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O dinheiro do povo é sagrado Waldir Pires
Artigo publicado no jornal A Tarde,
edição do dia 12/4/2003, seção Opinião, página 6.
Vivemos hoje, no Brasil, um novo ciclo da nossa história, com o governo do presidente Lula e a esperança vencendo o medo. É um instante de contraponto da inteligência e da solidariedade ao barbarismo das relações sociais atrasadas, que não têm compromisso com a vida das pessoas, com seu trabalho e sua renda, e gestaram a angústia crescente da insegurança, das privações e da exclusão. Uma sorte de mudança inédita que não terá jamais sido, efetivamente, experimentada, carregada de objetivos, sensibilidade e firmeza, paciente, lúcida, organizada e democrática, buscando o caminho de uma transição difícil e nova, mas possível, que possa devolver ao nosso povo seu desenvolvimento, sua autoconfiança e sua alegria.
O governo do presidente Lula dá os primeiros passos e tenta, com as forças que tem, e a intuição dos caminhos que o trouxeram, vencendo obstáculos, pés no chão do país, e toda a vontade de resgatar o destino da nação, estruturar um Estado democrático brasileiro, independente, forte e limpo, capaz de restaurar os ideais republicanos esquecidos e, a rigor, nunca implantados entre nós. É uma revolução pacífica, democrática, disciplinada, benfazeja, na força da beleza dos valores, que nos vieram dos heróis primeiros da construção da pátria, nos séculos XVIII e XIX, para um destino de progresso e lealdade a toda nossa gente.
Este Estado democrático incumbe-nos arquitetar, fortalecer; armá-lo de princípios claros, éticos e políticos, que quase nunca foram observados, nem praticados, pelos “donos do poder” e que são indispensáveis à confiança que cimentará o embate e a vitória das gerações atuais e futuras.
São compromissos simples e fundamentais, na prática cotidiana dos atos de administração e governo, assentando as bases de uma cultura do respeito ao dinheiro público, para o gasto público, para o bem público, em benefício da população. Dinheiro do povo que não pode ser desviado, dilapidado, desperdiçado, traficado, nem furtado. Nenhum segredo, no destino de sua aplicação. Transparência e controle social, administrativo e político. Lula, nos encontros do ministério e com o povo, tem-nos dito, “vamos gastar o dinheiro público com mais cuidado e atenção do que o nosso próprio dinheiro, da família.”
Uma das mais importantes conquistas do ideário democrático foi, na história política, a construção da origem do dinheiro público, chegando aos cofres do poder, pela via da manifestação do consentimento do povo, através de seus representantes. O Parlamento votando a lei, para autorizar a cobrança do imposto. Nenhum tributo é legítimo, sem que antes a lei o tenha autorizado. Fins dos tempos da orgia dos tesouros reais, das dinastias irresponsáveis, das famílias aristocráticas ou oligárquicas. Surgimento da presença da lei, igualmente fundamental para definir a despesa pública, que é autorizada, principalmente no orçamento, pelos representantes da população, nas casas legislativas.
Também assim, com a legitimidade da transparência política, deverá ser a prática do controle do gasto público, com a participação da sociedade civil organizada, nos seus conselhos e órgãos representativos.
Controle externo, que é da competência do Tribunal de Contas da União, como órgão auxiliar do Parlamento. Controle interno, constitucional, que no governo incumbe à Controladoria Geral da União, como órgão de defesa do patrimônio nacional.
No aperfeiçoamento da idéia política e republicana do controle, como tarefa de responsabilidade interna do governo federal, a Controladoria Geral da União lançou, no dia 3 de abril passado, um novo instrumento de fiscalização, nunca anteriormente utilizado no país, visando inibir, dissuadir a prática da corrupção. Nas estatísticas mundiais da corrupção, tem cabido ao Brasil uma situação ultrajante, que urge ser corrigida. Imputam-nos uma posição abaixo da Colômbia, da Argentina, do México, da África do Sul, da Malásia. Vamos reerguer a dignidade nas nossas relações financeiras, para inclusive ganharmos a batalha maior da democracia, contra a fome, o desemprego, as desigualdades sociais vergonhosas.
As amplas e tradicionais atribuições da Controladoria Geral da União serão mantidas e aprimoradas. Tanto no que concerne aos seus deveres de auditoria e fiscalização por determinação do Tribunal de Contas, por denúncias recebidas, por representações do Ministério Público, de Tomadas de Contas Especiais; auditorias de grandes programas federais de investimentos, ou de natureza regional, ou de grandes convênios internacionais; na avaliação de resultados ou centrado nos objetivos físicos; no exame das licitações, da prova documental, da legalidade. Sem postergar as ações rigorosas de corregedoria e de ouvidoria, vamos definir, com lisura, áreas de unidade municipal, onde serão desenvolvidas fiscalizações especiais de todos os recursos federais ali aplicados, por execução direta, ou não, dos órgãos federais, por meio de convênios ou repasses, de qualquer forma, a órgãos da administração estadual ou municipal.
É no território do município onde vivem e trabalham as cidadãs, os cidadãos, as famílias que executaremos a fiscalização do dinheiro público federal definida por sorteio público mensal, em parceria com a Caixa Econômica Federal, utilizando o sistema de sua famosa Loteria. O ato do sorteio, amplamente divulgado, será todos os meses realizado no próprio cenário da Loteria Federal, na presença de membros do governo e da oposição no Congresso Nacional, de representantes da sociedade civil organizada, do Ministério Público e do Judiciário, dos meios de comunicação, televisão, rádio e jornais, todos convidados a acompanhar o sorteio, para atestarem a lisura e a imparcialidade, sem perseguições e apadrinhamentos. Terminado o sorteio do mês, ninguém sabe quais serão os sorteados do mês seguinte e assim sucessivamente, sempre.
Os técnicos, que trabalham na fiscalização, viajarão munidos de um levantamento prévio dos recursos federais destinados a cada uma das áreas municipais e, lá, farão a inspeção física das obras, serviços e políticas públicas em realização. As populações os verão e terão notícia, em prazo curto, do resultado de suas apurações e das providências rapidamente encaminhadas.
A moralidade e a ética no trato com o dinheiro do povo somente serão fortes na medida em que a participação dos cidadãos assegura a transparência e o controle social eficazes. Assim, construiremos uma cultura de respeito ao bem público e de dignidade da cidadania.
Por um Brasil decente e uma sociedade justa.
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Waldir Pires é ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União. Foi governador da Bahia e ministro da Previdência Social.