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Seção 'Alma Mater' entrevista Clécio De Bom, que faz seu pós-doutoramento no Fermilab
A seção Alma Mater conta a trajetória de pesquisadores egressos do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e traz, em sua segunda edição, uma entrevista com o pesquisador Clécio De Bom, atualmente pós-doutorando no Laboratório Fermi (Fermilab), nos Estados Unidos, com passagens pela Universidade de Valparaíso, no Chile.
Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ) - para onde voltará ao término de seu pós-doutorado -, De Bom fez sua iniciação científica, mestrado e doutorado no CBPF.
Ele conversou com o Núcleo de Comunicação Social do CBPF sobre sua formação, o dia a dia no Fermilab e sobre o trabalho de desenvolvimento de detectores supercondutores, tecnologia que tem o potencial para revolucionar os experimentos em astronomia.
Fabiana Matos
Especial para o Núcleo de Comunicação do CBPF
O que te fez escolher a carreira de físico?
Quando eu tinha cerca de quatro ou cinco anos, nem sabia ler ainda, minha mãe trabalhava vendendo livros e, uma vez, me deu um livro sobre história natural e ciências. Desde então, mesmo sem saber direito o que era ciência, eu sabia que queria fazer alguma coisa relacionada àquilo. Lembro-me de que levava o livro para todos os lugares e pedia para as pessoas lerem para mim; algumas vezes, queria ouvir o mesmo trecho várias vezes ao dia. Ao longo dos anos, fui entendendo que, mais do que fazer ciência, eu queria trabalhar com física e astronomia. Já na faculdade, me lembro de ter lido o livro do pesquisador emérito do CBPF Mario Novello, ‘O que é cosmologia?’, que foi bastante inspirador. Na verdade, a primeira vez que entrei no CBPF foi acompanhando um colega do curso de astronomia. Sem nenhum aviso, nós chegamos na portaria do CBPF para falar com o professor Novello, que não nos conhecia e do qual eu só tinha ouvido falar. Ele nos recebeu mesmo assim e foi muito cordial conosco, atendendo àqueles dois desconhecidos que surgiram na porta dele. Ele nos deu dicas sobre o trabalho na área e nos convidou para o lançamento do livro citado, que seria no mesmo dia, à noite.
Cerca de seis meses depois, em uma Escola do CBPF, conheci o professor Martín Makler [pesquisador titular do CBPF], que viria a ser meu orientador de doutorado. Enquanto cursava o bacharelado em física na Universidade Federal do Rio de Janeiro [UFRJ], fiz iniciação científica no CBPF com Makler e Marcelo Portes de Albuquerque [atualmente, coordenador de desenvolvimento tecnológico do CBPF]; depois, fiz o mestrado, trabalhando em física teórica, com Nelson Pinto Neto [pesquisador titular do CBPF], e o doutorado novamente sob orientação do Makler. O ambiente do CBPF sempre foi muito acolhedor para mim, e a diversidade de áreas de conhecimento que a instituição abrange me ajudou a ter uma formação ampla, colaborando com pessoas e áreas muito distintas.
“O ambiente do CBPF sempre foi muito acolhedor para mim, e a diversidade de áreas de conhecimento que a instituição abrange me ajudou a ter uma formação ampla”
Sua tese de doutorado foi sobre lentes gravitacionais. Como foi mudar para o trabalho com detectores supercondutores?
[No Fermilab], eu estou trabalhando com um detector supercondutor de nitreto de titânio, chamado detector de indutância cinética em micro-ondas (MKIDs, na sigla em inglês). Trata-se de um detector de fótons que também é capaz de medir a energia dessas partículas de luz. Isso permite, em princípio, estimar o desvio para o vermelho de galáxias - uma medida fundamental para compreendermos o atual paradigma da cosmologia, como questões ligadas à distribuição de matéria escura do universo e à natureza da energia escura. Quando terminei o doutorado, avaliei com meu orientador, Makler, quais eram os lugares nos quais eu poderia trabalhar no pós-doutorado; preferencialmente, um lugar que tivesse sinergia com a instituição na qual atuo, o Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca [Cefet-RJ]. Surgiu a oportunidade de trabalhar com o desenvolvimento de tecnologia de detectores para astronomia óptica no Laboratório Fermi (Fermilab, nos Estados Unidos), com o pesquisador argentino Juan Estrada. Considero que ainda sou muito jovem e preciso ganhar experiência e desenvolver novas habilidades, que vão me auxiliar no amadurecimento como pesquisador. Por isso, achei essa uma oportunidade única para contribuir com o conhecimento que já tenho e aprender algo completamente novo.
Como é seu dia a dia no laboratório?
Meu trabalho, essencialmente, divide-se em duas partes: a primeira é gerar forecasts (estimativas) e análises sobre o quanto os experimentos de astrofísica e cosmologia poderiam se beneficiar dessa nova tecnologia d e detectores MKIDs . Nesse trabalho, acabo usando muito da minha formação na área de astrofísica. A segunda parte é a ‘mão na massa’, ou seja, o desenvolvimento de protótipos, o qual compreende a simulação da resposta do circuito e eventuais mudanças no design, a nanofabricação, em colaboração com a Universidade de Chicago [EUA] e o teste dos detectores produzidos. Todo esse trabalho - exceto a fabricação, que utiliza os laboratórios de nanotecnologia dessa universidade - é realizado no âmbito do Sidet, o laboratório de detectores do Fermilab.
"Estou trabalhando com um detector supercondutor que é capaz de medir a energia dos fótons. Isso permite, em princípio, estimar o desvio para o vermelho de galáxias - uma medida fundamental para compreendermos o paradigma atual da cosmologia"
Volta ao Brasil para trabalhar? O que pretende fazer?
Sim, retorno para o Brasil como professor do Cefet-RJ, depois do estágio pós-doutoral, realizado no Fermilab, e também de visita à Universidade de Valparaíso (Chile). Espero ganhar espaço na instituição para desenvolver esse tipo de pesquisa de ponta, mantendo meus laços e colaborações atuais como alumnus do CBPF. Esse tipo de pesquisa é muito cara, mas possível se contarmos com colaboração e o apoio de outras instituições, como o Fermilab e o CBPF. Naturalmente, também pretendo me dedicar mais à minha área de formação no doutorado, astrofísica e cosmologia com lentes gravitacionais.
Qual sua opinião sobre o futuro dos detectores supercondutores?
Os detectores supercondutores têm demonstrado potencial muito interessante. Esse tipo de tecnologia já tem sido empregada na observação da radiação cósmica de fundo no Telescópio do Polo Sul com grande sucesso. O grupo do qual faço parte está tentando desenvolver a tecnologia de MKIDs; em particular, no espectro óptico e infravermelho. Existem dificuldades do ponto de vista de engenharia e de fabricação, mas estou otimista e convencido de que elas serão superadas com o tempo. Uma vez superadas, os detectores MKIDs poderiam ser usados para desenvolver instrumentos capazes de obter espectroscopia de baixa resolução em grandes áreas do céu, levando, potencialmente, a uma nova geração de experimentos na área e mudando o modo como construímos câmeras para telescópios .
Qual a diferença entre os dispositivos de carga acoplada (CCDs) e o detector no qual você trabalha?
Os dispositivos de carga acoplada, charged coupled devices, ou CCDs, são detectores de silício e não são supercondutores. São uma tecnologia consolidada na área de imageamento, usada hoje em astronomia para imageamento no espectro óptico, por exemplo, pelo projeto Levantamento de Energia Escura [Dark Energy Survey ou DES], que teve sua câmera montada no Fermilab. São análogos, mas não iguais aos detectores da maioria das câmeras de celular, os quais são, normalmente, detectores CMOS [semicondutor de metal-óxido complementar].
Atualmente, o grupo do Fermilab está usando CCDs para tentar detectar neutrinos produzidos na usina de Angra [no Rio de Janeiro], no projeto CONNIE [sigla, em inglês, para Experimento de Interação Coerente Neutrino-Núcleo]. O objetivo é detectar candidatos a partículas de matéria escura. É o que está fazendo o DAMIC [sigla para Matéria Escura em CCDs]. A expertise que adquiri na fabricação dos MKIDS fez com que eu também colaborasse na construção de protótipo de peças que poderão ser usadas nesses experimentos.
Os CCDs contam hits [eventos], isto é, contam fótons que incidem no detector. Porém, no óptico e no infravermelho, não podem determinar a energia das partículas incidentes. É para dar o passo seguinte que estamos desenvolvendo os MKIDs, que são detectores supercondutores e operam em baixíssimas temperaturas - nos protótipos nos quais estamos trabalhando a temperatura é de cerca de 0,3 K, ou seja, pouco acima do zero absoluto [-273,15°C]. Manter o detector a essa temperatura, muitas vezes, é uma dificuldade. Os MKIDs permitem a detecção da energia, ou frequência, do fóton incidente e podem facilmente ser construídos em arrays [redes], isto é, com grande quantidade de pixels. A medida com resolução de energia em cada pixel pode, em princípio, estimar o desvio para o vermelho de galáxias. Mas, para isso, será preciso um longo caminho e um grande desenvolvimento dessa tecnologia.
De Bom em experimento no Fermilab
(Crédito: Acervo pessoal)