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Entrevista: A nacionalização de radiofármacos passa pelo CDTN
Juliana Batista na Unidade de Pesquisa e Produção de Radiofármacos do CDTN - Foto: Glaucia Rodrigues
A Unidade de Pesquisa e Produção de Radiofármacos completou 15 anos. A instalação de grande porte, localizada no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), em Belo Horizonte (MG), é uma das frentes da instituição que leva contribuições diretas para a sociedade. Os radiofármacos são usados no diagnóstico e tratamento de doenças por meio dos exames de Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET, na sigla em inglês). Eles podem ser usados nas especialidades de Oncologia, Cardiologia e Neurologia, por exemplo. O CDTN é uma unidade vinculada à Comissão Nacional de Energia Nuclear, autarquia federal do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Em entrevista, a pesquisadora Juliana Batista conta um pouco sobre o papel da Unidade e do pioneirismo do CDTN em relação ao desenvolvimento de novos produtos e conhecimentos em benefício da sociedade.
Como a área de radiofarmácia teve início no CDTN?
Em 2006, o CDTN obteve verba para a infraestrutura predial e compra de equipamentos que viriam a ser a Unidade de Pesquisa e Produção de Radiofármacos (UPPR). Como especialista na área de química, fui convidada a participar da instalação dos setores de produção e de controle de qualidade da UPPR. No dia 14 de outubro de 2008, alcançamos um marco significativo com a primeira produção comercial de Fludesoxiglicose (18FDG) para uma clínica de Belo Horizonte. No Brasil, o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e o Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) já produziam este radiofármaco, em São Paulo e no Rio de Janeiro, respectivamente.
Qual era o contexto institucional para ocupar esse mercado?
Em 2008, o mercado de radiofármacos PET – 18FDG – ainda não contava com a presença de empresas privadas. Havia um entendimento da CNEN de que os institutos deveriam assumir a produção e distribuição dos radiofármacos para todas as clínicas que demandassem esse produto. A partir de 2010, observamos a entrada da iniciativa privada. Os institutos da CNEN passaram a concentrar seus esforços em atender a demanda de regiões onde ainda não havia uma presença estabelecida do setor privado. Durante esse período, observamos também, a importância de iniciar o desenvolvimento de outros radiofármacos PET, por meio da nacionalização. Esse processo envolveu o desenvolvimento de radiofármacos já conhecidos no exterior, porém que eram inéditos no Brasil, com o objetivo de ampliar o alcance da Medicina Nuclear brasileira.
Quais etapas se seguiram após a produção do 18FDG?
A partir de 2010, iniciamos um diálogo com a comunidade médica para identificar quais eram os produtos alvos de maior interesse. Nesse período estabelecemos uma parceria com o Centro de Tecnologia em Medicina Molecular, da Faculdade de Medicina da UFMG, que estava prestes a adquirir um equipamento PET-CT e, em parceria com eles, já 2014, conseguimos finalizar o processo de produção de dois novos radiofármacos o 18Fluorocolina e 18FLT, sendo o primeiro direcionado para detecção de câncer de próstata e o segundo para diagnóstico de diversos tipos de câncer, como linfoma não-Hodgkin, câncer de pulmão e mama, por exemplo. Também em 2014, fomos a primeira radiofármacia a obter o registro do 18FDG pela Anvisa. A partir desse ponto, a UPPR se destacou no desenvolvimento de vários outros radiofármacos, incluindo o 18FES, utilizado para o diagnóstico de câncer de mama, e o 18FPSMA, empregado no diagnóstico de câncer de próstata. Estes produtos, atualmente, estão disponíveis para comercialização.
Além da capacidade de produção, qual o papel da radiofarmácia em um centro público de Ciência & Tecnologia?
Além do processo de nacionalização, iniciamos o fortalecimento da pesquisa e desenvolvimento de radiofámarcos inéditos. Através do Programa de Pós-graduação do CDTN e da colaboração de bolsistas de Iniciação Científica, não apenas atendíamos à demanda em Minas Gerais por 18FDG, mas também nos dedicamos ao desenvolvimento de novos radiofármacos. Essa iniciativa resultou em uma menção honrosa da Capes, devido ao desenvolvimento de um radiofármaco inédito voltado para o diagnóstico de inflamações. Atualmente, nossas atividades abrangem 1) a nacionalização de radiofármacos; 2) a utilização daqueles já desenvolvidos para explorar novas aplicações e potencialidades; e 3) pesquisa para o desenvolvimento de produtos inéditos no cenário mundial.
Na sua avaliação, qual o balanço da Unidade de Pesquisa e Produção de Radiofármaco nesses 15 anos?
Ao longo desses 15 anos, a UPPR cresceu muito. Iniciamos como produtores de um único radiofármaco, o 18FDG, atendendo a um cliente com uma demanda semanal. Ao longo dos anos, expandimos nossos serviços para atender aproximadamente cinco clientes regionais e, ocasionalmente, clientes fora de Minas Gerais. Em 2023, esse número chegou a mais de 20 clínicas e hospitais, em diferentes regiões do Brasil. A equipe da UPPR dedica-se desde a síntese, caracterização de um radiofámarco até os ensaios pré-clínicos, seguindo as boas práticas de fabricação, para assegurar tanto a segurança quanto a eficácia do produto entregue.
De que forma a UPPR permanece relevante em relação ao mercado privado?
Como a meia-vida do radiofármaco é muito curta, ou seja, após cerca de 110 minutos sua atividade decai para a metade, o ideal é que a produção exista em local próximo da aplicação nos pacientes. Em Minas Gerais, ainda não há nenhuma empresa privada atuando, e, portanto, continuamos a fornecer para clientes regionais. Além disso, nosso papel consiste em inovar no desenvolvimento de novos radiofármacos. Esse desenvolvimento é muito dinâmico no exterior, sempre vai existir uma molécula nova para que possamos trabalhar.
Quais os desafios ainda precisam ser superados nessa área?
Existe muita coisa em termos de tecnologia que precisa melhorar, afinal, os equipamentos mudam e nós precisamos acompanhar. Por outro lado, é preciso equilibrar o tempo dedicado à produção com a atuação no desenvolvimento, ou seja, buscar permanentemente o novo. Outro ponto, há alguns anos trouxemos oncologistas e outros especialistas para conhecer a área de radiofarmácia. É necessário fortalecer essa interlocução com a comunidade médica para difundir as potencialidades e resultados dos radiofármacos. Outro desafio importante é reduzir a lacuna de tempo entre o desenvolvimento e a produção para comercialização, que ainda é longo. Esses esforços conjuntos são fundamentais para garantir um atendimento eficaz às demandas da medicina nuclear e promover o crescimento da área.
Por Deize Paiva
Assessoria de Comunicação do CDTN