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Pesquisadores do Cemaden e do INPE criam índice que mostra a vulnerabilidade ambiental das bacias do Parnaíba e São Francisco
Com uma abordagem inovadora, para realizar a pesquisa concentrada na questão da degradação ambiental dos rios Parnaíba e São Francisco, região Nordeste brasileira, pesquisadores brasileiros criaram o Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (SEVI), combinando indicadores ambientais, físicos e socioeconômicos da região. Com a aplicação desse novo índice, possibilitou-se identificar diferentes níveis de vulnerabilidades socioambientais, de acordo com as características de cada região e priorizar ações de recuperação das áreas degradadas.
As duas bacias são consideradas cruciais tanto para a expansão do agronegócio como para a conservação da biodiversidade. A região abrange mais de 780 municípios brasileiros e engloba parte da Caatinga e do Cerrado. Os dois biomas enfrentam o desmatamento e estão ameaçados pelos efeitos das mudanças climáticas.
O Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (SEVI) destacou que a capacidade adaptativa é a principal limitação para a redução da vulnerabilidade socioambiental nos rios do Parnaíba, enquanto a exposição e a sensibilidade são os maiores desafios na bacia do São Francisco.
O trabalho científico foi liderado pela cientista Rita Márcia da Silva Pinto Vieira- que atualmente desenvolve atividades de pesquisa no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) – unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Na época, a coordenadora da pesquisa estava no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Pelo Cemaden, o artigo teve a participação da pesquisadora Ana Paula Martins do Amaral Cunha, especialista em seca e extremos agrometeorológicos e coordenadora-substituta da Coordenação de Relações Institucionais do Cemaden. Do INPE, participaram os pesquisadores Javier Tomasella, Alexandre Augusto Barbosa, João Pompeu, Yara Ferreira, Fabrícia Cristina Santos, Lincoln Muniz Alves e Jean Ometto.
Aplicação do Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (SEVI)
Com base na metodologia Medalus ( sigla em inglês para Mediterranean Desertification and Land Use, o índice proposto foi adaptado para incluir múltiplos indicadores biológicos, físicos e socioeconômicos. O Medalus foi desenvolvido no final dos anos 1990 para estudar a desertificação em regiões mediterrâneas da Europa decorrente do uso da terra, permitindo fazer um ranqueamento com pesos por indicador. Os valores obtidos na pesquisa pelo índice SEVI foram classificados em: muito alto; alto; moderado; baixo e muito baixo nas vulnerabilidades socioambientais
Foram analisadas, também, a eficiência de políticas governamentais, como a criação de unidades de conservação e o cadastramento rural de propriedades na redução da vulnerabilidade.
Para compor o SEVI, os pesquisadores combinaram indicadores relacionados à adaptação (desenvolvimento humano, infraestrutura e renda); à sensibilidade (número de dias sem chuva, uso e cobertura da terra, temperatura e tipo de solo) e à exposição (densidade populacional, degradação e desertificação do solo).
O trabalho científico concluiu que uma das principais contribuições do estudo foi a identificação de indicadores de vulnerabilidade socioambiental, levando em consideração o clima regional, as queimadas, a degradação/desertificação do solo e as características sociais. Os cientistas brasileiros apontam que essa avaliação subsidia programas, como o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (PNA), no fornecimento de informações relacionadas à exposição e sensibilidade dos sistemas naturais, o que é frequentemente desconsiderado na formulação de políticas de mitigação do clima.
Os pesquisadores explicam que os resultados da aplicação do Índice de Vulnerabilidade Socioambiental também podem auxiliar na identificação de áreas caracterizadas por degradação ambiental, facilitando a priorização da distribuição de recursos financeiros para a recuperação dessas áreas.
Estudo aponta que as fragilidades ambientais em níveis alto e muito alto coincidem com os focos de desertificação
A área analisada tem pouco mais de 962 mil quilômetros quadrados (km2), com uma população de cerca de 20 milhões de habitantes, predominantemente em zona urbana. Desse total, 16 milhões vivem na bacia do São Francisco – rio que percorre seis estados entre Minas Gerais e a divisa de Alagoas e Sergipe – e 4 milhões na do Parnaíba.
De acordo com o Sevi, 53% da bacia do São Francisco apresentou indicador de vulnerabilidade "alto" e "muito alto", totalizando uma área de 337.569 km2 com fragilidades socioambientais. Parte dela coincidiu com focos de desertificação oficialmente reconhecidos pelo Ministério do Meio Ambiente. No Parnaíba, essa proporção foi de 37% (121.990 km2). Em relação à capacidade adaptativa, 57% (549.830 km2) da área do estudo ficou no patamar "baixo" e "muito baixo".
A bacia do rio São Francisco apresentou maior área de exposição "alta" e "muita alta" do que a do Parnaíba – 62,8% e 30,7% – e também de sensibilidade. Contribuíram para esses resultados a densidade populacional, a degradação e desertificação dos solos e o número de dias sem chuva, o que influencia diretamente no risco de incêndios florestais durante a estação seca.
O quadro atual deve ser agravado nas próximas décadas em decorrência das mudanças climáticas. Pesquisas anteriores utilizando modelos globais mostraram que a vazão dos dois rios deverá diminuir em 46% e 26%, respectivamente, por causa do aquecimento global. Há ainda uma previsão de aumento da frequência de eventos extremos climáticos, atingindo especialmente a população que vive em situação de pobreza nessas áreas.
Além disso, a taxa de desmatamento no Cerrado em 2022 foi a maior desde 2015, segundo dados do Prodes, programa de monitoramento do Inpe. Foram devastados 10.689 km2 do bioma – há sete anos, a taxa ficou em 11.129 km2. Na Caatinga, o aumento foi de 25% em relação ao ano anterior. Em 2023, os alertas de desmatamento pelo sistema Deter (Inpe) para o Cerrado cresceram 35% nos primeiros cinco meses em relação ao mesmo período de 2022.
“A pesquisa demonstrou que problemas ligados ao desenvolvimento sustentável devem considerar as características específicas de cada região analisada e indicou as deficiências de algumas políticas públicas. Abordamos um problema que afeta muitas áreas agrícolas em vários países, principalmente em desenvolvimento”, explicou a coordenadora da pesquisa, bióloga Rita Márcia Vieira, para o Jornal da Fapesp.
Desafios na publicação pelas mulheres cientistas
Mesmo com a experiência reconhecida na pesquisa científica, desde 2010, sobre degradação e desertificação do solo na região nordeste do Brasil, a bióloga Rita Márcia Vieira – doutora em Ciência do Sistema Terrestre e mestre em Sensoriamento Remoto – ainda encontra dificuldades em publicação de artigos científicos internacionais.
“Deparamos com desafios enfrentados na publicação de artigos científicos internacionais, especialmente quando se trata de pesquisas realizadas por equipes exclusivamente brasileiras e em áreas menos conhecidas, como os biomas Caatinga e Cerrado” afirma Vieira. Ela destaca a persistente dificuldade de ter seu trabalho reconhecido no próprio país, devido ao conservadorismo na questão de gênero pela sociedade científica. “Muitas vezes, mulheres são deixadas de lado e têm suas contribuições subestimadas.”
Seu trabalho notável foi reconhecido em 2014, quando recebeu o prêmio do programa Dryland Champions - concedido pela Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD) - pelo desenvolvimento do Sistema de Alerta Precoce Contra Seca e Desertificação, durante sua tese de doutorado orientada pelos pesquisadores Javier Tomasella e pela atual diretora substituta do Cemaden, Regina Alvalá. A cientista Rita Márcia Vieira concentra-se na questão da degradação ambiental e tem se dedicado ao desenvolvimento de índices de vulnerabilidade, que vão além da análise da degradação ambiental em si. Seu trabalho visa também avaliar o grau de vulnerabilidade das populações que habitam essas regiões
Sobre a pesquisa de degradação ambiental dos rios Parnaíba e São Francisco e a criação do Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (Sevi) , a pesquisadora faz as considerações: “Os resultados obtidos são de grande importância para agilizar a tomada de decisões relacionadas à distribuição de recursos financeiros, direcionando-os para áreas que estão verdadeiramente mais vulneráveis, do ponto de vista socioeconômico e ambiental, melhorando, assim, a qualidade de vida das comunidades locais.”, conclui Vieira, enfatizando que a pesquisa contribui para a compreensão das variáveis que aceleram o processo de degradação ambiental e para a avaliação das atuais políticas públicas do país.
Apoio na pesquisa e acesso na íntegra
O artigo científico intitulado “Socio-Environmental Vulnerability to Drought Conditions and Land Degradation: An Assessment in Two Northeastern Brazilian River Basins” (Vulnerabilidade Socioambiental à Seca e à Degradação do Solo: Uma Avaliação em Duas Bacias Hidrográficas do Nordeste Brasileiro) foi publicada revista científica MDPI, no mês passado. A pesquisa teve o apoio da Agência de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP) e do projeto Forests 2020, que é parte do International Academic Partnership Program (IAPP), da Agência Espacial do Reino Unido, e reúne especialistas em monitoramento florestal de vários países.
O artigo pode ser acessado na íntegra pelo link: www.mdpi.com/2071-1050/15/10/8029.
Fonte: Ascom/Cemaden com apoio de informações científicas da Agência FAPESP