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Aquecimento e ações humanas ocasionam secas repentinas e agravam as já existentes
Pesquisa aponta que a seca repentina, ou seja, aquelas que se desenvolvem de forma extraordinariamente rápida, está associada a maiores déficits de evapotranspiração e precipitação, causadas por mudanças climáticas antropogênicas. Denominada seca-relâmpago (flash-droughts, em inglês) o fenômeno deve se expandir, no futuro, para todas as áreas terrestres. Os cientistas fazem o alerta: pela sua velocidade, o fenômeno dificulta a previsão e, consequentemente, a preparação para enfrentar esse tipo de eventos extremos.
O estudo foi divulgado na publicação internacional Science, com o título (“Uma transição global para secas-relâmpago sob as mudanças climáticas”, em tradução livre) liderado por Xing Yuan, da Nanjing University of Information Science and Technology, na China, em coautoria com outros cinco pesquisadores. Analisando o perfil de evolução de secas entre 1951 e 2014, os cientistas identificaram o aumento das secas-relâmpago em 74% das chamadas “regiões SREX”, adotando a divisão por áreas definida pelo Relatório Especial do IPCC (Painel Intergovernamental para Mudanças do Clima) sobre Eventos Extremos.
Secas convencionais e secas-relâmpago
O cientista climático Christopher Cunningham, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)- unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) – do grupo de estudos sobre “Mudanças Climáticas Globais” da Rede Clima ( integrado pelo Cemaden e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais- Inpe/MCTI), explica sobre os tipos de secas existentes. As chamadas secas meteorológicas (ou estiagens) são longos períodos marcados por pouca ou nenhuma ocorrência de chuvas, quando o solo perde mais água do que se consegue repor. “Quando esse tipo de seca se estende, ocorrem as chamadas secas hidrológicas, caracterizadas por um grave desequilíbrio que afeta níveis de rios e reservatórios.”, afirma Cunningham.
Os estudos apontam que as secas são períodos de déficit hídrico persistente, que podem causar impactos devastadores nas economias e ambientes regionais, bem como na saúde humana. As secas se originam principalmente da variabilidade climática interna em grande escala, na qual as teleconexões oceano-atmosfera associadas a fenômenos como El Niño–Oscilação Sul, Variabilidade Decadal do Pacífico e Variabilidade Multidecadal do Atlântico desempenham papéis críticos na formação e persistência da seca ao longo do tempo interanual a decadal escalas.
Desafio para a prevenção e adaptação climática
O conceito de secas repentinas foi proposto no início do século 21, mas não recebeu grande atenção até a ocorrência da seca severa nos Estados Unidos no verão de 2012. Essa seca foi considerada uma das mais severas nos Estados Unidos desde o Dust Bowl de 1930 e causou mais de US$ 30 bilhões em perdas econômicas.
Além dos fenômenos meteorológicos (que impactam nas dinâmicas entre os oceanos, maiores fontes de umidade para todo o planeta) e a atmostera, as mudanças climáticas são influências definitivas para a formação e desenvolvimento de secas, aponta o estudo publicado na Science. As chamadas “forçantes antropogênicas”, ou seja, causadas por ação humana, contribuem para a desestabilização do sistema climático e fazem com que secas de todo o tipo se tornem mais frequentes, intensas e fatais, como vêm alertando os cientistas. Exemplos recentes são as secas severas que atingiram a Europa e a China, evidenciando os prejuízos sociais e econômicos do fenômeno.
A velocidade e a intensidade da perda de umidade do solo diferenciam uma seca “clássica” de uma repentina (ou relâmpago). No caso das secas convencionais, esse conjunto de fenômenos e interações se desenvolvem em intervalos “longos”, como períodos entre estações, anuais ou mesmo maiores, como décadas. Mas estudos recentes têm mostrado que, nos chamados intervalos “subsazonais” (períodos menores, dentro de uma mesma estação), também há desenvolvimento de secas: elas podem se iniciar e evoluir para secas severas em poucas semanas.
No caso das secas repentinas, como se desenvolvem mais rapidamente com temperaturas mais altas, os ecossistemas podem não ter tempo suficiente para se adaptar ao início súbito de grandes déficits hídricos e extremos de calor, resultando em uma rápida redução na produtividade do ecossistema.
Cunningham, pesquisador do Cemaden, estuda os fenômenos que se desenvolvem em intervalos subsazonais. Destaca que essa área ainda é pouco explorada. “O estudo é importante por trazer visibilidade a essa fatia do clima que começou a ser estudada apenas muito recentemente, compreendendo fenômenos que se desenvolvem em intervalos acima de 10 dias e abaixo de uma estação, ou seja, abaixo de dois ou três meses”, explica. “Há uma necessidade de chamarmos atenção para os fenômenos que ocorrem em escala subsazonal, que têm impactos muito grandes na sociedade. Atualmente, há dificuldade de previsão, que será cada vez mais necessária para ações de adaptação”, afirma.
Emissões de gases e projeções sobre os riscos do aumento das secas repentinas
Como a ocorrência concomitante de ondas de calor e secas está aumentando globalmente, de acordo com o sexto Relatório de Avaliação do IPCC, a transição antrópica aprimorada para secas repentinas sugere a necessidade de entender as interações entre secas repentinas e ondas de calor, local e remotamente, sob as mudanças climáticas.
A pesquisa projetou, ainda, o desenvolvimento dessa tendência no futuro, considerando diferentes cenários de emissões e concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. A conclusão é que a tendência ao aumento de secas-relâmpago se expandirá para a maioria das áreas do globo e se agravará em cenários de alta nas emissões. Segundo os estudos, os resultados sugerem que a transição para secas-relâmpago é mais estável e rápida em um futuro mais quente. O cenário de mais emissões levaria a um risco maior de secas-relâmpago, com início mais rápido. Isso coloca um desafio substancial para a adaptação climática, ressaltando a necessidade de mais estudos para refinar os modelos climáticos adotados nas projeções.
A publicação do artigo “A global transition to flash droughts under climate change” pode ser acessado pelo link:
https://www.science.org/doi/10.1126/science.abn6301
Fonte: Ascom/Cemaden com Observatório do Clima