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Estudos alertam sobre a necessidade de incluir serviços e assistência de saúde e social aos idosos e comunidades, na fase de reconstrução e recuperação em desastres
Estudos de pesquisadores brasileiros, recentemente publicado na Revista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apontam a subnotificação de óbitos autoprovocados e de adoecimento por transtornos mentais e comportamentais, relacionados aos desastres socioambientais. Mostram que são ainda escassos, no Brasil, os estudos sobre processos de reconstrução e recuperação em desastres, sobretudo aqueles direcionados a reconhecer as especificidades dos diferentes grupos sociais atingidos, como o de pessoas idosas.
“A reconstrução se refere aos elementos materiais, enquanto a recuperação engloba não só os danos materiais, como também os danos imateriais sofridos, para além do momento da emergência”, explica Victor Marchezini, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)- unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) - um dos coautores do artigo científico “Cronicidade dos processos de reconstrução e recuperação em desastres: as histórias que nem todos avós poderão contar ”. A pesquisa teve como primeira autora Aline Viana, docente do Departamento de Gerontologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coautoria de Alice Gambardella, socióloga e docente na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
O artigo científico focou as especificidades das pessoas idosas nos processos de reconstrução e recuperação nos desastres. Foram analisados três aspectos: a) os sentidos de afetação vivenciados pelas pessoas idosas no contexto de emergência e desastre; b) práticas insuficientes dos(as) gestores(as) e das políticas públicas diante dessas afetações e c) possíveis estratégias para aperfeiçoamento e/ou implementação de políticas públicas de reconstrução e recuperação em desastres, sobretudo a partir do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Pessoas idosas pobres afetadas pelos desastres
O estudo deu-se a partir da realização de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental sobre políticas públicas de proteção e defesa civil, e pesquisas de campo, de base qualitativa, nos desastres de São Luiz do Paraitinga-SP (2010), Nova Friburgo-RJ (2011), Teresópolis-RJ (2011), Blumenau-SC (2008 e 2011) e Ilhota-SC (2008 e 2011).
Nos cinco municípios selecionados para o estudo há concentração de pessoas idosas superior à média nacional (10,62%). Porém, a proporção de pobres nestes municípios, uma camada a mais de interseccionalidade, desafia as pessoas idosas pobres a se recuperarem dos desastres com recursos próprios ou de sua rede informal. “Embora as transferências de recursos entre os entes federativos sejam importantes para o contexto de desastres, precisamos ir além dessa abordagem, visto a cronicidade dos desastres vivenciados e das recorrentes perdas nesses municípios”, explica a pesquisadora Alice Gambardella.
Os municípios estudados fazem parte da lista dos 821 municípios prioritários para a gestão de riscos no país, no entanto, mesmo com a associação de diversas fontes de informação, há falta de dados para diferentes tipos de afetação do grupo mais longevo.
Subnotificação de dados
Os estudos mostram que, se por um lado há falta de dado oficial, pelo outro há questionamento sobre a aproximação destes com o número real. Como registrado pela pesquisadora Aline Viana, nas imersões em campo em Teresópolis/RJ, nos anos de 2013, 2014 e 2015, o relato das pessoas idosas que sobreviveram foi crítico em relação à subestimação da mortalidade, do cômputo de desaparecidos(as) e registro de adoecimento da população local frente ao desastre.
“O mesmo foi visto em Ilhota/SC, Blumenau/SC, Nova Friburgo/RJ e Teresópolis/RJ (retornando em 2018), com relação aos dados de saúde mental. Os(as) entrevistados(as) alertavam para a existência de subnotificação de óbitos autoprovocados e de adoecimento por transtornos mentais e comportamentais relacionados aos desastres, mesmo vivenciando em suas práticas profissionais o aumento desses casos”, relata a pesquisadora Aline Viana.
Serviços de Saúde
Como reforçam os pesquisadores, a disposição e oferta de serviços no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e Sistema Único de Saúde (SUS) é insuficiente para traçar um panorama de resposta a desastres. Por outro lado, esses serviços dispõem de forte potencial, sobretudo, pela relação com a comunidade pela atuação no campo e conhecimento das famílias mais vulneráveis, de sua condição social e de saúde. Essas informações podem ser inclusas e sobrepostas às áreas de risco e suscetíveis a ocorrência de desastres.
Nesse sentido, os pesquisadores alertam que é urgente incluir capacitações dirigidas para promoção da autossegurança das famílias, sobretudo dos profissionais que atuam nos municípios, junto à população, a fim de fortalecer a gestão intersetorial de riscos e de desastres.
“Realizar estudos aprofundados e interdisciplinares sobre a afetação e recuperação nos desastres, auxilia para formação de uma visão mais ampliada da atuação intersetorial e interinstitucional, de modo a criar espaços de participação para que a população atingida em desastres possa opinar sobre seu próprio processo de recuperação, por meio de políticas públicas de recuperação no curto, médio e longo prazo”, explica Marchezini.
“No dia 25 de janeiro de 2023, a catástrofe associada ao rompimento da barragem em Brumadinho, Minas Gerais, completou quatro anos. É preciso relembrar que os desastres não são naturais e dar visibilidade aos processos de recuperação ou abandono em desastres”, recomenda Marchezini, que publicou um livro eletrônico gratuito sobre processos de recuperação em desastres.
O artigo científico na íntegra está disponibilizado no link abaixo:
Acesso gratuito aos E-books:
1. E-book gratuito "Desastre e o caos velado: o enfrentamento individual, interpessoal e coletivo de idosos e familiares"
Autora: Aline Silveira Viana
https://play.google.com/books/reader?id=gQw3EAAAQBAJ&pg=GBS.PA1&hl=en
2. E-book gratuito "Processos de recuperação em desastres: discursos e práticas"
Autor: Victor Marchezini
https://play.google.com/books/reader?id=Wy_DIgAAAEAJ&pg=GBS.PA0
Fonte: Ascom/Cemaden