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Desvios em Porto Seguro já chegam a R$ 48,5 milhões
É da ordem de R$ 48,5 milhões o montante de recursos envolvidos em irregularidades praticadas pela administração municipal de Porto Seguro, segundo relatório, ainda parcial, apresentado pela "força-tarefa" que atuou no município sob coordenação da Controladoria-Geral da União. Somente na área de saúde, as irregularidades envolvem, aproximadamente, R$ 27,5 milhões, enquanto na educação esse montante passa de R$ 12,7 milhões.
A fiscalização especial realizada no município foi sugerida ao Ministro Waldir Pires, da Controladoria-Geral da União, pelo Presidente Lula, após assistir denúncias veiculadas numa edição do programa Fantástico, da Rede Globo. Em face do grande volume de irregularidades encontradas, o prazo de encerramento do trabalho teve de ser prorrogado três vezes. Os trabalhos de campo duraram exatos 24 dias, iniciando-se em 14 de maio, e se encerraram há pouco mais de uma semana.
Os auditores concluem, no relatório, que "a situação encontrada no município é de extrema gravidade e demanda providências urgentes nas esferas municipal, estadual e federal". Com efeito, a análise de documentos da administração municipal, de fitas de caixas bancárias e de depoimentos de beneficiários e testemunhas revelou o emprego generalizado de um engenhoso esquema de fraude, no qual empresas fantasmas participam de licitações simuladas e fraudulentas para lesar os cofres públicos.
Situação inadequada
Pelo esquema montado, quando as obras eram realizadas ou os produtos adquiridos, não eram executadas ou fornecidos pelos contratados, mas por terceiros, sem qualquer contrato formal. Os cheques para pagamento eram emitidos em nome da empresa fantasma vencedora da licitação e levados já endossados à agência do Banco do Brasil, onde eram sacados por prepostos da prefeitura. Parte do dinheiro era depositado em nome de terceiros, outra parte levada para pagamento dos empreiteiros ou fornecedores informais, e uma terceira parte, em espécie, tinha destino ainda ignorado.
Os recursos são sacados na "boca do caixa", quase sempre no caixa da tesouraria da agência bancária, tanto no caso de convênios quanto nas transferências diretas ao município. "Tal fato", afirmam os auditores no relatório, "configura, por si só, indício de movimentação financeira inadequada, pois a situação normal seria compensar os cheques".
O sigilo bancário impede a divulgação dos beneficiários dos saques e depósitos, mas os fiscais levantaram, em documentos e depoimentos, os principais envolvidos nessas operações fraudulentas, sejam pessoas físicas ou jurídicas.
A prefeitura mantém duas comissões de licitação: uma para as contratações com recursos da área da saúde e outra para as demais áreas. Também a contabilidade da saúde é separada das demais. "Tal fato, entretanto, não impediu as graves irregularidades ocorridas nas licitações conduzidas por qualquer uma das comissões de licitação: a forma de atuação é a mesma", sustentam os auditores no relatório.
Os auditores constataram pagamentos feitos a empresas inexistentes nos endereços declarados (Construtora Mariana Ltda, Kerigma Construção Ltda, Design Engenharia Ltda) e a empresas não localizadas em funcionamento tanto pela equipe de fiscalização quanto pela Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia (Construtora JJE Ltda, Mundial Empreendimentos e Urbanismo Ltda, Millenium Artes Gráficas). As empresas Valmir Carvalho de Porto Seguro e Construtora Alcar, também inexistentes nos endereços declarados, participaram de licitações apenas para completar o número mínimo de propostas.
Certidões negativas
Na gestão de recursos do Fundef, foram constatadas ainda, entre muitas outras irregularidades, pagamento por materiais adquiridos e não recebidos; indícios de qualificação técnica comprovada com documentação fraudulenta; pagamento por serviços não prestados de manutenção e conservação de escolas; indícios de clonagem de documentação, pagamento antecipado de obras, empresas participantes e vencedoras de licitação com Certidões Negativas de Débito (INSS e FGTS) vencidas e sem apresentar certidões negativas quanto à dívida ativa e Fazendas federal, estadual e municipal, além de indícios de superfaturamento de itens em vários contratos.
Na área da Saúde, foram analisados 18 processos (seis concorrências, oito tomadas de preço e quatro convites), perfazendo um valor total superior a R$ 8,9 milhões. Constataram-se, entre muitas outras, as seguintes irregularidades: nenhum dos membros das comissões de licitações integrava, à época de suas designações, o quadro permanente da Prefeitura de Porto Seguro; falta de projeto básico; falta de pesquisa de preço; falta de publicação do edital e ausência de parecer da área jurídica.
Além disso, verificaram-se ainda casos de apresentação, por empresa licitante, de idêntico balanço patrimonial para exercícios diferentes (Comercial Química Sul Bahia Ltda); apresentação do mesmo balanço patromonial por duas licitantes distintas (Francisco Silva da Costa e Intergráfica Cachoeira) e, ainda, apresentação de balanços patrimoniais de empresas diferentes, com valores idênticos (passivo circulante, reserva de capital, lucro do exercício) pelas empresas Mundial Empreendimentos e Urbanismo Ltda e Sucesso Construtora Ltda.
Salários atrasados
A prefeitura deve mais de quatro meses de salários a empregados contratados (médicos, enfermeiros e auxiliares administrativos) e tem um débito de R$ 745 mil com a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, embora o município tenha recebido regularmente os recursos do SUS/MS. Esse fato denota completa falta de controle e gerenciamento dos recursos, situação que se reflete na péssima qualidade dos serviços prestados na área.
No último dia dos trabalhos, os auditores encontraram duas notas fiscais emitidas pelo Supermercado Daise Ltda, datadas de 04.06.2003 (quando o prefeito José Ubaldino Pinto Júnior, que se licenciara no início da fiscalização, já havia reassumido o cargo) e referentes à aquisição de produtos para a merenda escolar. As notas tinham carimbo e assinatura do servidor responsável atestando o recebimento dos produtos, mas eles não foram encontrados no depósito da Secretaria de Educação. O valor das notas chega a R$ 75,2 mil. O fato foi comunicado à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal.
O vice-prefeito, Ubiratan Oliveira Silva, que assumiu a administração municipal durante a licença do titular, é também tabelião do município, acumulação expressamente proibida por lei. Outro caso de acumulação irregular é o da contadora Conceição do Monte Serrat (CRC/BA nº 20.528) que trabalhava na Secretaria de Saúde de Porto Seguro, e, simultaneamente, prestou serviços como procuradora à empresa licitante Viana Silva Construtora Ltda.
Recomendações
Diante da gravidade das irregularidades constatadas, os auditores recomendam o encaminhamento do relatório e de todos os seus anexos ao Ministério Público Federal, sugerindo que seja pleiteada a quebra de sigilo bancário dos destinatários dos cheques emitidos pela Prefeitura, bem como dos beneficiários dos depósitos; à Delegacia de Polícia Federal em Porto Seguro, para subsidiar o inquérito policial já instaurado; à Secretaria da Receita Federal, sugerindo que as empresas vencedoras de licitações sejam minuciosamente fiscalizadas e ao Tribunal de Contas da União, para conhecimento e providências cabíveis.
O relatório será enviado ainda, entre outros destinos, aos ministérios que enviaram recursos para o município para reanálise das prestações de contas e outras providências; ao Ministério da Justiça e ao Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, para verificar a acumulação ilegal do tabelião e vice-prefeito Ubiratan Oliveira Silva; à Câmara dos Deputados, para ciência; à Câmara Municipal de Porto Seguro, para ciência e providências.
O prefeito José Ubaldino Pinto Júnior está exercendo seu segundo mandato consecutivo. Localizado no litoral sul da Bahia e considerado um verdadeiro paraíso tropical, sendo o segundo maior pólo turístico do Estado (atrás apenas de Salvador), Porto Seguro tem cerca de 110 mil habitantes. Suas praias paradisíacas foram o ponto de chegada das caravelas de Pedro Álvares Cabral ao Brasil.
Entre as áreas que ainda se encontram sob análise dos auditores para efeito de complementação do relatório figuram os gastos realizados com as comemorações pelos 500 anos do descobrimento do Brasil.
O trabalho de apuração das denúncias em Porto Seguro envolveram uma equipe de 32 pessoas, entre elas auditores e fiscais da CGU, do Ministério da Saúde, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Receita Federal, delegados e agentes da Polícia Federal e procuradores dos Ministério Públicos Federal e do Estado da Bahia.