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Redes Neurais e Inteligência Artificial: Colaboradores do CBPF comentam o Prêmio Nobel de 2024
No último dia 08/10, John J. Hopfield da Universidade de Princeton, EUA, e Geoffrey E. Hinton, da Universidade de Toronto, Canadá, foram laureados com o Prêmio Nobel de Física 2024 por “descobertas e invenções fundamentais que permitem o aprendizado de máquina com redes neurais artificiais” – sendo a primeira vez que o prêmio é dado a uma pesquisa na área de Inteligência Artificial (IA).
“John Hopfield criou uma memória associativa que pode armazenar e reconstruir imagens e outros tipos de padrões em dados. Geoffrey Hinton inventou um método que pode encontrar propriedades em dados de forma autônoma e, assim, executar tarefas como identificar elementos específicos em imagens”, apresentou a Real Academia Sueca de Ciências em seu comunicado de premiação.
Mas aonde está a física?
A ciência, especialmente a física, é uma das áreas que mais produz e organiza dados no mundo. A computação, nesse contexto, atua como uma ferramenta essencial para estruturar, analisar e simular os dados gerados, potencializando descobertas e avanços científicos.
As redes neurais artificiais foram conceitualmente criadas na década de 1940, quando Warren McCulloch e Walter Pitts desenvolveram o primeiro modelo matemático inspirado no funcionamento dos neurônios biológicos. Nos anos 1950, o Perceptron de Frank Rosenblatt trouxe avanços práticos para o reconhecimento de padrões. Contudo, as redes neurais só se tornaram amplamente viáveis na década de 1980, ainda processadas em computadores clássicos. Um marco importante ocorreu em 2006, com o uso das unidades de processamento gráfico (GPUs) – originalmente desenvolvidas para computação gráfica – para realizar operações complexas em redes neurais. Esse avanço permitiu o desenvolvimento de novos algoritmos e o surgimento do conceito de redes neurais profundas (deep learning) em 2012, possibilitando um volume de cálculos antes impensável e revolucionando a inteligência artificial. |
A física teórica trouxe os conceitos necessários para o desenvolvimento de um modelo de redes que, inicialmente, não possuía uma implementação prática imediata. À medida que os computadores ganharam desempenho, surgiu a possibilidade de aplicar esses conceitos de forma prática – ainda que, no início, com implementações muito simples, bem distantes do que vemos hoje. No entanto, além da teoria para elaborar os modelos, era essencial ter dados para serem processados nas máquinas – e a física pode fornecer ambos.
O papel do CBPF
Campos como a geofísica, astronomia e astrofísica geram grandes volumes de dados, exigindo tecnologias avançadas para transformar esses dados em informações valiosas. A observação de fenômenos naturais, como a realizada por telescópios que monitoram o céu, exemplifica essa produção em escala que é impossível de ser analisada manualmente.
“A ciência básica oferece os fundamentos para o progresso científico, mas é também essencial desenvolver as tecnologias que viabilizam a aplicação desse conhecimento. Um dos grandes valores que o CBPF traz para essa discussão é destacar o papel da inteligência artificial na ciência, promovendo o desenvolvimento tecnológico e impulsionando a inovação em parceria com a indústria”, avalia Marcelo Portes de Albuquerque, coordenador de desenvolvimento tecnológico da instituição.
O CBPF aplicou técnicas de inteligência artificial em diversos problemas científicos, iniciando em 2010 com um projeto em parceria com a indústria petrolífera, focado em compreender as estruturas geológicas do pré-sal. Utilizando microtomografia, o projeto incorporou técnicas de processamento e classificação de padrões, além da medição de propriedades físicas em imagens de rocha. Com o tempo, modelos de redes neurais foram integrados, aprimorando a análise e a precisão dos resultados.
A partir desse ponto, o CBPF expandiu o uso da IA com o Laboratório de Computação e Inteligência Artificial (LITCOMP-IA), dedicando-se a resolver problemas em astrofísica e petrofísica. Em 2020, o CBPF venceu o segundo Desafio de Lentes Gravitacionais Fortes, organizado pela Universidade de Bolonha, uma competição internacional destinada a identificar sistemas de lentes gravitacionais em imagens simuladas, promovendo o desenvolvimento de técnicas avançadas de inteligência artificial e aprendizado de máquina para a análise de dados astronômicos. Esse sucesso impulsionou o desenvolvimento do supercomputador Sci.Mind, com múltiplas GPUs para processamento paralelo. Essas inovações receberam prêmios tanto nacionais quanto internacionais, incluindo o Prêmio Inventor Petrobras em 2022.
Atualmente, o Laboratório de Inteligência Artificial continua sendo uma referência no desenvolvimento de novos métodos de redes neurais para a física, utilizando técnicas de ponta para entender diversos fenômenos – desde a formação dos elementos no Universo até a exploração das diferentes camadas do pré-sal brasileiro. 'O Laboratório de Inteligência Artificial tem esse foco: garantir que o Brasil não seja apenas coadjuvante no desenvolvimento tecnológico de alto valor agregado', completa Marcelo P. de Albuquerque.
A teoria explica
A física teórica contemporânea se fundamenta em cinco pilares: a mecânica clássica de Newton, a mecânica relativística de Einstein, a mecânica quântica, o eletromagnetismo de Maxwell e a mecânica estatística de Boltzmann e Gibbs. Esta última integra os conceitos dos outros pilares com a teoria das probabilidades, fundamental para o desenvolvimento do conceito de entropia.
A mecânica estatística é essencial para o estudo de sistemas complexos, usando probabilidades para descrever comportamentos coletivos. Esse conceito foi adaptado às redes neurais e a inteligência artificial, especialmente nas áreas de:
Esses elementos tornam a mecânica estatística um recurso valioso no desenvolvimento de IA, especialmente na adaptação de redes neurais para resolver problemas complexos.
Mentes nacionais
“O Prêmio Nobel de Física deste ano, merecidamente concedido a John J. Hopfield, de Princeton, e Geoffrey E. Hinton, de Toronto, ilustra de forma brilhante como essas ciências estão interligadas, além de suas conexões com a neurologia, ciências computacionais e inteligência artificial”, avalia o professor emérito do CBPF, Constantino Tsallis. Referência em mecânica estatística e sistemas complexos, o físico destaca que o Brasil, especialmente o Rio de Janeiro, possui cientistas de renome internacional que fizeram contribuições importantes nessa e em áreas correlatas. “Cabe mencionar, entre outros, Evaldo M. F. Curado, do CBPF, Daniel A. Stariolo, da UFF — a 'máquina de Boltzmann' é um caso particular do Generalized Simulated Annealing —, e Roseli Wedemann, da UERJ, numa longa lista que abrange aspectos tecnológicos cruciais, como a computação quântica”, ressalta.
INCT
O CBPF também abriga o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sistemas Complexos (INCT-SC), criado em 2008 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI). Coordenado pelo professor Evaldo M. F. Curado e com Constantino Tsallis em seu Comitê Gestor, o instituto foca suas pesquisas em complexidade aplicada a sistemas biológicos, econômicos, mecânica estatística não extensiva e processamento de sinais e imagens para análise, detecção e predição.
Entrelaço
“A maneira complexa e rica como essas áreas se entrelaçam lembra, definitivamente, as ciências biológicas e humanas, mostrando que a taxonomia — disciplina biológica que define e nomeia grupos de organismos com base em características comuns — revela mais sobre a curiosidade e versatilidade do intelecto humano do que sobre fronteiras epistemológicas propriamente ditas da natureza. As múltiplas ciências e suas fronteiras evoluem com o tempo, ilustrando a célebre sentença do filósofo espanhol José Ortega y Gasset: ‘Yo soy yo y mi circunstancia’ (Eu sou eu e minha circunstância, em tradução livre). Bela escolha para o Prêmio Nobel de Física deste ano!”, conclui Tsallis.
O professor do CBPF e responsável pelo LITCOMP-AI, Clécio De Bom, ressaltou a importância do prêmio ser dado a interdisciplinaridade da física: "O prêmio possui uma importância histórica ao enaltecer as contribuições que a física teve no desenvolvimento das redes neurais, ressaltando as interações mútuas entre as disciplinas que nos levaram a um enorme impacto tecnológico e científico visto hoje."
Próximos passos da Física e IA
Adalberto Fazzio, membro do Conselho Técnico-Científico (CTC) do CBPF, destacou a importância do Prêmio Nobel em conectar diretamente a IA com a física: ”O Prêmio Nobel de Física deste ano sinaliza o chamado quarto paradigma da ciência: a ciência de dados. Os físicos podem se perguntar se isso é realmente física! Diria que a IA está impactando todos os campos do conhecimento”. Fazzio comentou sobre o crescimento da IA na biologia — também grande produtora de dados, assim como a física — e seu papel na descoberta de novas propriedades na área de materiais: ”Os avanços são fantásticos; Hopfield e Hinton são pioneiros e merecedores do Nobel deste ano”, completa o atual diretor e pesquisador docente da Illum – Escola da Ciência. |
Mais informações:
Laboratório de Computação e Inteligência Artificial (LITCOMP-AI): https://litcomp.cbpf.br/ai/pt
Illum - Escola de ensino superior interdisciplinar em Ciência e Tecnologia: https://ilum.cnpem.br/
Comunicado de imprensa Nobel: https://www.nobelprize.org/prizes/physics/2024/press-release/