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Pesquisa internacional mostra o papel dos dados e cidadãos em processos de transformação para a sustentabilidade e resiliência a desastres
Publicado, recentemente, na Revista Científica Current Opinions in Environmental Sustainability, o artigo “The role of data in transformations to sustainability: a critical research agenda” (Os papéis dos dados na transformação para a sustentabilidade: uma agenda crítica de pesquisa) faz parte do projeto internacional de pesquisa “Dados à prova d’água” (Waterproofing Data) e tem a participação de pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)- unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
Os estudos foram liderados pelo professor João Porto de Albuquerque, da Universidade de Warwick (Reino Unido), com a participação do Cemaden, ao lado da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de Heidelberg (Alemanha). No Cemaden participaram do estudo: as pesquisadoras Liana Anderson (especialista em gestão de risco de incêndios) e Rachel Trajber (antropóloga), e os pesquisadores Giovanni Dolif (meteorologista), Victor Marchezini (sociólogo) e Conrado Rudorff (hidrólogo).
O artigo apresenta uma perspectiva ampliada do papel das tecnologias digitais e inovações de dados, como “big data” e dados gerados por cidadãos, para apoiar transformações para sustentabilidade.
Os(as) pesquisadores(as) revisaram a literatura recente e identificaram que a suposição mais frequente nessa área está ligada à capacidade dos dados para apoiar a tomada de decisão. No entanto, foram identificados poucos trabalhos com uma investigação crítica das vias concretas para que dados apoiem transformações. Para suprir essa lacuna, o artigo apresenta um arcabouço conceitual que identifica diferentes escalas e potenciais vias de transformação com as quais a produção, circulação e uso de dados podem possibilitar transformações para a sustentabilidade. Esse arcabouço conceitual amplia a perspectiva sobre o papel e as funções dos dados, e é utilizado para delinear uma agenda crítica de pesquisa para futuros trabalhos que considerem os contextos e práticas socioculturais para o desenvolvimento sustentável.
Engajamento de cidadãos e instituições governamentais
Para o professor João Porto de Albuquerque, líder do artigo e do projeto, o artigo traz uma contribuição importante aos estudos do papel de dados para as urgentes e importantes transformações em direção à sustentabilidade e resiliência.
“Como o recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) claramente argumentou, a probabilidade de eventos climáticos extremos está aumentando, o que foi tristemente evidenciado esse ano de 2021 por inundações catastróficas históricas no estado do Acre em fevereiro, na Alemanha e China em julho, até ondas de calor e incêndios de grandes proporções na Grécia em julho.”, afirma o pesquisador Albuquerque e destaca: “É, portanto, urgente repensar em formas de engajar cidadãos, defesa civil, e instituições governamentais na produção, circulação e uso de dados. Este artigo traz um arcabouço conceitual capaz de orientar iniciativas nessa direção.”
Liana Anderson, pesquisadora do Cemaden e uma das coautoras do estudo, considera que no Brasil há um grande volume de dados técnico-científicos disponíveis para a sociedade. No entanto, “explorar como estes dados são utilizados, que tipos de traduções do conhecimento técnico é necessário para garantir sua permeabilidade na sociedade e mesmo a adequação de linguagem são desafios que temos que avançar. Temos a sociedade coletando diversos tipos de dados com aplicativos em seus celulares que podem ser estratégicos para validar informações ou mesmo fornecer informações para as instituições. O avanço da integração entre os diálogos nestas duas frentes possibilitarão transformações socioculturais na governança para redução do risco de desastres”, afirma a cientista do Cemaden.
Para Maria Alexandra Cunha, da Fundação Getúlio Vargas, “o arcabouço conceitual enfatiza aspectos da transformação viabilizada por dados, vai além da discussão de políticas públicas baseadas em dados que é muitas vezes focada apenas no uso de dados pelos gestores públicos”.
Fluxos de comunicação, tipos de dados, atores e escalas
O artigo propõe um arcabouço conceitual com três níveis/escalas (Figura 1): comunidades no nível micro, governos locais/municipais no nível meso, e centros de expertise nacionais e internacionais no nível macro. O artigo ressalta o papel tanto de dados “de cima” (por exemplo, “big data” e outras formas de dados oficiais) como os dados “de baixo” (por exemplo, dados gerados por cidadãos). Além disso, também fica ressaltada a importância de criar fluxos de comunicação entre esses diferentes tipos de dados, atores e escalas.
O arcabouço conceitual inclui ainda três vias de transformação viabilizadas por dados: 1- Uso de dados: a interpretação dos dados provê evidência para tomada de decisão em direção a transformações, possibilitando ainda monitorar e acompanhar o progresso; 2-Circulação de dados: os fluxos de dados entre diferentes atores e escalas pode transformar arranjos de governança, possibilitando o reconhecimento e coordenação, facilitando mudanças e abrindo novos canais de comunicação; 3-Geração de dados: a criação de dados pode ser em si uma atividade transformadora, como um catalizador para aprendizado social, desenvolvimento de consciência crítica e mudança de perspectivas e padrões de ação.
O artigo propõe, ao final, uma agenda crítica de pesquisa em relação às vias de transformação pela geração, circulação e uso dos dados. Essa agenda está sendo utilizada como base pelo projeto “Dados à prova d’água” para investigar transformações apoiadas por dados gerados por cidadãos para resiliência a inundações nas cidades de São Paulo (SP) e Rio Branco (AC).
Para a antropóloga Rachel Trajber, uma das coautoras e também coordenadora do Programa Cemaden Educação, que tem apoiado o projeto com as metodologias participativas desenvolvidas ao longo dos últimos anos, afirma que “É preciso pensar nos diferentes contextos socioculturais e ambientais de geração, circulação social e uso de dados, assim como o potencial transformador de processos participativos multiescalares na direção da sustentabilidade e da resiliência a desastres”.
Apresentação do Projeto “Dados à Prova d’água” na Série de Debates “Ciência, Riscos e Desastres”
No último dia 19 de agosto, os resultados preliminares do Projeto “Dados à Prova d’ água” foram compartilhados na Série de Debates “Ciência, Riscos e Desastres”, promovida pelo Cemaden.
A abertura do evento contou com a presença do diretor do Cemaden, Osvaldo Moraes, que salientou para a importância dos dados para a produção do conhecimento científico que dê subsídios às políticas públicas. Em seguida, o professor João Porto Albuquerque proferiu a palestra “Dados à prova d’água: engajamento de comunidades e instituições na resiliência a inundações”.
Victor Marchezini, pesquisador do Cemaden e coordenador do Projeto ELOS, ressaltou o potencial que as metodologias compartilhadas pelo Projeto Dados à Prova d’água têm para articular e fortalecer as capacidades de defesas civis municipais, universidades e comunidades na prevenção de desastres associados a inundações.
“Aprendi muito com a Carolin Klonner, pesquisadora da Universidade de Heidelberg, da Alemanha, que é uma das coautoras do estudo, sobre o potencial de ferramentas de mapeamento colaborativo, como a plataforma gratuita open street maps. A ferramenta pode ser útil para conhecer os riscos socioambientais no território, um processo que é muito dinâmico ao longo do ano.”, afirma Marchezini, explicando que esses dados colaborativos têm um grande potencial e é importante que as instituições desenvolvam uma cultura institucional para saber como utilizá-los. “Esses dados têm sido úteis para a construção de sistemas de alerta de baixo custo”, afirma o sociólogo, que também é um dos coautores do artigo publicado.”, enfatiza o pesquisador do Cemaden.
Para acessar o artigo gratuitamente: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1877343521000816
A palestra na íntegra está disponível no Canal Série de Debates Cemaden: https://www.youtube.com/watch?v=a7zbYBCrZLQ&t=593s
Fonte: Ascom/Cemaden