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Estudo analisa a governança de incêndios florestais em região transfronteiriça da Amazônia
Um estudo científico, elaborado pelo Projeto MAP-Fire - envolvendo pesquisadores brasileiros, bolivianos e peruanos - destaca que as vulnerabilidades organizacionais, socioculturais e políticas são as principais barreiras para uma boa governança contra incêndios florestais na região transfronteiriça MAP, que integra os estados/departamentos de Madre de Dios (Peru), Acre (Brasil) e Pando (Bolívia). Destacou-se que os incêndios florestais podem ser caracterizados como desastres socioambientais transfronteiriços, ocasionando impactos negativos para a população e biodiversidade de diversos países.
Durante os anos de 2020 e 2021, os pesquisadores consultaram 111 atores locais (gestores públicos, pesquisadores, representantes de ONGs, entre outros) por meio de um questionário eletrônico, o que tornou possível o mapeamento das capacidades e vulnerabilidades da governança na região.
Os participantes da pesquisa identificaram as vulnerabilidades e capacidades em oito dimensões: econômica, educacional, ambiental, organizacional, política, legal, sociocultural e tecnológica. Na metodologia, também foram considerados os quatro eixos principais de governança de risco: o conhecimento do risco, o monitoramento, a educação e comunicação, além da prevenção e resposta a desastres.
O artigo denominado “Wildfire governance in a tri-national frontier of southwestern Amazonia: Capacities and vulnerabilities” ("Governança de incêndios florestais em uma fronteira trinacional do sudoeste da Amazônia: capacidades e vulnerabilidades") foi publicado no início de janeiro de 2023, no periódico científico International Journal of Disaster Risk Reduction (IJDRR), da Editora Elsevier. Liderado pela pesquisadora Gleiciane Pismel, atualmente mestranda na Universidade Federal Fluminense, o estudo tem como coautores o sociólogo Victor Marchezini e a coordenadora do Projeto MAP-FIRE, Liana Anderson, ambos pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) – unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Também participaram do artigo científico, a pesquisadora boliviana Galia Selaya, a ecóloga e pesquisadora Yara A. de Paula- graduada na Universidade Federal do Acre (UFAC) e o pesquisador Eddy Mendoza, também gestor ambiental no Peru.
Recordes de queimadas e incêndios florestais na área fronteiriça da Amazônia
Entre os anos de 2003 e 2019 houve um aumento significativo dos incêndios na região: cerca de 3,832 milhões de hectares foram queimados, e aproximadamente 22% dessa área correspondiam a florestas.
A região teve recordes de queimadas e incêndios florestais nos anos de 2005, 2010 e 2015 quando também enfrentou secas severas. “Diante de um desastre transfronteiriço, a governança deve se articular também de forma transfronteiriça”, comenta a autora principal da pesquisa, a socióloga Gleiciane Pismel.
Principais resultados
As principais barreiras para uma boa governança contra incêndios florestais são as vulnerabilidades organizacional e política, indicadas por mais de 60% dos(as) participantes na pesquisa. Dentre essas barreiras, se incluem o número insuficiente de servidores(as) e pessoal, recursos financeiros limitados, desregulamentação da legislação ambiental e influência política no funcionamento das organizações públicas e privadas.
Diante da fragilidade das organizações, são afetados todos os quatro eixos da governança de incêndios (conhecimento do risco, monitoramento, educação e comunicação, prevenção e respostas a desastres).
Os pesquisadores apontam, por exemplo, que há muitas ferramentas de monitoramento da atividade do fogo nos três países, mas não são conhecidas pela sociedade e mesmo por alguns profissionais da área. Adiciona-se, em muitos casos, a falta de pessoal qualificado para o manuseio das ferramentas de monitoramento.
No eixo de prevenção e resposta a desastres, a aplicação de multas foi apontada como principal medida preventiva contra os incêndios. Entretanto, a falta de recursos humanos inviabiliza uma boa cobertura de fiscalizações. Mesmo quando as autuações são feitas, observa-se um número muito baixo de processos julgados.
O estudo mostra, como principal capacidade, as redes de cooperação informais identificadas na região MAP, que têm sido essenciais para o funcionamento da governança de incêndios florestais. Formadas por articulações espontâneas entre setor público, terceiro setor e universidades, têm ocorrido ajuda mútua na fronteira em situações de extremos climáticos.
Liana Anderson, coordenadora do Projeto MAP-Fire, destaca que diversos produtos de monitoramento de risco de desastre foram desenvolvidos, assim como materiais educativos e de comunicação, que estão disponíveis em português e espanhol. “É necessário investir na prevenção de risco de desastres, em especial na construção de capacidades entre as gerações de cientistas, gestores, representantes de ONGs, de associações e de comunidades em geral”, recomenda a cientista.
Disseminação científica internacional
No último dia 21 de março, a pesquisadora do Cemaden, Liana Anderson, também coordenadora do Projeto MAP-Fire, compartilhou os resultados deste artigo científico durante workshop entre o Cemaden e o Natural Hazards Center , da Universidade do Colorado-Boulder (Estados Unidos). A série de três workshops faz parte das atividades do pós-doutorado de Victor Marchezini, desenvolvido no Natural Hazards Center e com o suporte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo ( Fapesp ).
Marchezini destaca que o pós-doutorado tem como foco a elaboração de métodos multi e interdisciplinares para promoção de sistemas de alerta centrados nas pessoas. “A experiência que tivemos com o projeto MAP-Fire foi também importante para pensar nos desafios relacionados a equipes multi, inter e transdisciplinares, e como podemos criar métodos para aperfeiçoar esse tipo de pesquisa colaborativa”.
Recomendações e acesso ao artigo científico
Os pesquisadores ressaltam que o fortalecimento das organizações é um pilar central para melhorar a governança de incêndios florestais na região MAP e, assim, obter a redução dessas ameaças. Recomendam que o caminho a ser percorrido envolve investimentos mais adequados à realidade socioambiental de cada país e adequação das políticas nacionais às realidades locais.
Consideram essencial ações para aumentar, manter e qualificar o capital humano das organizações responsáveis pelo monitoramento, gestão e combate dos incêndios florestais; promover uma melhor integração entre organizações, universidades, movimentos sociais e associações; além de criar condições para que pequenos, médios e grandes produtores acessem alternativas ao uso do fogo.
Nas recomendações finais, enfatizam a importância de formulação de políticas públicas e leis que levem em consideração a realidade local. Destacam que para isso, requer um desenvolvimento de políticas flexíveis e práticas, com a distribuição adequada de responsabilidades e recursos entre os níveis nacional, regional e municipal.
O projeto MAP-Fire foi financiado pelo Inter-American Institute for Global Change Research (IAI). Para saber mais sobre o projeto MAP-Fire Platform - Plataforma de Monitoramento de Incêndios e Gestão de Riscos e Impactos para a região MAP acesse: https://www.liana-anderson.org/products.html
Veja o artigo completo em: https://doi.org/10.1016/j.ijdrr.2023.103529
Tutorial para acessar a plataforma de monitoramento de gestão de risco e impactos de queimadas e incêndios florestais: https://www.treeslab.org/products.html
Acesso à plataforma de monitoramento de gestão de risco e impactos de queimadas e incêndios florestais: http://terrama.cemaden.gov.br/griif/mapfire/monitor/
Acesso ao glossário de termos técnicos para gestão de risco e impactos de queimadas e incêndios florestais: https://www.liana-anderson.org/uploads/3/1/0/6/31065047/t%C3%A9rminos_incendiosforestales.pdf
Acesse os materiais educativos e de comunicação de risco do projeto: https://www.liana-anderson.org/educational-material.html
Fonte: Ascom/Cemaden
Apresentação do estudo de caso do projeto MAP-Fire, feita pela pesquisadora Liana Anderson (Cemaden), durante o segundo workshop entre o Natural Hazards Center/Universidade do Colorad-Boulder (Estados Unidos) e o Cemaden, como parte das atividades de pós-doutorado de Victor Marchezini (Data: 21/03/2023)