de três cursos de capacitação de 570 professores leigos. Os cursos nunca se realizaram e nem podiam, pois a empresa contratada é do ramo de "comércio varejista de cereais". Nas notas apresentas pela empresa à Prefeitura, pelo serviço que, afinal, não foi prestado, a palavra ensino estava escrita com a letra "c": "encino".
Este é apenas um dos inúmeros indícios de irregularidades constatados pelos fiscais e auditores da Controladoria-Geral da União em fiscalização feita no município, durante o mês de junho último, por determinação do ministro Waldir Pires, em função de denúncias consistentes, veiculadas na imprensa, dando conta de irregularidade na administração do município. O extenso rol de irregularidades comprovadas pelos fiscais envolve dois ex-prefeitos (um deles afastado do cargo pela Câmara no início deste ano) e o atual prefeito do município.
As irregularidades praticadas pela administração municipal de Cansanção, que já envolvem pelo menos 10 ações judiciais, incluem o desvio de um cheque de R$ 135 mil de recursos do Fundef. Depositado na conta de um "laranja", José Erivaldo Ribeiro, e utilizado para pagar débitos pessoais do então prefeito, José Zito Góes, o cheque pagou também a compra de um veículo Mitsubshi Galant S. Salon, no valor de R$ 30 mil, para o então vice-prefeito, Luiz Batista de Jesus, que, com a cassação de José Zito Góes, assumiu o cargo e nele permanece até hoje.
Cofre desaparecido
Outra ação judicial em andamento é relativa ao furto de um cofre do município, contendo R$ 45 mil. O cofre e o dinheiro desapareceram durante um intervalo da troca dos guardas que faziam a segurança da Prefeitura. A ação penal é movida contra o tesoureiro e outros servidores da Prefeitura.
Entre os problemas constatados pelos fiscais da CGU, estão também indícios de fraudes em licitações feitas pelos últimos prefeitos de Cansanção. O município firmou convênio com a Caixa Econômica Federal e recebeu R$ 113 mil (recursos do Pronaf) para perfuração e instalação de poços artesianos e ampliação de aguadas.
A obra foi subdividida e executada pelas empresas HIGEP, Diberg, Cataventos Kenya Ltda., Selma Maria Carneiro Lima e pela própria Prefeitura de Cansanção. Entretanto, os fiscais constataram que não houve licitação para contratação de três empresas: HIGEP, Diberg e Selma Maria Carneiro Lima. Em cinco localidades as aguadas não foram ampliadas, deixando de ser aplicados R$ 18,5 mil. Mesmo assim, o Relatório de Acompanhamento da CEF (RAE) atesta que os serviços de ampliação das aguadas foram realizados integralmente.
Fazenda inexistente
As irregularidades não se restringem às administrações dos prefeitos José Zito e Luiz Batista de Jesus. O ex-prefeito, Arivaldo de Souza Pereira, gestor municipal entre 1996 e 2000, ao terminar seu mandato não deixou nenhum comprovante das despesas feitas com recursos públicos federais. Pereira responde, na Justiça, a duas ações por não ter prestado contas de dois convênios com o Ministério da Saúde, no valor total de R$ 155,5 mil; a uma Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa e a uma Ação Cautelar de Busca e Apreensão, movidas pela própria Prefeitura Municipal de Cansanção e pelo Promotor da cidade.
Durante sua gestão, foi celebrado um convênio com a Codevasf, no valor de R$ 85 mil, para construção de uma barragem na Fazenda Fato, que, segundo pesquisa dos fiscais, não existe no município. A prefeitura firmou outro convênio com a Codevasf, pelo qual recebeu R$ 12 mil da União para a realização de obras nessa mesma fazenda, mas, em decorrência da falta de documentos na Prefeitura sobre esse convênio e na própria Codevasf, não foi possível verificar se o objeto desse convênio trata da mesma obra financiada com o convênio anterior.
Gastos sem comprovação
O ex-prefeito José Zito Góes deixou a Prefeitura de Cansanção, em fevereiro deste ano, acusado de cometer irregularidades. Seu vice, Luiz Batista de Jesus, que assumiu o cargo, vem cometendo as mesmas irregularidades de seus antecessores. Os fiscais da CGU constataram que o atual prefeito não comprovou os gastos com recursos de mais de R$ 600 mil, dos cerca de R$ 1 milhão que foram repassados pelo Fundef ao município durante sua gestão.
Os fiscais apontam várias irregularidades, principalmente em licitações ocorridas na gestão do atual prefeito, Luiz Batista de Jesus, apesar do pouco tempo que ele tem no cargo. Jesus é sócio do vereador Antônio Coelho de Moura na Construtora e Transportadora Mayanna Ltda., empresa que presta serviços à Prefeitura e é paga com recursos do Fundef.
Empresa cancelada
Na área da saúde, o município de Cansanção vive uma situação grave, pois somente o atendimento de emergência está sendo feito, e de forma precária, no Hospital Municipal Senhora Santana e no Centro de Saúde. Programas como Saúde da Família, Combate à Dengue e à Tuberculose, Tratamento de Hanseníase e Outras Dermatoses e Assistência Farmacêutica não funcionam, embora o município receba recursos da União para sua execução.
Dos recursos repassados este ano para o Programa de Assistência Básica (PAB), da ordem de R$ 200 mil, os fiscais encontraram uma nota fiscal, no valor de R$ 7.385,00, emitida em 11/02/2003, pela empresa R.H. União Farmacêutica Ltda. A empresa está cancelada junto à Secretaria da Fazenda Estadual da Bahia desde 29/11/2002, quatro meses antes da emissão da nota.
Transporte precário
No âmbito do Fundef, os fiscais constataram as seguintes irregularidades: atraso no pagamento dos salários dos professores; pagamentos no valor de R$ 637,7 mil sem identificação e precariedade no sistema de transporte escolar. Durante a fiscalização, a equipe da CGU flagrou o ônibus escolar circulando com excesso de passageiros (70 passageiros) e o motorista sem habilitação e sem os documentos do veículo.
Os indícios de irregularidades ocorridos nas licitações com recursos do Fundef chegam a quase R$ 165 mil. De uma licitação, modalidade convite, feita para aquisição de 1.500 carteiras, no valor de R$ 52,5 mil, participaram três empresas de propriedade de uma mesma família: Montenegro. O contrato entre a Prefeitura e a empresa foi celebrado sete dias antes da abertura e do julgamento das propostas, e, apesar de o contrato fixar o prazo de 20 dias para pagamento, a empresa foi paga no dia seguinte ao julgamento e à abertura das propostas.
Diante das irregularidades constatadas, cópias do relatório da fiscalização serão encaminhadas ao Ministério Público Federal, à Superintendência da Polícia Federal em Salvador, à Secretaria da Receita Federal, ao Tribunal de Contas da União, à Advocacia Geral da União e aos Ministérios que descentralizaram recursos ao Município, entre outros órgãos, para conhecimento e adoção das providências cabíveis.