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Titular comenta artigo de colega do CBPF
Buracos negros deformados
Em artigo publicado em 30 de março de 2021, no importante periódico PRL os pesquisadores Marc Casals, do CBPF, e Alexandre Le Tiec, do Observatório de Paris-Meudon, mostraram que buracos negros, os objetos mais compactos e duros que existem, podem ser deformados na presença de outro objeto astrofísico.
Esse foi um resultado surpreendente, com implicações teóricas e observacionais muito importantes – daí a repercussão significativa na mídia especializada, como Physics World e American Physical Society (ver ‘Referências’). O artigo foi elaborado durante a visita de Le Tiec ao CBPF em 2019.
Todos que habitam regiões litorâneas (sobretudo, pescadores) conhecem muito bem as subidas e descidas periódicas do nível da água do mar, fenômeno que chamamos maré. Esse efeito é consequência da força gravitacional de uma grande massa sobre outra (no caso, da Lua e do Sol sobre a Terra). No caso, a Lua, por sua proximidade com nosso planeta, é o objeto mais importante para os efeitos de maré terrestre.
Como a intensidade do campo gravitacional depende da distância entre os corpos, as partes da Terra que ficam mais perto da Lua são mais atraídas por ela que as partes mais distantes, causando deformações no planeta. Quanto mais duro o material, menores serão essas deformações. Por isso, esses efeitos são mais pronunciados nos oceanos do que na crosta terrestre.
Números de Love
O matemático britânico Augustus Love (1863-1940) foi o primeiro a quantificar de maneira precisa esses efeitos, por meio do que viria a ser conhecido como números de Love. Quanto maior forem esses números, mais deformado ficará um corpo submetido a determinado campo gravitacional externo.
O cálculo dos números de Love foi generalizado para a relatividade geral, a teoria da gravitação que surgiu no início do século passado, idealizada pelo físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955). No âmbito dessa teoria, os números de Love são muito úteis para estudar planetas – inclusive, os que estão fora de nosso Sistema Solar – e objetos muito compactos, como estrelas de nêutrons.
Conhecendo o campo gravitacional ao redor do objeto, a deformabilidade pode ser obtida com base nos números de Love. E, a partir daí, conjecturar sobre a matéria que forma esse objeto. No caso de estrelas de nêutrons, é possível até mesmo entender melhor as forças nucleares que atuam no interior desses corpos. Por exemplo, o número de Love da Terra é aproximadamente 0,3. Já o de uma estrela de nêutrons é 0,1, indicando que são muito mais duras que planetas.
Algo inimaginável
Pergunta que surge naturalmente: será que buracos negros podem ser deformados por uma força gravitacional externa? Afinal, eles são os objetos mais compactos e duros que existem, tão densos que nem a luz escapa deles.
Os primeiros cálculos dos números de Love para buracos negros foram feitos para o caso de buracos negros estáticos na presença de um campo gravitacional externo igualmente estático. Verificou-se que os números de Love são nulos. Portanto, parecia que esses buracos negros não eram deformáveis.
Mas buracos negros estáticos são muito simples e particulares. O que aconteceria para a imensa maioria desses corpos, ou seja, os que têm rotação? Os primeiros cálculos – feitos para campos gravitacionais externos alinhados com o eixo de rotação de buracos negros girantes – também apontavam números de Love nulos.
Em artigo com título bem-humorado, Spinning Black Holes Fall in Love (Buracos negros com rotação apaixonam-se, em tradução livre), Casals e Le Tiec mostraram que, para campos gravitacionais externos mais gerais, o número de Love de buracos negros girantes não é zero. Seus valores, na verdade, são pequenos, mas diferentes de zero (por volta de 0,002) para os casos estudados, ou seja, buracos negros que giram a 10% de sua rotação máxima.
Esse é um resultado muito importante do ponto de vista teórico, e seus efeitos físicos podem ter consequências observacionais. Teoricamente, esse cálculo mostra que buracos negros são realmente muito duros, mas deformáveis – fato até agora desconhecido.
E isso viabiliza investigações sobre possíveis estruturas do interior desses devoradores de luz e matéria – algo inimaginável até então, já que nenhuma informação (no sentido clássico da palavra) pode escapar de seu interior.
Do ponto de vista observacional, os efeitos dessa deformação podem ser testados. Por exemplo, se uma estrela cair no buraco negro que existe no centro da nossa galáxia, as deformações induzidas pelos efeitos de maré calculados por Casals e Le Tiec podem afetar as ondas gravitacionais emitidas nesse processo.
Os cálculos trazem outra boa notícia. A intensidade desses efeitos nas ondas gravitacionais pode ser mil vezes maior que o patamar mínimo de detecção de um observatório espacial de ondas gravitacionais previsto para ser lançado em 2034: o LISA (sigla, em inglês, para algo como Antena Espacial de Interferometria a Laser), da Agência Espacial Europeia.
A maior parte desse importante trabalho foi feita no CBPF, quando uma bolsa do Programa de Capacitação Institucional (PCI) de 2019 viabilizou a visita de Le Tiec. Há também o trabalho completo (44 páginas, com os detalhes dos cálculos) publicado no periódico Physical Review D e que teve como coautor Edgardo Franzin, bolsista PCI do CBPF entre 2019 e 2020.
Portanto, nos dois artigos científicos, a afiliação dos autores é o CBPF. Isso atesta, de forma indubitável, a importância do programa PCI para os institutos de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Nelson Pinto Neto
Pesquisador Titular
CBPF
Referências:
LE TIEC, Alexandre; CASALS, Marc. Spinning Black Holes Fall in Love. Physical Review Letters, v, 126, p. 131102, 2021. Disponível em: https://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.126.131102
Physics World:
https://physicsworld.com/a/spinning-black-holes-can-be-deformed-by-tidal-forces-calculations-reveal/
Physics: https://physics.aps.org/articles/v14/s38
LE TIEC, Alexandre; CASALS, Marc; FRANZIN, Edgardo. Physical Review D, v. 103, p. 084021, 2021.