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Produção artificial do méson pi teve ampla repercussão na mídia norte-americana na década de 40
MEMÓRIA POR IMAGEM
(Crédito: Memória por Imagem/Biblioteca do CBPF)
A convite do Núcleo de Comunicação Social, Antonio Augusto Passos Videira ‒ professor do Departamento de Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador colaborador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) ‒ passa a comentar mensalmente, em breves ensaios, uma fotografia do acervo ‘Memória por Imagem’, coordenado por Valéria Fortaleza, da Biblioteca do CBPF. O tema deste mês são os 70 anos da produção artificial do méson pi, feito científico que teve ampla repercussão na mídia dos EUA.
Há 70 anos, um feito científico causou sensação na comunidade internacional: a produção artificial (em laboratório) do méson pi, uma partícula até então detectada apenas na radiação que chegava à Terra vinda do espaço. O feito foi realizado no então no mais potente acelerador de partículas do mundo, o sincrocíclotron de 184 polegadas na Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA).
A imagem acima ‒ do acervo ‘Memória por Imagem’, da Biblioteca do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ) ‒ mostra os dois responsáveis pela produção artificial do méson pi: o físico brasileiro César Lattes (1924-2005) ‒ à esquerda, na foto ‒ e seu colega norte-americano Eugene Gardner (1913-1950), ambos ao lado de uma das partes do acelerador. Lattes é um dos fundadores do CBPF.
Produção natural
No ano anterior, a revista Nature de 24 de maio de 1947 já havia detalhado a detecção dessa nova partícula subatômica. Dessa vez, o feito havia sido obtido, na Universidade de Bristol (Reino Unido), a partir da exposição de chapas fotográficas especiais (emulsões nucleares) à radiação cósmica, que são núcleos atômicos ultraenergéticos que bombardeiam a Terra a todo instante e que, ao se chocarem contra átomos da atmosfera, geram uma cascata de novas partículas. Entre estas, estava o méson pi, responsável por manter o núcleo atômico coeso.
Essa detecção ‒ que teve participação decisiva de Lattes, então na Inglaterra ‒ é denominada ‘natural’, por ter empregado como fonte a natureza (entenda-se, raios cósmicos).
As notícias sobre a produção natural espalharam-se. Do norte da Europa, veio o convite para Lattes dar palestras. Em Copenhague, o jovem brasileiro encontrou-se com o físico Niels Bohr (1885-1962), Nobel de Física de 1922. O dinamarquês ficou surpreso ao saber que o brasileiro pretendia deixar Bristol e seguir para os EUA, para tentar detectar mésons no sincrocíclotron de 184 polegadas.
Essa máquina, que havia começado a funcionar em 01 de novembro de 1946, tinha o propósito de produzir mésons. Mas, para o constrangimento geral, essas partículas não haviam ainda sido detectadas até aquele início de 1948.
Dez dias depois da chegada do brasileiro, com a ajuda de Gardner, os mésons foram visualizados em chapas fotográficas expostas ao feixe de partículas gerado por aquele equipamento.
Feito científico do ano
Pela primeira vez, partículas detectadas apenas na radiação cósmica haviam sido produzidas artificialmente. A detecção dos mésons pi por Lattes e Gardner mostrava que um avanço técnico ‒ denominado estabilização de fase ‒ implementado naquele sincrocíclotron funcionava. Estavam, assim, lançadas as sementes para uma nova forma de fazer física: a ‘Era das Máquinas’, que faria dos EUA o centro mundial dessa disciplina pelo próximo meio século.
A produção artificial do méson pi foi capa da revista Science News Times ; ocupou as páginas de duas edições da revista Time-Life ; mereceu coletiva de imprensa, publicada pela revista Nucleonics ; rendeu reportagens no jornal New York Times , cuja editoria de ciência elegeu aquela detecção como o feito mais importante da física daquele ano, comparando-o à fissão do núcleo atômico. “Foi um verdadeiro carnaval”, resumiu Lattes, décadas mais tarde.
Antonio Augusto Passos Videira
Pesquisador colaborador
CBPF
Departamento de Filosofia
UERJ
Sugestões para leitura:
Physics in Perspective (em inglês):
https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00016-014-0128-6
‘Ilustríssima’ ( Folha de S. Paulo ):